DA SABEDORIA DA INSPIRAÇÃO DIVINA NO VERBO DE SETH
Saiba que os dons e os favores [de Deus], que se prodigalizam neste mundo por intermédio das criaturas ou sem sua intermediação, se distinguem, para os homens de gosto espiritual (adh-dhawq), em dons essenciais [como o Conhecimento imediato] e em dons que decorrem dos Nomes divinos [quer dizer dos aspectos divinos tais como a Beleza, a Bondade, a Vida, etc.]. Por outro lado, eles diferem segundo sejam recebidos em sequencia a uma demanda determinada, ou que correspondam a demandas não determinadas, ou ainda que tenham recebido sem nenhuma demanda, e isto independentemente de sua distinção em dons essenciais e dons conformes aos Nomes divinos. Há demanda determinada se alguém diz: "Ó senhor, dê-me tal e tal coisa", e se ela apenas visa esta coisa. Uma demanda não-determinada, ao contrário, é aquela de um homem que ora: "Ó Senhor, dê-me aquilo que é para meu bem, em todas as partes, sutis e corporais, de meu ser", sem que vise uma coisas particular.
Quanto àqueles que demandam, eles se dividem em dois grupos: uns obedecendo a impulsão natural de apressar a obtenção [de uma coisa desejada], — pois "o homem foi criado apressado" [Corão, XVII, 12] — e os outros demandando porque sabem que há junto a Deus coisas que, segundo a Pré-ciência divina, só podem ser alcançadas em virtude de uma demanda; eles se dizem então: "Talvez aquilo que demando a Deus seja desta espécie". Sua demanda toma em conta, de uma maneira global, modos possíveis da Ordem divina; eles não sabem aquilo que a Ciência divina implica, nem aquilo que resulta de sua pré-disposição (isti'dâd) a receber; pois é uma coisa das mais difíceis de conhecer a predisposição de um ser em cada instante singular (de sua vida); por conseguinte, se ele não estivesse predisposto a tal demanda, ela não demandaria. Quanto aos contemplativos que não conhecem sua predisposição, eles a reconhecem, no melhor dos casos, no instante mesmo que vivem; pois por seu estado de presença (hudûr) [com Deus] sabem que eles só o recebem em razão de sua predisposição. Eles se dividem, por sua vez, em duas categorias: uns conhecem sua predisposição por aquilo que receberam; outros sabem aquilo que receberão em razão de sua predisposição; e é este último conhecimento que é o mais perfeito no interior deste grupo.
Faz parte dessa categoria aquele que demanda, não para acelerar a obtenção de um dom, nem para se dar conta de modos possíveis [do favor divino], mas para conformar-se à ordem divina, expressa pela Palavra: "Demandai-Me e Eu vos responderei!" É o adorador (al-abd) por excelência; quando ele demanda, seu desejo não se prende à coisa demandada, seja ela determinada ou não, mas visa apenas a conformidade à ordem de seu Senhor. Quando seu estado espiritual exige o abandono e a tranquilidade, ele se cala; assim, Jó e outros foram provados e não demandaram a Deus de os aliviar em sua prova, até o ponto que seu estado espiritual exigia, em um momento dado, que eles demandassem que esta prova lhe fosse removida; então eles demandaram e Deus os aliviou.
Que o atendimento de uma demanda seja imediato ou que ele seja deferido, isto decorre de sua medida (qadr) predestinada por Deus; se a demanda é feita no momento predestinado à resposta, esta é imediata, e se o atendimento é previsto para um tempo ulterior, seja neste mundo aqui seja no além, a resposta será adiada; entendo o atendimento efetivo da demanda, não a resposta divina: "Eu estou presente" [que é sempre imediata]; compreenda-me bem!
No tocante à segunda categoria de dons, dos quais dissemos que são recebidos sem demanda, é necessário precisar que entendemos por demanda a prece enunciada em palavras; pois em princípio aí deve sempre ter uma demanda, seja ela articulada, seja ela consistindo em um estado espiritual (hal) ou seja ela resultante simplesmente da predisposição [íntima] do ser. Da mesma maneira, louvar Deus significa, rigorosamente, pronunciar uma louvação a Seu respeito; mas no sentido espiritual, esta louvação é necessariamente determinada por um estado espiritual, pois aquilo que te incita a louvar Deus é [o assentimento] de um Nome divino, exprimindo uma atividade de Deus ou um aspecto de Sua transcendência. Quanto à predisposição, o ser individual não é disto consciente; aquilo que ressente, é o estado (al-hal), pois conhece aquilo que o incita [à louvação ou à demanda]; a predisposição resta a coisa mais escondida.
