ARBERRY, A. J. Le soufisme: La mystique de l’Islam. Jean Gouillard. Paris: Editions Le Mail, 1988
Veja: versão francesa, da tradução abaixo
Al-Junaid evitava assim uma deificação do homem que o teria exposto ao pior. Seu jovem contemporâneo al-Hallaj foi menos feliz: condenado por blasfêmia, foi crucificado em 309/922. Com al-Junaid, al-Hallaj vê na experiência mística uma União a Deus mas dá um passo a mais: ensina que, nesse estado, o místico pode bem ser considerado como Deus encarnado e toma como exemplo o caso, não de Maomé, como se esperaria, mas de Jesus. Al-Hallaj nunca reivindicou a divindade para si mesmo embora seus juízes tenham entendido assim a famosa exclamação que o perdeu: "Eu sou a Verdade" (ana 'l-haqq). Ei-la recolocada em seu contexto do Kitab al-Tawasin:
"Se não reconheceis Deus, reconhecei ao menos seu sinal. Eu sou esse sinal. Eu sou a Verdade criadora (ana 'l-haqq) porque, pela Verdade, sou uma verdade eternamente. Meus amigos e mestres são Iblis e Faraó. Iblis foi ameaçado do fogo do Inferno e todavia não se retratou. Faraó foi engolido no mar e todavia não se retratou, pois não quis reconhecer nada entre ele e Deus. E Eu, embora morto e crucificado, e embora me tenham cortado mãos e pés, não me retrato".
Al-Hallaj representa no supremo grau, antes mesmo de Abu Yazid, o tipo do sufi "ébrio". Está a tal ponto absorvido e confiscado pelo serviço da Vontade divina, tal como a concebe, que não terá a menor consideração pelas consequências que se sabem. A lenda de sua morte o aureola de uma extrema nobreza e suporta a comparação com o relato cristão da Crucifixão, que pode muito bem ter estado presente ao espírito de al-Hallaj no meio de seus tormentos:
Quando o levaram para ser crucificado, e viu a cruz e os pregos, voltou-se para o povo e recitou uma oração que terminava assim: "Teus servos que estão aí, que se reuniram para me matar, por zelo de tua religião, e por desejo de obter teu favor, perdoa-lhes, Senhor e tem piedade deles; pois, em verdade, se lhes tivesses revelado o que me revelaste a mim, não teriam feito o que fizeram; e se me tivesses escondido o que lhes escondeste, eu não teria sofrido essa tribulação. Glória a ti em tudo o que fazes e glória a ti em tudo o que queres!"