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id da página: 11908 Celtas – Druidas – Roux e Guyonvarc’h – Cosmologia

Celtas Druidas Cosmos

GUYONVARCH, Christian-J.; LE ROUX, Françoise. Les druides. 4e éd ed. Rennes: Ouest-France, 1986.

O Espaço e o Tempo do Druidismo
  • A doutrina druídica fundamentava-se em uma visão sistemática e harmoniosa do mundo, onde a concepção de espaço e tempo mantinha relações intrínsecas com a sociedade, manifestando-se na Irlanda através da figura do rei supremo de Tara e da noção de centro, cujos grandes marcos eram as festas e a estrutura do calendário, fazendo do país um microcosmo à imagem do universo.
  • A noção de equilíbrio e harmonia do mundo expressava-se geograficamente pela reunião de caracteres sagrados em um território central e temporalmente por um momento mítico ou histórico onde um soberano ideal concentrava em si e irradiava a perfeição de um governo benéfico, escapando às contingências de tempo e espaço ao situar-se na junção de ambos.
  • O conceito de Rei do Mundo, que é simultaneamente um rei perpétuo, pertence ao fundo celta tradicional e não é tributário de ensinamentos externos como os de São Jerônimo ou Orosio, conforme refutado contra a opinião de Henri Hubert, pois um sistema religioso possui coerência interna tal que fatos de empréstimo seriam secundários e não alterariam a estrutura fundamental de uma noção tão basilar.
  • A tradição do rei perpétuo e do Rei do Mundo manifesta-se na Gália não em um indivíduo, mas no nome étnico dos Bituriges, que se decompõe em bitu significando mundo e idade e riges significando reis, povo situado no centro geográfico da Gália e vizinho do locus consecratus dos Carnutes onde os druidas realizavam sua assembleia anual conforme relatado por César.
  • A organização do festim de Tara refletia a geografia mítica e sagrada da Irlanda, onde a repartição dos lugares e das porções de alimento obedecia estritamente ao rang e à província de origem dos participantes, constituindo uma representação global da sociedade humana e do cosmos, conforme detalhado nos textos mitológicos e confirmado por Georges Dumezil em suas comparações com as estruturas romanas.
  • A província central da Irlanda, Mide ou Meath, cujo nome significa meio, foi constituída pelo prelevamento de uma parcela de cada uma das quatro províncias iniciais, contendo a capital política e religiosa Tara e a colina de Uisnech, descrita no relato da Fundação do Domínio de Tara como o local onde o druida Fintan erigiu um pilar de pedra de cinco lados simbolizando as províncias.
  • A divisão quadripartite de um território, como observada na Irlanda e atestada entre os Gálatas na Ásia Menor por Estrabão, não obedece a uma necessidade administrativa ou política, mas constitui uma noção religiosa tradicional e imutável, onde a quinta província atua como um ponto central ideal e simbólico, essencial para a definição da soberania e da geografia sagrada.
O Santuário ou Nemeton e a Floresta Sagrada
  • A noção de centro, no sentido do onfalos grego, conduz à de santuário ou nemeton, designando um local carregado de potencial e energia sagrada, o que se reflete na etimologia de topônimos como Mediolanum, interpretado como centro de perfeição ou santuário do meio, análogo ao Medionemeton.
  • O termo gálata drunemeton, mencionado por Estrabão como local de reunião do conselho dos doze tetrarcas, deve ser compreendido como um santuário federal situado em um centro simbólico, onde a dualidade de rei e juiz descrita no funcionamento do governo provincial remete à colaboração funcional entre rei e druida.
  • O santuário celta está mais vinculado a uma noção simbólica de centro do que a uma construção arquitetônica específica, sendo o termo nemeton aplicado tanto a um lugar geográfico quanto a um momento no tempo ou a uma pessoa privilegiada, o que explica a ausência de templos no sentido romano antes da influência clássica.
  • A floresta e o templo são noções equivalentes e intercambiáveis para os Celtas, pois o nemeton possui frequentemente uma natureza florestal ligada à árvore e ao saber sacerdotal (vidu), sendo a floresta o local normal onde o druida dispensava seu ensinamento e oficiava ritos, conforme atestado por Lucano em sua descrição de um bosque sagrado perto de Marselha e por Pomponio Mela.
  • As árvores sagradas serviam de marcos para assembleias e reuniões, possuindo características maravilhosas nos mitos, como o teixo de Mugna que produzia simultaneamente bolotas, nozes e maçãs, frutos que alimentavam respectivamente os animais sagrados, o salmão da ciência e as mensageiras do sid, reafirmando a conexão inquebrantável entre a floresta, o saber sacerdotal e a essência do sagrado.
As Festas Celtas
  • O calendário celta articula-se em torno de quatro grandes festas que não são exatamente equinociais nem solsticiais, mas marcam o início teórico das estações, sendo Samain e Beltaine os pontos de junção fundamentais entre o tempo humano e o tempo divino, inaugurando respectivamente a estação escura e a estação clara.
  • Imbolc, celebrada no primeiro de fevereiro, é a festa da purificação e da fecundidade no final do inverno, etimologicamente ligada à lactação das ovelhas e à lustration (folc), correspondendo funcionalmente às Lupercais romanas e sendo posteriormente substituída pela festa de Santa Brígida, que ocultou a teologia da deusa pré-cristã.
  • Beltaine, no primeiro de maio, é a festa do fogo de Bel e do início do verão, caracterizada por ritos sacerdotais onde os druidas acendiam fogos purificadores para proteção dos rebanhos contra epidemias, exaltando o elemento ígneo e solar sob a égide do deus Belenus, o que foi mimetizado e combatido por São Patrício ao acender o fogo pascal.
  • Lugnasad, no primeiro de agosto, é a festa da realeza e da assembleia em honra a Lug, instituída mitologicamente para comemorar a morte de sua ama de leite Tailtiu; não se trata de uma hierogamia, mas de uma celebração política e social que garantia a paz, a abundância e a ordem jurídica, reunindo todas as classes sociais em jogos e competições sem armas.
  • Samain, no primeiro de novembro, é a festa mais importante e complexa, marcando o fim do verão e o início do ano novo celta; é um momento de síntese temporal e de contato aberto com o Outro Mundo, onde ocorrem os grandes eventos míticos, a morte ritual de reis e deuses, e onde a autoridade espiritual dos druidas se impõe para ordenar o caos sobrenatural através de banquetes e assembleias obrigatórias.
O Tempo e o Calendário
  • O tempo humano e o tempo mítico são qualitativamente distintos na concepção celta, e os druidas, mestres do tempo mítico, administravam também o calendário humano com grande precisão astronômica e matemática, conforme reconhecido por César e confirmado pela existência do calendário de Coligny.
  • Os Celtas contavam o tempo por noites e não por dias, considerando-se descendentes do deus sombrio Dis Pater, o que justifica que a estação escura e a noite precedam a estação clara e o dia, uma estrutura refletida na contagem de quinzenas e na própria designação das festas.
  • O calendário de Coligny, um sistema luni-solar de cinco anos, demonstra a unidade doutrinal do mundo celta ao apresentar correspondências lexicais e estruturais com a Irlanda, como o mês Samonios equivalente a Samain, e a distinção entre dias fastos (mat) e nefastos (anmat), provando que a medida do tempo possuía uma finalidade exclusivamente religiosa e pertencia aos deuses e seus ministros.