Aquilo que impede alguns de demandar, é saber que Deus decidiu seu destino por toda eternidade; eles prepararam suas moradas [quer dizer suas almas] para acolher aquilo que descerá Dele, e eles dispuseram-se de seus egos e de suas existências individuais. Entre esses, há aquele que sabe que a Ciência que Deus tem dele, em cada um de seus estados, se identifica àquilo que ele é ele-mesmo em seus estados de imutabilidade [primordial] antes de sua manifestação; e ele sabe que Deus não lhe dará qualquer coisa que não resulte desta essência (al-ayn), que ele é ele-mesmo em seus estados de permanência primordial. Ele sabe portanto de onde resulta o Conhecimento divino a seu respeito. Nenhuma categoria de conhecedores de Deus não é superior àquela dos homens que assim realizam o mistério da predisposição. Eles se dividem por sua vez em dois grupos: aqueles que conhecem isto de uma maneira global, outros de uma maneira distinta; os segundos ocupam uma colocação superior; pois aquele que tem um conhecimento distinto daquilo do qual se trata reconhece isto que o Conhecimento divino implica a seu respeito, seja que Ele lhe desvela diretamente sua essência imutável (al-ayn ath-thâbitah) e o desenrolar sem fim dos estados que dela derivam. É este último conhecedor que ocupa a colocação superior, pois no conhecimento dele-mesmo adota o ponto de vista divino, o objeto de seu conhecimento sendo o mesmo [que o objeto do Conhecimento divino]. No entanto, quando considera-se esta identificação [do conhecimento do contemplativo ao Conhecimento divino] do lado individual, ela apresenta-se como um ajuda divina predestinada a este indivíduo em virtude de um certo conteúdo de sua essência imutável, conteúdo que este ser reconhecerá do momento que Deus lhe fará ver; pois, quando Deus lhe mostra os conteúdos de sua essência imutável, que, ela, recebe diretamente o Ser, isto vai além evidentemente das faculdades da criatura como tal; pois ela é incapaz de apropriar o Conhecimento divino que aplica-se a estes arquétipos (al-ayn aththâbitah) em seu estado de não-existência (udum), estes arquétipos sendo apenas puras relações essenciais (nisab dhâtiyah) sem formas próprias. É sob esta relação [quer dizer, em razão da incomensurabilidade do Conhecimento divino e do conhecimento individual] que dizemos desta identificação [ao Conhecimento divino] que ela representa uma ajuda divina predestinada a tal indivíduo.
É sob a mesma relação que se deve compreender a palavra divina: "[Nós os experimentaremos] até que Nós saibamos..." [Corão, XLVII, 31], [como se Deu não soubesse de antemão aquilo que farão as criaturas] o que é uma expressão rigorosamente adequada, contrariamente àquilo que pensam aqueles que não bebem desta fonte; pois a transcendência de Deus se afirma o mais perfeitamente pelo fato que o Conhecimento parece temporal por sua relação [a algo de temporal, da mesma forma que se afirma eterno na sua conexão com um objeto eterno]. É o aspecto mais universal que um teólogo poderia logicamente conceber nesta matéria, a menos que considere a Ciência divina como distinta da Essência e atribua a relatividade à Ciência enquanto ela difere da Essência. Por [esta última perspectiva], se distingue aliás do verdadeiro conhecedor de Deus, dotado de intuição (kashf) e realizando o Ser (al-wujud).
