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Coomaraswamy Diluvio

O objetivo principal desta nota é apresentar a lenda indiana do dilúvio como um caso especial da Viagem Patriarcal (pitryana), e ao mesmo tempo em uma relação coerente e inteligível com outras concepções fundamentais da cosmologia e escatologia védicas. São anotadas incidentalmente algumas analogias com outros aspectos tradicionais da lenda do dilúvio. Existam ou não fundamentos para a crença em um dilúvio histórico, a doutrina dos manvantaras, como a dos kalpas, é uma parte essencial da tradição hindu, e não pode ser explicada por nenhum warid histórico, da mesma maneira que os anjos védicos não podem ser explicados pela deificação dos heróis. Além disso, a lenda do Dilúvio pertence claramente a uma tradição mais antiga que qualquer redação ou referência indiana existente, mais antiga que os Vedas em sua forma presente; estas redações indianas devem ser consideradas como tendo uma fonte comum com as versões suméria, semítica e talvez também eddaica, e as correspondências não devem ser atribuídas a uma “influência” mas a uma transmissão por herança da fonte comum.

Os “Dilúvios” são uma característica normal e recorrente do ciclo cósmico, ou seja, do período (para) de uma vida de Brahma, equivalente a 36.000 kalpas, ou “dias” de tempo Angélico. Em particular, o naimittikapralaya no final de cada kalpa (o fechamento de um “dia” de tempo Angélico, e equivalente ao “Juízo Final” Cristão), e o prakrtikapralaya no final do tempo da vida de um Brahma (o fechamento de um “dia” do Tempo Supernal) são essencialmente a resolução das existências manifestadas em sua potencialidade indeterminada, as Águas; e cada ciclo de manifestação renovado é um dar à luz ao “dia” seguinte as formas latentes como potencialidade nas águas do depósito do ser. Em cada caso as sementes, ideias ou imagens da manifestação futura persistem durante o intervalo ou inter-Tempo de resolução em um plano de existência mais alto, inafetadas pela destruição das formas manifestadas.

Quanto a isto, se compreenderá, é claro, que o simbolismo cronológico, inevitável do ponto de vista empírico, não pode ser considerado como caracterizando realmente a atualidade atemporal de todas as possibilidades de existência no presente indivisível do Absoluto, para Quem toda a multiplicidade se reflete em uma única imagem. Assim, como não pode haver nenhuma destruição das coisas como elas são no Si mesmo, mas só das coisas como elas são em si mesmas, a eternidade, ou mais bem a atemporalidade das ideias, é uma necessidade metafísica. De onde a concepção de outro tipo de transformação, um atyantika pralaya, uma resolução última ou absoluta, que há de ser cumprida pelo indivíduo, como sua Realização, quando ou onde quer que possa estar: de fato, quando pela aniquilação de si mesmo um homem efetua por si mesmo a transformação das coisas como elas são em si mesmas, e as conhece só como elas são no Si mesmo, se torna imortal — não relativamente, como os Devas, que duram meramente até o fim do Tempo — mas absolutamente, como independente do tempo e de toda outra contingência. Deve-se observar que as ideias (imagens, tipos) em questão não são exatamente as ideias platônicas, mas ideias ou tipos de atividade, visto que o conhecimento e o ser do Si mesmo consiste em ato puro; no simbolismo cronológico sua eficácia criativa se expressa nos termos de adrsya ou apurva karma, de “consequência latente” ou “invisível”.

