VIDE: Coomaraswamy Satã, DIABOLOS, RASHA, ASURAS, ANJOS, DAIMONION, ASMODEUS, IBLIS
Mircea Eliade HISTÓRIA DAS CRENÇAS E DAS IDEIAS RELIGIOSAS
As primeiras referências a Satanás (Jó, 1: 6 s.; 2: 1 s.; Zacarias, 3: 1 s.) apresentavam-no como pertencendo à corte celeste de YHWH. Era o "Inimigo", já que era a personagem celeste hostil ao homem (cf. § 115). Agora, Satanás encarna o princípio do Mal; torna-se o Adversário de Deus. Além disso, uma nova ideia ganha contornos mais nítidos: é a ideia das duas idades (ou dos dois Reinos): "o reino deste mundo" e o "outro reino". Efetivamente, está escrito: "o Altíssimo não criou uma única idade, mas duas" (IV Esdras, 7: 50). Nessa idade o "Reino de Satanás" está fadado a triunfar. São Paulo designa Satanás como "o deus deste mundo" (II Coríntios, 4: 4). O seu poder chegará ao auge com a aproximação da era messiânica, quando se irão multiplicar as catástrofes e os fenômenos aberrantes a que aludimos de passagem na p. 32. Entretanto, na batalha escatológica, YHWH vencerá Satanás, aniquilará ou subjugará todos os demônios, extirpará o mal e edificará em seguida o seu Reino, concebendo vida, alegria e paz eternas. Certos textos falam de um retorno ao Paraíso e, consequentemente, da abolição da morte (IV Esdras, 8: 52-54). Todavia, apesar da sua perfeição e perenidade, esse mundo novamente criado continua a ser um mundo físico.
A figura de Satanás desenvolveu-se provavelmente sob a influência do dualismo iraniano (textos de Qumran mencionam dois espíritos criados por Deus, um bom e outro mau, lembrando o Zurvanismo). Trata-se, em todo o caso, de um dualismo mitigado, porque Satanás não coexiste, desde o começo, com Deus, e não é eterno. Por outro lado, deve-se ter em conta uma tradição mais antiga, que concebia YHWH como totalidade absoluta do real, vale dizer, como uma coincidentia oppositorum, na qual coexistiam todos os contrários, e portanto também o "mal" (cf. § 59). Lembremos o célebre exemplo de Samuel: "O espírito de YHWH retirou-se de Saul e atormentava-o um espírito maligno, que YHWH lhe despediu" (I Sam., 16: 14). Como em outras religiões, o "dualismo" delineia-se em consequência de uma crise espiritual que questiona, ao mesmo tempo, a linguagem e os postulados teológicos tradicionais, e que conduz, entre outras coisas, a uma personificação dos aspectos negativos da vida, do real e da divindade. O que até então era concebido como um momento na evolução universal (baseada na alternância dos contrários: dia-noite; vida-morte; bem-mal; etc.), acha-se daí em diante isolado, personificado e investido de uma função específica e exclusiva, nomeadamente aquela do Mal (cf. § 195). É provável que Satanás seja o resultado, ao mesmo tempo, de uma "cisão" da imagem arcaica de YHWH (consequência da reflexão sobre o mistério da divindade) e da influência das doutrinas dualistas iranianas. De qualquer modo, a figura de Satanás, como encarnação do Mal, desempenhará um papel relevante na formação e na história do cristianismo, antes de tornar-se a personagem famosa, de incontáveis metamorfoses, nas literaturas europeias dos séculos XVIII e XIX.
Roberto Pla: Evangelho de Tomé - Logion 71
En esa función de coinquilino de la misma casa y enemigo de la buena semilla interior, es el Diablo el sembrador de cizana (Cizania). Es por esa via oculta por donde va la recriminación de Jesus a sus interlocutores en cierta perícopa joánica. Ellos no aman al Hijo y por consiguiente no han reconocido en sí mismos la Palabra. Luego si aún no pertenecen al Hijo, no pueden ser llamados hijos de Dios. Jesus les dice: Vosotros sois de vuestro padre el Diablo (Cf. Jn 8, 42-44).
Satanás, el Adversario, es recordado especialmente por Jesus cuando descubre en alguno una incitación egocêntrica, un impulso de raiz inferior que le lleva a un modo torcido de pensamiento, a una manera separativa de comportarse. En tales casos, advierte Jesus acerca del paralelismo satânico que despunta. Eso ocurre, por ejemplo, cuando Pedro, con su idea puesta en Jesus como persona y no como Hijo de Dios, le reprende porque anuncia su Pasión a la que sin duda se presta voluntário. Jesus le increpa entonces con dureza: ¡Quítate de mi vista, Satanás! ¡Tropiezo eres para mí! (Mt 16, 23).