Mas voltemos agora à distinção dos dons [divinos] em dons essenciais e em dons conformes aos Nomes. Para aquilo que é dos favores e dons essenciais, eles só são concedidos em virtude de uma revelação [ou irradiação: tajalli] divina; ou, a Essência só se revela sob a "forma" da predisposição do indivíduo que recebe esta revelação; e jamais não se produz outra coisa. Portanto, o sujeito recebendo a revelação essencial verá apenas sua própria "forma" no espelho de Deus; ele não verá Deus — é impossível que ele O veja -, sabendo de certo que ele só vê sua "forma" devido a este espelho divino. Isto é totalmente análogo aquilo que tem lugar em um espelho corporal: aí contemplando formas, não vês o espelho, sabendo de certo que só vês estas formas — ou tua própria forma — em virtude do espelho [Testemunha]. Este fenômeno, Deus o manifestou como símbolo particularmente apropriado a Sua revelação essencial, para que aquele a quem Ele Se revela saiba que ele não O vê; não existe símbolo mais direto e mais conforme à contemplação e à revelação da qual se trata [Paredro]. Tente portanto tu mesmo ver o corpo do espelho ao mesmo tempo que olhas a forma que aí se reflete; não o verás jamais ao mesmo tempo. Isto é tão verdadeiro que alguns, observando esta lei das formas refletidas nos espelhos [corporais ou espirituais], pretenderam que a forma refletida se interpõe entre a vista do contemplante e o espelho mesmo; isto é o que alcançaram de mais alto no domínio do conhecimento espiritual; mas em realidade a coisa é tal como dissemos, [a saber que a forma refletida não oculta essencialmente o espelho, mas que este a manifesta]. De resto, já temos explicado este ponto em nosso livro das "Revelações de Meca" (al-Futuhat al Makkiyah). Se saboreares aquilo, saboreias o extremo limite que a criatura como tal possa atingir [em seu conhecimento "objetivo"]; não aspire portanto além e não canse tua alma para ir além deste grau, pois não há lá, em princípio e em definitivo, que pura não existência [a Essência sendo não manifestada].
Deus é portanto o Espelho no qual tu te vês a ti-mesmo, como tu és Seu espelho no qual Ele contempla Seus Nomes 1 . Ora, estes não são nada além de Ele-mesmo, de sorte que a realidade se inverte e se torna ambígua. Alguns de nós implicam em seu conhecimento [de Deus] a ignorância e citam a este respeito a palavra [do califa Abu Bakr]: "Apreender que se é impotente para conhecer o Conhecimento é um conhecimento." Mas há entre nós alguém que conheça [verdadeiramente]. e não pronuncie estas palavras; seu conhecimento não implica uma impotência para conhecer; ele implica o inexpressável; e é este último que realiza o conhecimento o mais perfeita de Deus.
Ora, este conhecimento só é dado ao Selo dos enviados de Deus — khatim ar-rusul — [título do profeta Maomé enquanto último dos legisladores inspirados por Deus], e ao Selo dos santos — khatim al-awliya — 2 ; nenhum dos profetas e dos enviados 3 somente a recolhe no tabernáculo — mishkat — 4 do enviado que seu selo. Por outro lado, nenhum dos santos não a recolhe a não ser no tabernáculo do santo que é seu selo; de sorte que os enviados também recolhem este conhecimento, na medida que a recolhem, no tabernáculo do Selo dos santos, pois a função do enviado de Deus e esta de profeta — entendo a função profética enquanto comporta a promulgação de uma lei sagrada — cessam, enquanto que a santidade não cessa jamais; deste fato, os enviados só recebem este conhecimento, enquanto são eles também santos, do tabernáculo do Selo dos santos 5 . Desde o momento que assim é [para os enviados e para os profetas], como seria de outro modo para os outros santos? E isto é verdadeiro, embora o Selo dos santos se conforme a lei sagrada dada pelo Selo dos profetas; isto não implica em qualquer prejuízo a seu nível espiritual e não retira nada ao que acabamos de dizer; pois é possível que ele seja inferior a um certo ponto de vista, mesmo sendo superior a outro ponto de vista. O que entendemos por isto se encontra confirmado, na história de nossa religião, pela preferência [devida a uma revelação anterior] do juízo de Omar [sobre aquele do Profeta] no que concerne o tratamento dos prisioneiros quando da batalha de Badr, [o profeta querendo aceitar um resgate por eles, enquanto Omar aconselhava a libera-los ou a condená-los]; do mesmo modo, ela se manifesta no episódio concernente a fertilização da palmeira de tâmaras [onde o conselho do Profeta, perdeu-se, o que lhe fez dizer: "Sois mais experts que eu nos affaires de seu mundo daqui de baixo"] Não é necessário que o perfeito ultrapasse os outros sobre todas as relações; mas os homens espirituais consideram apenas a superioridade sob a relação do conhecimento de Deus; quanto às existências efêmeras, seu espírito não se liga. — Realize portanto aquilo que acabamos de expor.
