ARBERRY, Arthur John. Sufism: an account of the mystics of Islam. London: Routledge, 2008
Tornou-se um lugar-comum observar que o misticismo é essencialmente uno e o mesmo, qualquer que seja a religião professada pelo místico individual: um fenômeno constante e invariável do anseio universal do espírito humano pela comunhão pessoal com Deus. Muito trabalho e erudição, contudo, também foram despendidos na tentativa de mostrar como uma forma de misticismo foi influenciada por outra; embora a prova seja frequentemente difícil ou mesmo impossível em questões tão indescritíveis, geralmente se concorda que nenhum movimento religioso pode surgir ou se desenvolver sem ter contato com outras fés ou denominações estabelecidas, as quais estão obrigadas a deixar sua marca na nova criação de pensamento e emoção.
Ao se apresentar um relato necessariamente breve do Sufismo, que é o nome dado ao misticismo do Islã, propõe-se, em prol da brevidade, aceitar estas duas proposições como provadas; portanto, não será desperdiçado tempo algum revisando ou reafirmando o argumento, em curso há mais de um século, de que os Sufis deviam muito ou pouco do que fizeram ou disseram ao exemplo cristão, judaico, gnóstico, neoplatônico, hermético, zoroastrista ou budista. Tendo-se notado que a área em que o Islã e o Sufismo se originaram e floresceram é aquela que testemunhou a ascensão e o triunfo ou a derrota de várias outras crenças, cada uma com seu misticismo particular, deixar-se-á este fato falar por si mesmo e restringir-se-á a atenção a apresentar o Sufismo como se fosse uma manifestação isolada; vendo o movimento de dentro como um aspecto do Islã, como se estes outros fatores que certamente determinaram o seu crescimento não existissem. Ao se seguir este procedimento, espera-se traçar um quadro reconhecível como uma unidade em si mesma, um quadro de um misticismo que se desenvolve a partir de um único credo e ritual, que pode então ser comparado e contrastado com os misticismos de outras fés e assim ser visto pelo que realmente é. Pois, embora o misticismo seja indubitavelmente uma constante universal, pode-se observar que suas variações são moldadas de maneira muito clara e característica pelos diversos sistemas religiosos nos quais se basearam. Nesta companhia variada, o Sufismo pode ser definido como o movimento místico de um Monoteísmo intransigente.
O cerne central do ensinamento islâmico é a doutrina de que Deus é Um, que Ele não tem parceiros ou iguais para compartilhar ou contestar Sua Onipotência, que Ele não admite o direito de ninguém de variar Seus Decretos ou interceder em Seus Julgamentos. O Islã não reconhece um Deus encarnado, nem um Salvador; a questão reside entre Ala, o Senhor Único (rabb), e cada homem, Sua criatura e servo (‘abd). Alguns homens foram chamados para serem Profetas de Deus, cujo dever, de Adam a Maomé, era simplesmente chamar a humanidade a Ele. Eles são os veículos da Mensagem Divina para a humanidade, que não varia de época para época ou de povo para povo. Caso contrário, os Profetas são homens como outros homens, exceto na medida em que Deus quis e pode ter querido que fossem os receptores de Sua Graça e Favor especiais. O Profeta certamente não deve ser adorado, pois isto seria politeísmo (shirk) e infidelidade (kuf), embora deva obviamente ser reverenciado e imitado, já que foi falado por Deus e escolhido por Deus para ser Seu mensageiro.
Para o Muçulmano, a Mensagem de Deus está inteiramente contida no Corão, um volume de revelações enviadas de tempos em tempos ao homem Maomé. Este Livro não anula, mas antes confirma a Mensagem Divina conforme preservada, embora em uma tradição corrompida e distorcida, nas Sagradas Escrituras dos Judeus e dos Cristãos. O Corão é, portanto, a autoridade suprema para a qual o místico Muçulmano olha em busca de orientação e justificação.
A maneira pela qual o Corão foi revelado a Maomé é naturalmente de grande interesse para o Sufi, pois não é uma prova visível de que Deus fala ao homem? E uma vez que é seu ardente desejo ouvir a própria Voz de Deus, deve preocupar-se em saber como aconteceu que o Fundador de sua fé foi tão privilegiado a ponto de estar, ao longo de seu profetismo, em contato constante com o seu Criador. Portanto, o Sufi está obrigado a estudar a vida de Maomé (sira), a compreender seu código de conduta (sunna) e a estar familiarizado com as Tradições (hadith), transmitidas de geração em geração, primeiro por via oral e mais tarde por escrito, que são a fonte única e abundante na qual ele pode se basear para a iluminação. O hadith é o segundo pilar após o Corão sobre o qual ele, como todos os Muçulmanos, apoia a estrutura de sua fé e vida.
Desde os primeiros dias do Islã, o Profeta não careceu de seguidores fiéis que procuravam copiar seu exemplo e viver de forma justa e humilde aos olhos de Deus e do homem. A retidão de sua conduta e a plenitude de sua piedade eram tão agradáveis ao seu Criador que, de Sua Infinita Bondade, Ele os escolheu para serem Seus “amigos” (auliya, sing. wali), um termo que mais tarde se tornou mais ou menos sinônimo de “santo” Cristão. O Sufi, que deseja ardentemente ser admitido a igual intimidade e privilégio, é diligente em aprender como estes homens santos se conduziram publicamente e em particular, comprometendo à mente e ao coração as palavras de sabedoria e santidade, os cânticos de devoção e amor celestial que foram lembrados deles. Estes ele tomou como seu terceiro pilar.
Finalmente, em uma vida de obediência sincera à Vontade de Deus, vivida com abstinência e meditação, guiada pela Palavra de Deus, a Vida de Seu Profeta e o exemplo de Seus santos, o Sufi é ele próprio o receptor de tais marcas de favor que Deus pode escolher conceder-lhe. Passando pelos vários estados (ahwal, sing. hal) e estágios (maqamat, sing. maqam) da peregrinação espiritual, ele encontra muitas provas da relação especial em que se encontra com Deus (karamat, “graças”). Estas experiências pessoais constituem o quarto pilar de seu templo de justiça.
Assim guiado e favorecido, o místico Muçulmano pode esperar, mesmo nesta vida mortal, conquistar um vislumbre da imortalidade, ao passar do aniquilamento do eu (fana) para a consciência da sobrevivência em Deus (baqa). Após a morte e o julgamento, ele aspira a habitar para sempre com os anjos e profetas, os santos e salvos, na Presença próxima e bem-aventurada do Todo-Poderoso.
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