VIDE: MANDAMENTOS, AMAR A DEUS
Frithjof Schuon: O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
"Ouve, Israel: o Senhor nosso Deus, o Senhor é Uno. E tu amarás YHWH, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua força" (Deuteronômio, VI, 5). Essa expressão fundamental do monoteísmo sinaítico encerra os dois alicerces de toda a espiritualidade humana, ou seja, o discernimento metafísico, por um lado, e a concentração contemplativa, por outro, ou em outras palavras: a doutrina e o método, ou a verdade e o caminho. O segundo elemento apresenta-se sob três aspectos: o homem, segundo certa interpretação rabínica, deve, primeiro, "unir-se a Deus" no coração, segundo, "contemplar a Deus" na alma, e, terceiro, "obrar em Deus" com as mãos e por meio do corpo.
O Evangelho dá uma versão ligeiramente modificada da sentença sinaítica, no sentido de que explicita um elemento que na Tora era implícito, ou seja, o "pensamento". Esse termo é encontrado nos três Evangelhos sinóticos, ao passo que o elemento "força" só se encontra nas versões de Marcos e de Lucas, o que indica, talvez, certa mudança de tom ou de perspectiva em relação à "Antiga Lei". O elemento "pensamento" destaca-se do elemento "alma" e ganha em importância do elemento "força", que diz respeito às obras; existe alguma coisa como o signo de uma tendência à interiorização da atividade. Em outras palavras: enquanto para a Tora a "alma" é ao mesmo tempo ativa ou operativa e passiva ou contemplativa, o Evangelho parece denominar "alma" ao elemento passivo contemplativo, e "pensamento" ao elemento ativo operativo. Pode-se supor que é para marcar a preeminência da atividade interior sobre as obras exteriores.
Portanto, o elemento "força" ou "obras" parece ter no Cristianismo um cunho diferente do que tem no Judaísmo: neste, o "pensamento" é, de certa forma, a concomitância interior da observância exterior, ao passo que, no Cristianismo, as obras se apresentam sobretudo como a exteriorização ou a confirmação externa da atividade da alma. Os judeus contestam a legitimidade e a eficácia dessa interiorização relativa; os cristãos, ao contrário, creem que a complicação das prescrições exteriores (mitsvoth) prejudica as virtudes interiores. Na realidade, se é certo que a "letra" pode matar o "espírito", não deixa de ser verdade que o sentimentalismo pode matar a "letra", não se levando em conta o fato de nenhum defeito espiritual ser apanágio exclusivo de uma religião. Em todo caso, a razão suficiente de uma religião é precisamente destacar uma determinada possibilidade espiritual que será o quadro das possibilidades aparentemente excluídas, na medida em que estas últimas estarão destinadas a realizar-se, embora encontremos necessariamente em cada religião elementos que pareçam ser reflexos das outras religiões. O que se pode dizer é que o Judaísmo representa, quanto à sua forma-quadro, mais um karma-mârga do que uma bhakti, ao passo que a relação é inversa no Cristianismo. Mas o karma, a "ação", comporta necessariamente um elemento de bhakti, de "amor", e vice-versa.