Quando o Profeta compara a função profética a um muro de tijolos quase terminado e onde só faltaria um tijolo, ele identifica-se ele-mesmo a este tijolo.6 Logo ele só viu, como o afirma, o lugar de um único tijolo a ser preenchido. Ora, o Selo dos santos terá uma visão análoga; somente, ele perceberá, nisso que o Profeta simbolizou por um muro inacabado, o lugar de dois tijolos a preencher; os tijolos dos quais o muro é construído lhe aparecerão de ouro e de prata, e os dois tijolos faltando ainda para completar a construção serão um tijolo de ouro e um tijolo de prata; e o Selo dos santos verá a si-mesmo corresponder ao lugar que deverão ser preenchidos este dois tijolos para completar o muro. A razão pela qual ele se vê sob a forma de dois tijolos é que ele adere exteriormente à lei dada pelo selo dos enviados — o que corresponde ao tijolo de prata — e que ele busca interiormente em Deus aquilo mesmo que, segundo sua forma aparente, apresenta-se como uma adesão à lei que o precedeu; pois ele vê necessariamente a ordem divina (al-amr) tal qual é — e é isto que corresponde ao tijolo de ouro, símbolo de sua natureza interior — posto que o Selo dos santos busca da mesma fonte onde buscou o Anjo que inspirou o enviado de Deus7 . Se compreendes isto a que faço alusão, atingistes a ciência plenamente eficaz.
Todo profeta, sem exceção, desde Adão até o último, busca portanto [suas luzes] no tabernáculo do Selo dos profetas; se a argila deste último foi formada segundo àquela dos outros, ele não estará nela menos presente por sua realidade espiritual, em conformidade com a palavra [de Maomé]: "Eu fui profeta quando Adão ainda estava entre a água e a argila". Qualquer outro profeta só se tornou tal quando foi desperto para sua função. Da mesma maneira, o Selo dos santos era santo, "quando Adão ainda estava entre a água e argila", enquanto que os outros santos só se tornaram santos depois de terem realizado as condições da santidade, que são a assimilação das Qualidades divinas decorrentes do aspecto de Deus que se exprime por Seus Nomes o Santo, o Louvado [al-wali, al-hamid, est último designando o protótipo das qualidades positivas do criado]. O Selo dos enviados se associa portanto, com relação a sua santidade, ao Selo dos santos, da mesma maneira que os outros enviados e profetas se associam à ele. Pois ele é ele-mesmo simultaneamente o santo (al-wali), o enviado (ar-rasul) e o profeta (an-nabi). Quanto ao Selo dos santos, ele é o santo, o herdeiro (al-warith) que busca na origem, aquele que contempla todos os níveis...
