Carregando...
 
Skip to main content
id da página: 12426 Padoux – Mundo Hindu Tântrico – Definição de Tantra André Padoux

Padoux Mundo Hindu Tantrico

André Padoux – Mundo Hindu Tântrico

PADOUX, André. The Hindu Tantric world: an overview. Chicago (Ill.) London: The University of Chicago press, 2017.

A Problemática da Definição e a Abordagem do Fenômeno Tântrico
  • A própria natureza, extensão e continuidade temporal do fenômeno tântrico suscitam um problema fundamental de identificação, exigindo uma explicação sobre como práticas e noções diversas, surgidas na Índia e difundidas por grande parte da Ásia, possuem traços comuns suficientes para serem consideradas um fenômeno sociorreligioso específico, reconhecível e talvez definível dentro das religiões indianas como o hinduísmo, o budismo e o jainismo.
  • A percepção de um fenômeno global comum pode ser considerada uma construção intelectual ocidental, uma abordagem ética, visto que os estudiosos europeus foram os primeiros a identificar e agrupar sob o rótulo tântrico traços que inicialmente julgavam limitados a uma área específica, mas que posteriormente se revelaram onipresentes, levantando a questão se tais elementos constituem uma entidade distinta ou apenas semelhanças familiares dispersas.
  • Apesar da artificialidade da categoria ocidental tantrismo, tal abordagem não é totalmente infundada, pois obras indianas denominadas Tantra foram escritas durante séculos, e o caráter desses textos, ritos e observâncias foi reconhecido na tradição indiana como possuindo uma especificidade própria, sendo muitas vezes considerados uma forma de Revelação divina.
  • A nomenclatura e a definição desse domínio sociorreligioso enfrentam a dificuldade imposta pela extensão no tempo e no espaço e pela diversidade da presença tântrica, cuja base textual é imensa, frequentemente arcana e, em grande parte, descoberta apenas recentemente, o que sugere que novos elementos ainda podem alterar a compreensão acadêmica sobre o assunto.
  • A aplicação do termo hinduísmo à infinita diversidade de crenças, cultos e práticas desenvolvidas na Índia sobre uma base védica é, assim como o termo tantrismo, uma construção externa, desconhecida na Índia tradicional antes da presença islâmica e do período colonial britânico, embora os indianos tivessem consciência dos traços comuns das tradições bramânicas e de sua distinção em relação a outros grupos como budistas ou jainistas.
Histórico da Descoberta e Interpretação Acadêmica Ocidental
  • As primeiras observações sobre o fenômeno ocorreram no final do século XVIII e início do XIX, com a publicação de listas de Tantras e estudos pioneiros como o de H. H. Wilson em 1832, que descreveu as práticas dos adoradores da mão esquerda ou vamacharis, notando sua prevalência entre os saivas, embora sem utilizar explicitamente o termo tântrico para descrever o conjunto das práticas.
  • Eugène Burnouf, em 1844, ao estudar os Tantras budistas, notou sua relação com o saivismo, caracterizando-os pelas práticas que considerava ridículas e obscenas, uma visão limitada que focava apenas nos rituais externos sem compreender as noções filosóficas subjacentes ou a pervasividade do fenômeno.
  • Foi sir John Woodroffe, sob o pseudônimo de Arthur Avalon, quem, no início do século XX, proclamou pioneiramente a importância do mundo tântrico, afirmando que o hinduísmo medieval e moderno era largamente tântrico e que os Tantras eram a fonte fundamental de conceitos prevalentes no culto, na iniciação e no yoga, desempenhando um papel crucial na edição e publicação de textos tântricos.
  • A compreensão acadêmica evoluiu significativamente após a Segunda Guerra Mundial, com Mircea Eliade descrevendo o tantrismo não como uma nova religião, mas como um estágio evolutivo importante e uma moda pan-indiana a partir do século VI, destacando a centralidade da sakti, a importância do corpo e das técnicas meditativas.
  • Lilian Silburn e Louis Renou apontaram a onipresença dos elementos tântricos, sugerindo que qualquer texto posterior ao século X isento de tais elementos seria provavelmente uma tentativa artificial de reviver um hinduísmo antigo, enquanto Madeleine Biardeau interpretou o tantrismo como uma leitura esotérica da tradição bramânica que amplifica noções sobre a Palavra e utiliza o desejo, kama, como meio de progressão para a libertação.
  • Jean Filliozat definiu o tantrismo como o aspecto técnico e ritual da religião, seja ela saiva, vaisnava ou budista, uma visão que, embora minimalista, ressalta a importância fundamental do ritual na tradição indiana, onde a precisão ritualística, e não a mera devoção, garante a eficácia e a manutenção da ordem cósmica.
  • Teun Goudriaan caracterizou o tantrismo como uma das principais correntes da tradição religiosa indiana, cuja natureza variada e complicada torna quase impossível uma definição única, enquanto David G. White enfatizou os laços entre Tantra e alquimia e a distinção entre um núcleo transgressivo e um tantrismo suave difundido no hinduísmo geral.