Enquanto a criação de um cosmos (Brahmanda) no começo de um para, e a recriação dos elementos resolvidos do cosmos no começo de cada kalpa, são a obra de Brahma (Prajapati), o Oni-Progenitor, a gênese e guia mais próximas da humanidade em cada kalpa e manvantara a leva um Patriarca (pitr) de estirpe angélica, a quem se chama Manu ou Manus. Em cada kalpa há catorze manvantaras, presidido cada um por um Manu individual como progenitor e legislador; assim mesmo os rshis, e Indra e os demais (karma-) devas, são individuais para cada manvantara. O primeiro Manu do presente kalpa foi Svayambhuva, “filho de Svayambhu”; o sétimo Manu, que é o presente, é Vaivasvata, “filho do Sol”. Cada Manu é um sobrevivente determinado e consciente do manvantara anterior, e através dele se preserva e transmite a tradição sagrada. O Manu particular aludido em cada caso não sempre está registrado nos textos, e em tais casos, geralmente, se há de entender que a referência é ao Manu presente (Vaivasvata). Não se afirma expressamente que tenha lugar um dilúvio à conclusão de cada manvantara, mas isto pode ser assumido na base da analogia de “o” dilúvio conectado com o Manu Vaivasvata (Shatapatha Brahmana I.8.1-10), e à analogia do grande “dilúvio” que marca a conclusão de um kalpa; mas enquanto neste último caso o princípio de continuidade o proporciona a Hipóstase criativa, que flutua dormida reclinada sobre a superfície das águas, suportada pelo Naga “Eternidade” (Ananta), no caso da resolução ou submersão parcial das formas manifestadas que tem lugar ao fechamento de um manvantara, o elo de conexão o proporciona a viagem de um Manu em uma arca ou navio. Pode-se observar que este é essencialmente uma viagem para cima e para baixo da pendente (pravat) do céu em vez de uma viagem de cá para lá, e que é completamente diferente da viagem do devayana, que é continuamente para cima e para uma margem de onde não há nenhum retorno.

Nós não estamos informados da duração cronológica do dilúvio e da viagem de Manu. Da analogia dos pralayas maiores, poderia ser inferida uma duração igual à do manvantara precedente, mas talvez se encontre uma analogia mais plausível nos “crepúsculos” dos yugas, e isto sugeriria um período de submersão relativamente muito mais curto. Quanto à profundidade da inundação, temos melhor informação. Em primeiro lugar é evidente que a resolução das formas manifestadas, ao fechamento de um manvantara, será de um alcance cósmico menor que a dos “três Mundos”, que tem lugar ao fechamento de um kalpa, e isto significará necessariamente que dos “três Mundos”, estão isentos de submersão ao menos o svar (os céus “Olímpicos”), e talvez também o bhuvar (as esferas “atmosféricas”); sabemos em todo caso que Dhruva (a Estrela Polar) permanece inafetada durante todo o kalpa. A terra (bhur) se submerge completamente. A viagem de um Manu, tipicamente um Patriarca (pitr), é um caso especial da Viagem Patriarcal (pitryana), e este, como sabemos, é uma viagem a e da “Lua”, visto que quem viajam regularmente por esta rota são os Patriarcas (a quem se chama coletivamente como pitaras), e os Profetas (rshis) “desejosos de descendentes” (praja-kamah, Prasna Upanishad I.9). Por conseguinte, a inundação sobre a qual é levado para cima o barco de Manu, deve subir ao menos até o nível da esfera da Lua, embora não seja necessário supor que a Lua mesma seja submersa.