Voltemos agora aos dons que derivam dos Nomes divinos: a misericórdia (rahmah) que Deus prodigaliza a Suas criaturas deriva inteiramente dos Nomes divinos; é, ou da misericórdia pura, como tudo o que é lícito das nutrições e das fruições naturais e que não é manchado de censura no dia da ressurreição [conforme a palavra corânica: «Diz: quem, pois, tornaria ilícita a beleza que Deus manifestou por Seus servidores e as coisas lícitas das nutrições; diz: elas são para aqueles que creem, neste mundo, e elas não serão sujeitas a censura no dia da ressurreição..»] — e são esses dons que derivam do nome ar-rahman, — ou da misericórdia misturada [de castigo], como a medicina desagradável de tomar, mas que alivia depois. Tais são os dons divinos, pois Deus [em Seu aspecto pessoal ou qualificado] jamais dá senão por intermédio de um desses guardiões do templo que são Seus Nomes. Assim, Deus gratifica por vezes o servidor por intermédio do nome O Clemente (ar-rahman), e é então que o dom é livre de qualquer mistura que seria momentaneamente contrária à natureza daquele que o recebe, ou que contradiria a intenção ou outra coisa [no requerente]; por vezes, Ele dá por intermédio do nome O Vasto (al-wasi), prodigalizando Seus dons de uma maneira global, ou bem Ele dá por intermédio do nome O Sábio (al-hakim), visando o que é salutar para o servidor no momento dado, ou por intermédio do nome Daquele que dá gratuitamente (al-wahhab), dando do bem sem que aquele que o recebeu em virtude desse nome deva compensá-lo por ações de graças ou de mérito; ou bem Ele dá pelo nome Daquele que restabelece a ordem (al-jabbar), considerando o meio cósmico e o que ele necessita, ou pelo nome O Perdoador (al-ghaffar), considerando o estado daquele que receberá o perdão: se se encontra em um estado que merece o castigo, Ele o protege desse castigo, e se se encontra em um estado que não merece castigo, Ele o protege de um estado que o mereceria, e é nesse sentido que o Servidor [santo] é chamado salvaguardado ou protegido do pecado. O doador é sempre Deus, nesse sentido que é Ele o tesoureiro de todas as possibilidades e que não as produz senão segundo uma medida predestinada e pela mão de um Nome concernente a tal possibilidade. Assim, Ele dá a toda coisa sua constituição própria em virtude de Seu nome O Justo (al-'adl) e de seus irmãos [como o Árbitro: al-hakam, Aquele que rege: al-wali, O Vencedor: al-qahhar, etc.].
Ainda que os Nomes divinos sejam indefinidos quanto à sua multidão, — pois são conhecidos pelo que deles deriva e que é igualmente indefinido, — eles não são menos redutíveis a um número definido de «raízes», que são as «mães» dos Nomes divinos ou as Presenças divinas integrando os Nomes. Em verdade, não há senão uma única e mesma Realidade essencial (haqiqah) que assume todas essas relações e relatórios que são designados pelos Nomes divinos. Ora, essa Realidade essencial faz que cada um desses Nomes que se manifestam indefinidamente comporta uma verdade essencial pela qual ele se distingue dos outros Nomes; é essa verdade distintiva e não o que ele tem de comum com os outros, que é a determinação própria do Nome. Assim como os dons divinos se distinguem uns dos outros por sua natureza pessoal, ainda que derivem todos de uma só fonte — é aliás evidente que este não é aquele; — a razão disso sendo precisamente a distinção dos Nomes divinos. Por causa de Sua infinitude, não há na Presença divina absolutamente nenhuma coisa que se repete — e é aí uma verdade fundamental.
Isto é a ciência de Seth, sobre ele a Paz! Seu espírito a comunica a todo espírito que dela profere alguma coisa, à exceção, porém, do espírito do Selo que recebe essa ciência diretamente de Deus e não por intermédio de um espírito qualquer; muito mais, é do próprio espírito do Selo que essa ciência aflui a todos os espíritos, ainda que ele não seja consciente disso enquanto subsiste em uma forma corpórea. Em sua realidade essencial e em sua função puramente espiritual, ele conhece, pois, diretamente tudo o que ignora por sua constituição corpórea. Ele é, pois, ao mesmo tempo o conhecedor e o ignorante, e podem-lhe ser atribuídas qualidades aparentemente contrárias, assim como seu princípio [divino], que é sua essência mesma ('aynuh), é ao mesmo tempo terrível e generoso, o Primeiro e o Último. Ele conhece, pois, e ele não conhece ao mesmo tempo, ele percebe e ele não percebe, ele contempla e ele não contempla, porém.
É em virtude dessa ciência que Seth recebeu seu nome que significa o presente, ou seja, o presente de Deus, pois ele detém a chave do dom divino segundo todos os seus diferentes modos e sob todos os relatórios. É assim porque Deus fez de Seth um presente para Adão; ele foi o primeiro presente gratuito que Deus fez [ou seja, o primeiro presente que não exigiu, do lado daquele que o recebeu, uma compensação qualquer], e é de Adão mesmo que ele veio, pois o filho é a realidade secreta de seu gerador; é dele que ele provém e a ele que ele retorna, ele não lhe cabe, pois, como uma coisa estranha a ele mesmo. É o que compreenderá aquele que vê as coisas do ponto de vista divino. Aliás, todo dom, no universo inteiro, se manifesta segundo essa lei: ninguém recebe alguma coisa de Deus, [ou seja,] ninguém recebe alguma coisa que não viria dele mesmo, qualquer que possa ser a variação imprevista das formas. Mas poucos sabem isso, somente alguns dos iniciados conhecem essa lei espiritual. Se encontrar, pois, alguém que a conhece, pode-se ter confiança nele, pois tal homem é a quintessência pura e o eleito de entre os eleitos dos homens espirituais.
