CORBIN, Henry. En Islam iranien: aspects spirituels et philosophiques II. Paris: Gallimard, 1991
Luz de Glória mazdeana e Angelologia
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A angelologia sohrawardiana e sua estrutura hierárquica
- A doutrina angélica de Sohrawardi estrutura-se a partir da processão hierárquica de figuras luminosas, fundamentada no conceito de Luz de Glória (Xvarnah), que se identifica com o ser e a soberania da luz.
- As hipóstases de luz correspondem às Ideias platônicas, reinterpretadas através de uma angeliologia que referencia explicitamente o zoroastrismo, distanciando-se assim da concepção original de Platão.
- A terminologia empregada por Sohrawardî reflete essa síntese, onde figuras como os neoplatônicos Proclo e Damáscio, comentadores dos Oráculos Caldeus, encontrariam ressonância.
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A Luz de Glória (Xvarnah) e as Luzes Victoriais
- A Luz de Glória (Xvarnah) é percebida como a fonte do ser, o Oriente de toda Luz, identificada com o "anjo pessoal" e o "destino" de cada ente, envolvendo-o em seu Fogo suprassensível.
- Dela procedem imediatamente as Luzes Victoriais (Anwâr qâhira), equivalentes aos arcanjos, que medeiam a luz para entidades inferiores.
- O termo "victorial" evoca a dupla qualidade designada em pehlevi como xvarrômand e râyômand, associada à soberania da luz e investidura da Luz da Glória, enraizada numa ética cavaleiresca zoroastriana.
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A ética cavaleiresca e o combate cósmico
- A angelologia incorpora uma ética guerreira, refletindo o combate das potências de Luz, sustentadas por Ohrmazd (Sabedoria-Luz), contra as forças ahrimanianas.
- As Fravartis (forûhar), entidades celestes arquetípicas, escolhem descer ao mundo material para combater as contra-potências, simbolizando a luta cósmica entre luz e trevas.
- Termos como Espahbad, derivado da antiga cavalaria iraniana, designam a Luz governante de cada corpo, evocando a gesta da cavalaria e o comando hierárquico.
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A bipolaridade inerente ao fotismo eterno
- A revelação do ser coincide com o fenômeno de luz, onde ser e luz são conceitos coincidentes, implicando uma hierarquia de graus de luz.
- A relação entre as luzes é essencialmente de amor (mahabbat) e dominação (qahr), onde uma luz mais intensa atrai e domina uma menos intensa, que por sua vez aspira à superior.
- Essa dinâmica reflete-se no lexico sohrawardiano: soberania da luz (tasallot nûrî), dominação epifânica (Qahr zohûrî), fulguração divina (bâriq ilâhî).
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A física da Teosofia Oriental e a natureza da luz e das trevas
- A realidade divide-se entre substâncias que são Luz em si mesmas e substâncias que são Trevas em si mesmas.
- O corpo (barzakh) é entendido como uma tela, obstáculo à luz, podendo ser seu receptáculo e lugar de manifestação (mazhar), mas permanecendo como trevas inertes quando a luz se retira.
- Difere do hilemorfismo peripatético, pois não há estado neutro: tudo que não é luz ou seu receptáculo é trevas.
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A causalidade da luz e a impotência das trevas
- A luz é ativa e autodifusiva por essência, sendo a causa única de fenômenos como movimento e calor, que são suas manifestações (mazhar).
- As modalidades dos barzakh são causadas pela luz, cuja fonte é extrínseca a todas as substâncias tenebrosas.
- A substância tenebrosa subsiste como negação da luz, resultante de uma degradação catastrófica da luz até sua extinção, não sendo um princípio independente.
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A ação dos anjos e a economia inteligente
- Fenômenos naturais, como a ascensão do óleo na lamparina ou as cores do pavão, são explicados pela ação inteligente do anjo da espécie, não por leis físicas impessoais.
- Cada espécie substantiva tem um anjo tutor (rabb al-nû’), uma hipóstase espiritual que a governa e protege, sendo a espécie sua teurgia (tilism) ou ícone (sanam).
- Os antigos persas honravam esses anjos, como Hômâ Izad, o anjo do haoma, refletindo uma expertise em angelologia.
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A heptade divina e os arquétipos angélicos
- Sohrawardî nomeia os seis arcanjos zoroastrianos (Amahraspands), que com Ohrmazd formam a Heptade divina de luz e sabedoria.
- Cada arcanjo corresponde a um elemento ou domínio: Bahman (Primeira Inteligência), Ordibehesht (Fogo), Shahrwar (Sol e metais), Esfandarmoz (Terra), Khordâd (Água), Mordâd (Plantas).
- A processão ocorre "como uma lâmpada que se acende de outra", sem diminuição da luz originária.
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A interpretação angélica das Ideias platônicas
- As Ideias platônicas são identificadas com os arcanjos zoroastrianos, reinterpretadas como hipóstases de luz pessoais e ativas.
- Essa identificação constitui o fato espiritual maior da Teosofia Oriental, aproximando-a do neoplatonismo e do hermetismo caldeu.
- A concordância de testemunhos de visionários de diversas tradições atesta a objetividade do mundo espiritual descrito, não sendo mero sincretismo.
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O estatuto ontológico do anjo da espécie
- O anjo é uma hipóstase individualizada, existente em si e para si, não se confundindo com a espécie que governa.
- Não é imanente à espécie, nem existe por causa dela; pelo contrário, a espécie existe como sua teurgia e imagem, tendendo para ele como sua finalidade e estado perfeito.
- A relação é de epifania (mazhar): a espécie é o espelho onde o anjo se manifesta, sem sofrer as limitações materiais.
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O anjo como universal metafísico e Natureza Perfeita
- O anjo é "universal" no sentido de ser a "mãe da espécie" (Omm al-nû’), dispensando perfeições igualmente a todos os indivíduos.
- Aparece a cada indivíduo como sua "Natureza Perfeita" (tâmm), arquétipo pessoal e tutor, guiando-o para seu estado completo.
- Essa relação fundamenta uma espiritualidade de relação interpessoal com o divino, preservando a transcendência do Único (tawhîd).
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A homologia com a espiritualidade xiita e gnóstica
- O arcanjo da humanidade, Gabriel (Espírito Santo), identifica-se com a Intelecto Agente e aparece como Natureza Perfeita de cada ser humano.
- Teósofos xiitas como Qâzî Sa’îd Qommî homologam o Imame a esse arcanjo, refletindo uma espiritualidade comum no Islã iraniano.
- A piedade é orientada para a relação teofânica pessoal, não para o informe ou vazio, buscando a unificação com o divino através de figuras arquetípicas.