Embora se descarte que as águas do dilúvio se estendam até os céus Empíreos, o Mahar-loka ou o mais além, há boas razões para supor que ao subir até o nível da Lua devem tocar também as margens dos céus Olímpicos (o Indra-loka, o deva-loka). Pois, embora o Indra-loka ou deva-loka se considere como uma estação, não da Viagem Patriarcal, mas da Viagem Angélica, é inegável que o Indra-loka se considera continuamente como um lugar de recompensa dos mortos meritórios, dos guerreiros em particular, que residem ali gozando da sociedade das apsarasas e de outros prazeres até que, em seu devido curso, chegue o tempo de seu retorno às condições humanas. E embora se diga que o efeito latente das Obras permanece efetivo em última análise durante todo um kalpa (Vishnu Purana II.8), pelo fato de que a ocupação do ofício de Indra dura só o período de um manvantara (e daqui que um kalpa possa ser chamado também tanto um período de catorze Indras quanto um período de catorze Manus) parece que a recompensa no Indra-loka deve ser geralmente da mesma duração; por conseguinte, no começo de um manvantara deve se iniciar um descenso geral do Mundo Angélico, em não menor medida que o do Mundo Patriarcal. Está claro que os dois Mundos, o Indra-loka ou deva-loka e a Lua em tanto que pitr-loka, são psicologicamente equivalentes, visto que ambos são estações da recompensa das Obras kamya; de fato, se diz constantemente que os Patriarcas saboreiam o Soma em companhia dos Anjos, e em Valakhilya IV.1 se afirma especificamente que Manu bebeu Soma em companhia de Indra. Poder-se-ia expressar a situação dizendo que enquanto a Lua é naturalmente o pitr-loka do ponto de vista (Brahmana), em tanto que a morada póstuma de “aqueles que no povoado reverenciam uma crença no sacrifício, o mérito e a esmola” (Chandogya Upanishad V.10.3), o Indra-loka ou o deva-loka é naturalmente o lar dos mortos do ponto de vista (Kshatriya) do guerreiro. E se o Indra-loka se nomeia só como uma estação do devayana, isto se deve a que representa efetivamente uma estação da qual não só há a necessidade de retorno para aqueles que cumpriram apenas Obras, mas também a possibilidade de um passo pela via do Sol aos céus Empíreos no curso da Krama mukti, e um passo que é sem retorno, no caso daqueles “que compreendem isto e que no bosque adoram verdadeiramente” (Brhadaranyaka Upanishad VI.2.15). Quando em Rig Veda Samhita X.14.17 se diz que os dois reis a quem os mortos encontram ao alcançar o “céu” não são Indra e Yama, mas Varuna e Yama, ou seja, Varuna no caso da Viagem Angélica (visto que o que alcançou o nível das águas celestiais se enfrenta com a possibilidade do ser futuro só sob condições celestiais), e Yama no caso da Viagem Patriarcal, pode-se supor que se omite o Indra (-loka) em tanto que é só uma etapa na via para Varuna.

Com respeito a Yama, visto que é o irmão de Manu (Vaivasvata) no tempo presente, deve-se compreender que “Yama” implica sempre o Yama de um dado manvantara. Yama e Manu, chamados ambos Patriarcas (pitr), se contrastam neste respeito, e assim, enquanto que Yama, ao ser o primeiro homem a morrer, foi também o primeiro a encontrar a via ao outro mundo ou, em outras palavras, a traçar o passo para fora do pitryana, e com isso, como primeiro povoador, se tornou o rei e o governante de todos aqueles que o seguiram, Manu é ao mesmo tempo o último e o único sobrevivente do manvantara anterior e o progenitor e o legislador no presente. É naturalmente aceitável o ponto de vista de Hillebrandt a respeito de Yama (Vedische Mythologie, I, 394; II, 368, etc.) em tanto que governante original da esfera da Lua, talvez em outro tempo simplesmente do Deus-Lua, visto que seu reino ou paraíso é especificamente o dos mortos. Em todo caso, de uma maneira ou outra, Yama e a Lua se consideram como os discriminadores dos mortos, visto que assinalam seu curso (yana) segundo estejam qualificados pelas Obras ou pela Compreensão. Este “julgamento” se expressa excepcionalmente em Kaushitaki Upanishad I.2 como uma seleção efetuada pela Lua mesma, em tanto que a porta do mundo celestial. Mais caracteristicamente, a discriminação é levada a cabo pelos dois cachorros de Yama, Shabala e Shyama (“Iridescente” e “Obscuro”), que correspondem ao Sol e à Lua, como argumentou Bloomfield (Journal of the American Oriental Society, XV, 171) com referência a Rig Veda Samhita X.14.10; e isto é apoiado por Prasna Upanishad I.9 e 10 (e o Comentário de Shankaracarya), onde o Sol, considerado como uma estação no devayana, não é meramente impassível em um sentido passivo para quem estão desprovidos de Compreensão, mas que é efetiva e ativamente uma barreira (nirodha) que impede a quem não estão qualificados de passar a um paraíso (amrtam ayatanam) de onde não há nenhum retorno. Incidentalmente, isto também nos permite estabelecer a correspondência do Anjo hebraico da Espada Flamejante com o Sol Védico em tanto que barreira (nirodha); visto que a “Espada Flamejante” é a Koyre Boehme Homem Queda natural do Anjo, em virtude de seu caráter solar. Aqui pode-se observar também a analogia do pitryana com a escada de Jacó.

