CORBIN, Henry. Face de Dieu, face de l’homme: herméneutique et soufisme. Paris: Flammarion, 1983
Assim como Temple et Contemplation, este volume reúne ensaios que se tornaram, se não indisponíveis, pelo menos reservados ao público especializado. Era a intenção de Henry Corbin compor um livro, dominado pela tripla função do Imam, do Paracleto e do mundo imaginal.
Pode-se dizer que o conjunto revela uma coerência íntima, a derradeira interrogação do filósofo sobre a escatologia das Religiões do Livro.
Não cabe ao editor substituir H. Corbin para tentar manifestar em profundidade como os temas se entrelaçam, remetendo uns aos outros como espelhos desta realidade que não cessou de o inquietar, e sobre a qual, no fundo, se debruça toda a sua meditação: a diferença ontológica, e, contudo, a relação paradoxal, entre o Deus absconditus e o Deus revelatus. “Face de Deus” e “Face do Homem” são os dois parceiros da Revelação. Como o Islã espiritual concebe esta Revelação, e como constrói uma teologia negativa onde os diferentes universos hierarquizados preservam, ao mesmo tempo, a distância da divindade oculta e a presença da divindade revelada? Que lição esta filosofia profética e imamológica do xiismo carrega, e que ajuda recebemos dela, para uma melhor compreensão da escatologia do cristianismo, e em particular das teologias da Encarnação? Tantas questões que estão no cerne deste livro, e que só ele pode introduzir.
Contudo, pode parecer surpreendente ver reunidos, em torno do ensaio “Face de Deus e Face do Homem”, outros quatro estudos cujas preocupações parecem muito distantes. Mas não é o caso.
“Mundus imaginalis ou o Imaginário e o Imaginal” é, certamente, uma síntese das análises que permitem a H. Corbin afirmar a diferença entre a Imaginação Agente, criadora de um universo separado, mas real, e a Imaginação, — faculdade da alma na tradição ocidental. Mas trata-se sobretudo de explorar as “topografias” do Oitavo Clima e de mostrar que não haveria imamologia xiita no mundus imaginalis, nem este teria sentido fora de uma teologia apofatica, e de uma antropologia mística.
Esta antropologia está no cerne da “Ideia do Paracleto em filosofia iraniana”. Trata-se de revelar a existência de uma visão “joanica” no continente islâmico, e de esboçar, de forma exemplar, uma hermenêutica da escatologia paraclética, não mais limitada apenas ao cristianismo, mas desdobrada no universo das gnose das três Religiões do Livro.
Esta “Hermenêutica comparada” é o resultado das pesquisas de Henry Corbin sobre o sentido e o alcance da fenomenologia. Ele expõe os princípios, e demonstra a fecundidade no ensaio dedicado ao estudo do tawil dos ismaelitas e da exegese de Swedenborg. E eis que a temática revelada não é outra, tanto em um como no outro, senão o mundo intermediário das angelofanias e das teofanias: a Face de Deus é, eo ipso, a Face do Homem.
Esta hermenêutica supõe um “princípio de desenraizamento” do mundo e da história. Tema central da gnose que se torna o do ensaio “Da Epopeia heroica à Epopeia mística”.
O livro abre com o mundus imaginalis e termina com o tema que comanda todos os outros: o do Paracleto. Uma curva se revela, que integra a pluralidade das Formas visionárias e a unicidade do Polo, — termo e finalidade autêntica da espiritualidade islâmica. Assim, os ensaios que compõem este volume são intimamente solidários. Acrescentemos, por fim, que este livro é destinado, como toda a obra de Henry Corbin, não a manter as barreiras entre a ciência das Religiões e a pesquisa metafísica, mas, ao contrário, a vencê-las.
(Apresentação de Christian Jambet)
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