  • Dominic Goodall e Harunaga Isaacson definiram as tradições tântricas como religiões iniciáticas que surgiram por volta do século VI, reivindicando autoridade para escrituras chamadas Tantra e prometendo libertação e poderes sobrenaturais através de mantras, destacando a importância dos gurus tântricos na vida das cortes reais.
A Autocompreensão Indiana: Terminologia, Revelação e Hierarquia
  • O termo sânscrito tantra, derivado da raiz TAN que significa estender ou tecer, denota sistema, doutrina ou obra, sendo aplicado a textos diversos, inclusive não religiosos, embora a partir do século VI tenha passado a designar obras que propunham novas práticas e noções reveladas por divindades não védicas.
  • Estabeleceu-se uma distinção, e por vezes uma oposição, entre o vaidika (védico) e o tantrika (tântrico), exemplificada por Kulluka Bhatta no século XV, que classificou a Revelação, sruti, em duas formas: a védica e a tântrica, ambas de origem divina, sendo a tântrica considerada pelos seus adeptos como uma revelação superior e mais adequada à era cósmica atual, o kaliyuga.
  • As tradições tântricas caracterizam-se pelo conceito de tantravatara, a descida do Tantra do plano transcendente para o mundo, apresentando ensinamentos que não rejeitam inteiramente as regras bramânicas baseadas no Veda, mas as consideram válidas apenas no plano inferior da vida social, enquanto os ensinamentos tântricos conduziriam à libertação final.
  • A relação entre ortodoxia e heterodoxia no hinduísmo é complexa, definida mais pela ortopraxia do que pela crença, permitindo que indivíduos respeitem as regras sociais de casta e pureza, como os ritos de passagem ou samskaras, ao mesmo tempo que seguem divindades e práticas tântricas, demonstrando uma interpenetração entre os elementos vaidika e tantrika.
  • Filósofos como Jayanta Bhatta e Yamunacarya defenderam a validade das revelações tântricas, como as do sistema Pancaratra, desde que não contradissessem a tradição védica, argumentando que tais práticas emanavam do mesmo deus supremo adorado por todos.
  • Abhinavagupta, o grande filósofo da Caxemira, articulou uma visão hierárquica inclusiva onde todas as tradições, desde as doutrinas populares até as védicas, vaisnavas, budistas e saivas, são válidas em seus próprios planos e atendem a necessidades específicas, embora sua própria tradição, o saivismo não dualista Trika, fosse considerada a verdade suprema e absoluta.
  • Houve, contudo, oposição conservadora, como a de Kumarila Bhatta, que condenava os tântricos, e Apararka, que negava a existência social dos saivas, instruindo que se seguissem apenas as escrituras védicas e os Puranas, ironicamente ignorando que os próprios Puranas de sua época já haviam absorvido numerosos elementos tântricos.
  • A teoria da posição ascendente progressiva das doutrinas, uttarottaravaisistya, formalizou a superioridade das tradições tântricas, postulando que uma nova doutrina não abole a anterior, mas a transcende ao fornecer precisões que permitem ao adepto alcançar níveis espirituais mais elevados, situando o tântrico como uma superestrutura esotérica sobre a base exotérica védica.
Traços Distintivos e Síntese do Fenômeno Tântrico
  • O fenômeno tântrico deve ser compreendido como uma síntese histórica inseparável de ideologia e prática, unindo uma visão de mundo específica aos meios existenciais para realizá-la, onde o universo é concebido como emanado e permeado pela energia divina, a sakti.
  • Ideologicamente, tanto nos sistemas dualistas quanto nos não dualistas, a divindade é imanente e o universo não é ilusório, mas uma transformação real, parinama, do supremo brahman, sendo a divindade frequentemente polarizada em masculino e feminino, com o polo feminino representando o poder que pode ser tanto auspicioso quanto terrível.
  • As tradições tântricas são fundamentalmente iniciáticas, implicando a necessidade de um guru e de uma transmissão secreta, onde o segredo está intrinsecamente ligado ao conceito de transgressão, seja pelo desprezo ou rejeição das regras de pureza bramânica, permitindo ao adepto transcender limites e obter poderes e salvação.
  • No âmbito prático, o ritual de adoração hindu, o puja, segue um padrão originalmente tântrico, assim como a centralidade dos mantras, considerados a forma suprema das divindades e o meio essencial para a libertação, juntamente com a especulação sobre a Palavra, vac.
  • A presença do Tantra estende-se para além do religioso, influenciando as esferas social e política, como evidenciado na concepção hindu de realeza e no modelo de monarquia do Nepal, embora na Índia moderna as práticas tântricas abertas sejam frequentemente vistas com ambivalência, associadas tanto à religião quanto à magia perigosa e imoral.