Embora a Compreensão parcial que constitui o navio do Viajante na Viagem Angélica lhe absolva da necessidade de retornar às condições corporais humanas, o efeito latente das Obras necessita um curso de retorno da Viagem Patriarcal. Em outras palavras, o pitryana é uma representação simbólica do que agora se chama a doutrina da reencarnação, e está relacionado com a noção da causalidade latente (adrshta ou apurva). O caráter puramente simbólico de toda a concepção se faz completamente evidente quando refletimos que do ponto de vista da Verdade mesma, e no Presente absoluto, não pode ser feita nenhuma distinção de causa e efeito; e que o que se chama muitas vezes a “destruição do karma”, ou mais corretamente uma destruição dos efeitos latentes das Obras, efetuada pela Compreensão e implícita em mukti, não é realmente uma destruição das causas válidas (como se fosse possível fazer com que o que foi não tivesse sido, ou conceber uma potencialidade do ser sem realizar no Si mesmo), mas simplesmente uma Realização da identidade de “causa” e “efeito”. Deve-se compreender similarmente, com referência à designação dos estados do ser em termos espaciais, como por exemplo “o Sol” ou “a Lua”, que estes não devem ser tomados literalmente com respeito aos luminares visíveis; e que tampouco devem ser tomadas assim as designações análogas dos estados do ser como fases do tempo, por exemplo, as da quinzena luminosa ou obscura, cf. Prasna Upanishad I.12. De fato, não parece que a tradição védica proponha realmente uma doutrina da reencarnação no sentido altamente individual e literal budista, jaina e moderno, nem tampouco um retorno individual a condições idênticas, tais como as de um único manvantara, mas meramente um retorno a condições análogas em outra idade, manvantara ou kalpa segundo possa ser o caso. Desvestida assim de uma interpretação demasiado literal, a doutrina védica (upanishádica) da “reencarnação” implica uma certa semelhança com as concepções modernas da “herança”: nós falamos também da continuidade do “plasma-germe”, de “genes” relativamente sempiternos, e da possibilidade de que as características de um antepassado remoto possam ser repetidas em um descendente; nós sabemos muito bem que o “Homem nasce como um jardim já plantado e semeado”, e poucos de nós podem descartar sempre a convicção de que “um homem tem o que lhe advém”.