Cada vez que um intuitivo contempla uma forma que lhe comunica um novo conhecimento que não havia podido apreender antes, essa forma será uma expressão de sua própria essência ('agn) e nada que seja estranho a ele. É da árvore de sua própria alma que ele colhe o fruto de sua cultura, assim como sua imagem refletida por uma superfície polida não é outra coisa senão ele, ainda que o lugar da reflexão — ou a Presença divina — que lhe devolve sua própria forma, provoca inversões segundo a Verdade essencial inerente a tal Presença [divina] 8 . É assim que, no caso de um espelho concreto, acontece que ele reflete as coisas segundo suas verdadeiras proporções, o grande como grande, o pequeno como pequeno, o alongado como alongado e o movente em movimento, mas também [seguindo sua constituição ou seguindo a perspectiva] ele pode inverter as proporções; assim como é possível que um espelho reflita as coisas sem a inversão habitual, mostrando o lado direito do contemplante de seu lado direito, enquanto em geral o lado direito da imagem refletida se encontra em face do lado esquerdo daquele que se mira; pode, pois, haver exceções à regra, como no caso onde as proporções se invertem; e tudo isso se aplica igualmente aos diversos modos da Presença [divina] na qual tem lugar a revelação [da «forma» essencial do contemplante], e que foi comparada ao espelho.
Aquele que conhece sua predisposição, conhece por isso mesmo o que receberá. Por outro lado, aquele que conhece o que recebe não conhece necessariamente sua predisposição, a menos que a conheça depois de haver recebido, nem que seja de uma maneira global.
Certos pensadores intelectualmente fracos, partindo do dogma de que Deus faz tudo o que quer, declararam admissível que Deus aja contrariamente aos princípios e contrariamente ao que é a realidade (al-amr) em si mesma [ou seja, em seu estado principial — como se a manifestação de Deus não procedesse de possibilidades eternamente presentes no Ser divino e no Intelecto universal]. Em razão disso, chegaram a negar a possibilidade como tal e a não aceitar [como categorias lógicas e ontológicas] senão a necessidade absoluta [a saber a da «existência» do próprio Deus] e a necessidade por outrem [ou seja, a necessidade relativa]. Mas o sábio admite a possibilidade, da qual conhece a ordem ontológica; evidentemente, a possibilidade [como tal] não é o possível [no sentido do que poderia existir ou não existir], e donde o seria ela, uma vez que é essencialmente necessária em razão de um [princípio] outro que ela. Mas, afinal, donde vem, pois, essa distinção entre ela e seu princípio que a torna necessária [e da qual ela constitui precisamente uma possibilidade de manifestação]? Mas ninguém conhece a distinção em questão senão os conhecedores de Deus.
É nos traços de Seth que se manifestará o último-nascido desse gênero humano; ele herdará os mistérios de Seth; não haverá mais outro ser gerado depois dele, de sorte que ele será o selo dos gerados [como Seth havia sido o primeiro santo]. Com ele nascerá uma irmã; ela sairá antes dele [enquanto a primeira mulher foi manifestada depois do primeiro homem]; e ele a seguirá tendo sua cabeça nos pés de sua irmã. Seu lugar de nascimento será na China [o país mais afastado para o oriente]; e ele falará a língua de seu país natal. Nesses dias, a esterilidade se espalhará entre as mulheres e entre os homens; de sorte que haverá muita coabitação sem geração. Ele chamará as pessoas para Deus, mas ele não terá resposta. Quando Deus houver tirado seu espírito e que Ele houver tirado o último crente daquele tempo, aqueles que sobreviverão serão como brutos, eles não distinguir-se-ão o lícito do ilícito; eles agirão segundo as puras inclinações naturais, seguindo o desejo independente da razão e da lei; e é sobre eles que se levantará a última hora.