Outro ponto de importância em conexão com isto: embora o ponto de vista védico presuma necessariamente uma imortalidade, ou seja, uma atemporalidade de todas as potencialidades do ser que subsistem tipicamente no Si mesmo (e isto, do ponto de vista do Si mesmo, pode ser considerado como uma existência eterna na imagem do mundo, não meramente de cada indivíduo, mas de cada ato de cada indivíduo sobre qualquer plano do ser), uma imortalidade deste tipo não deve ser considerada de modo algum como uma imortalidade do ponto de vista de uma consciência individual. Se afirma com suficiente clareza que tanto a imortalidade relativa dos Anjos, como a imortalidade absoluta da Realização são condições que dependem inteiramente do esforço individual; ou, como se expressa de um ponto de vista mais limitado na tradição cristã, cada indivíduo deve trabalhar por sua própria salvação. Por assim dizer, não pode haver nenhuma “imortalidade” para a mônada individual que não adquiriu uma “alma” pelo devido cumprimento das Obras, ou realizado o Si mesmo já seja parcialmente como um Viajante ou completamente como um Compreensor. Quanto aos seres infra-humanos, “as pequenas criaturas, que retornam continuamente”, de quem se diz “Nasce e morre”, o deles é um “terceiro estado”; seu curso é efêmero, e não é pelo devayana nem pelo pitryana, embora não se exclua a possibilidade de que inclusive um animal, sob circunstâncias especiais, possa desenvolver uma consciência com um valor sobrevivente. E quanto a esses seres humanos na forma, mas em absoluto menschlich (= humanos) na natureza, que não cumprem sequer uma virtuosidade (kausalya) nas Obras, se diz que sua Psique renasce em matrizes animais, ou alternativamente que se perde. Daqui (é claro só do ponto de vista humano, visto que não há nenhuma superioridade de um estado sobre outro aos olhos do Si mesmo) a suma importância do nascimento na forma humana; pois aqui e agora se determina se o indivíduo herdará ou não a Vida Eterna, ou ao menos uma possibilidade renovada de ganhar a Vida Eterna. Além disso, o Veda é o corpo da Verdade no qual está estabelecida a via da vida; e esta Verdade, eterna na consciência do Si mesmo (sem distinção entre “conhecimento” e “ser”), se transmite como foi “escutada”, por uma sucessão de Profetas (rshis) de manvantara em manvantara.

Enquanto o pitryana se manifesta assim na sucessão dos manvantaras, o devayana é uma via por onde o indivíduo se afasta cada vez mais da “tempestade do fluxo do mundo” (Mestre Eckhart, ed. Evans, I, 192), visto que aqueles que viajam no navio do Conhecimento normalmente “não retornam nunca” (punar na avartante). A única exceção a isto é o caso de um avatara, cujo retorno ou descenso é certamente inevitável, como o dos Patriarcas, mas com esta diferença, que neste caso a necessidade surge de um auto-compromisso puramente voluntário (como se mostra claramente no caso dos Bodhisattvas, cuja aparição como um Buddha é uma consequência do pranidhana prévio); e com esta distinção, que em tais casos o descenso não é tanto uma incorporação efetiva ou uma sujeição desvalida às condições humanas, como uma manifestação (nirmana) que não infringe o centrado da consciência no estado do ser mais alto desde o qual tem lugar a avatarana. No caso de uma avatarana do Senhor Supremo, esta há de ser considerada como um ato imediato de vontade ou de Gratia; e aqui deve se invocar a fortiori a doutrina de nirmana ou a da encarnação meramente parcial (amsa).

Vimos que todo procedimento de um estado do ser a outro, embora formalmente é “uma morte” (punar mrtyu), do ponto de vista védico se considera como um passo de uma estação a outra de uma viagem sobre o mar da vida. Este mar só pode ser considerado como de uma superfície horizontal enquanto nossa atenção está confinada a um único e mesmo estado do ser; sempre que há implícito uma mudança de estado, como nas Viagens Angélica ou Patriarcal, a superfície do mar da vida se concebe necessariamente como uma pendente ou como uma forma limítrofe de uma sucessão de graus, que conduzem para cima ou para baixo, segundo seja o caso, e como se procedesse de um vale a uma altura e vice-versa. A pendente, subida ou altura se chama pravat em contraste com nivat, descenso ou profundidade. Pravat se encontra frequentemente no Rig Veda e Atharva Veda. Aqui bastará notar Atharva Veda Samhita VI.28.3, onde se diz que Yama foi o primeiro a subir a encosta (pravat), explorando a via para muitos; Atharva Veda Samhita X.10.2, onde se diz que as pendentes são em número de sete, evidentemente com referência aos sete planos do ser, ou seja, os “três Mundos” e os quatro céus Empíreos, Mahar, Janas, Tapas e Satyam; e Atharva Veda Samhita XVIII.4.7, onde se diz que o cruzamento dos vaos (tirtha) das grandes alturas é por meio das Obras sacrificais do meritório. Tudo isto é consistente com a Viagem Angélica do iluminado na barca da Compreensão e com a Viagem Patriarcal daqueles cuja barca são as Obras.

A concepção do mar da vida como um oceano e a de sua “superfície” como uma pendente explica também muita da terminologia das viagens póstumas, e do de um Manu. Por exemplo, o alcance do nível de um estado do ser, um porto de escala na viagem, se considera como uma amarração em porto: daqui que em Atharva Veda Samhita XIX.39.7, onde há uma alusão incidental à Viagem Angélica, o batel que viaja pelo céu está provido de uma amarração de ouro (bandhana), e se encontram noções correspondentes em Shatapatha Brahmana I.8.1.6 no mandato a Manu, vrkshe navam pratibandhisvatam, “ata a barca a uma árvore”; em Mahabharata III.187.48, “ata a barca ao topo do Himalaia”; e III.187-50, nau-bandhana, “amarração de barca”, que denota o topo do Himalaia, onde a barca de Manu se pousou em terra quando desceu a inundação. Da mesma maneira, a concepção de uma pendente ou uma “subida” em contraste com uma “descida” explica o uso constante do prefixo verbal ava —, “abaixo”, sempre que se considera um descenso sobre o mar da vida, como em Atharva Veda Samhita XIX.39.8, onde se diz que para aqueles (viajantes no devayana) que “veem a imortalidade” não há “nenhum deslizamento para baixo”, na'avaprabhramsana, e Shatapatha Brahmana I.8.1.6, onde ao descenso da arca de Manu se lhe chama avasarpana, com o mesmo sentido de “deslizamento para baixo”.

O paralelo geral com a tradição bíblica é muito estreito; o relato da criação no Gênesis corresponde à criação no começo do presente kalpa, e o do Dilúvio e Noé ao do Dilúvio e Manu Vaivasvata. No entanto, Manu não se considera como levando com ele dentro da arca uma esposa e casais de criaturas segundo sua espécie; em outras palavras, o aparato da versão hebraica a este respeito é mais mecânico. Manu é um progenitor da humanidade no sentido em que todos os homens são da semente de Manu; e como a reencarnação dos Patriarcas não é todos ao mesmo tempo, mas dia a dia no curso natural dos acontecimentos, não se deve compreender que eles desceram na arca de Manu literalmente, mas pelo pitryana em sua conotação geral, e que sua genealogia de Manu, por assim dizer, está implícita e é por virtude seminal. Seu nascimento efetivo, dia a dia, se descreve algo obscuramente em vários relatos do retorno na Viagem Patriarcal, como um descenso de rasa com a chuva, e uma subsequente evolução.

O Gotterdammerung eddaico, e a subsequente restauração do mundo, pode representar também a tradição original de um dilúvio ao fechamento de um período do mundo: na Voluspa, expressões tais como vepr oll valynd, ragna rok, verold steypesk, skelfr Yggdrasels, snysk jormongandr, himenn klofnar, seguida por Ser upp koma opro sinne jorth or aegre ipjagroena... sas a fjalle fiske veiper, e a assembleia dos Aesir, que nos lembra o fornar runar, são todas estreitamente paralelas das descrições indianas do fim de uma idade do mundo e da subsequente restauração. O achado do gollnar toflor paers i arda ga atta hofpo lembra a versão de Beroso da lenda do dilúvio (Isaac Preston Cory, Ancient Fragments, Londres, 1832, pp. 26 sig.), onde se enterra em Sippara uma história do começo, procedimento e conclusão de todas as coisas (um verdadeiro Purana!) antes da submersão da terra, se encontra de novo depois da descida da inundação, e então se dá a conhecer de novo à humanidade.