Con tales observaciones acerca de la influencia satânica, o diabólica, que abundan en el evangelio, no se quiere afirmar una identidad con la persona de Satanás, sino sólo subrayar un comportamiento que en cierto grado recuerda, por estar lejos de la universalidad del Padre, la oscura condición del Adversario de Dios.
Evangelho de Tomé - Logion 113
No capítulo 13 de seu evangelho, VINDA DO FILHO DO HOMEM, também fala Marcos de um pai que entregará a morte ao filho, mas isto é uma menção encoberta da significação prototípica de Judas, o último dos Doze, de quem o Filho do Homem haveria de dizer logo, em Getsemani: “Olha, o que vai me entregar está próximo” (Mc 14,42).
Se Judas é chamado “o pai” é porque segundo conta o quarto evangelho, quando Judas tomou o bocado que Jesus o deu, para incitar-lhe a que fizesse logo o que tinha que fazer, “entrou nele Satanás”. Mas o Satã é chamado com razão “o Adversário” porque no coração do homem exerce em muitas ocasiões as atribuições do Pai embora na direção separativa, egoísta, que ele pode exercer.
Isto há que explicar. Posto que o Espírito de Deus habita no homem e ocupa o Lugar Santo e principal que o corresponde, resulta disso que o Espírito é, em verdade, o Ser de cada homem, o Eu puro e eterno.
Mas a consciência do homem, tão instável e movediça, não conhece o Espírito de Deus, como não se conhece a si mesma; não conhece o Eu puro e eterno, pois são dois nomes da mesma coisa: dizer Espírito de Deus é, neste caso, o mesmo que dizer, “Eu”. Por desgraça, quando o homem diz “Espírito”, ou quando diz “Eu” não nomeia a coisa mesma que devia nomear senão uma palavra com a qual representa a coisa que ele pensa em sua consciência.
É evidente que a palavra não dá por si só o significado verdadeiro do significado, senão um significado adventício criado pela consciência. No que se refere ao Eu puro, Jesus o nomeava com a locução Eu Sou, não enquanto um circunlóquio do pronome pessoal “eu”, senão porque procurava explicar que não se referia com isto ao eu pessoal limitado que muitos imaginam quando dizem “eu”, senão ao Eu universal, sem centro, equivalente em seu significado verdadeiro a Deus, o Pai. Então dizia: Eu Sou.
Pelo contrário, o significado que o homem nomeia quando diz “eu” como pronome pessoal é uma ilha, um centro individualizado.
Não há dúvida de que a existência interior deste eu psicológico, filho abortivo, errôneo, da mente, gera a ideia de um pequeno deus que se opõe em tudo aos desígnios de unidade que são próprios do Eu universal e eterno. Esta oposição é o enfrentamento que a escritura conhece. Frente ao nome sagrado de Deus: “Eu sou o que eu sou”, se levanta no homem, com mais poderio do que deveria, a ideia de um eu psicológico, pessoal, que os antigos denominarão miticamente o Satã, o Adversário.
Assim é como frente ao Pai eterno se alça sempre “em espelho”, em quase todas as casas antropológicas, a ideia de um falso pai cujo propósito secreto para sobreviver é entregar o Filho. Isso é o que fez Judas, a representação evangélica prototípica do “Satã”, o fruto histórico da sentença contra a serpente antiga que se enrosca nos pés do Eu Sou.
Mas na consumação do processo evangélico do homem será sempre o Filho o que ao final se levantará vitorioso contra o falso pai. O conhecimento da verdade, e a fé na VINDA DO FILHO DO HOMEM são as armas que proporcionam a vitória.
Leo Schaya – A Criação em Deus
SCHAYA, Léo. La Création en Dieu: à la lumière du judaïsme, du christianisme et de l’islam. Paris: Dervy, 1983
Integrando tudo o que é antigo na contrafação de uma nova religião universal, o Adversário — em hebraico: Satan — antecipará, por analogia inversa, sobre o que os três monoteísmos semíticos consideram como o advento do Messias ou «Ungido» glorioso, — em hebraico: Mashiah, em grego: Christos, e em árabe: Masih, — de quem eles esperam a instauração do Reino único de Deus sobre a terra. Segundo eles, esta inversão antecipada do Reino divino será realizada por uma personificação de Satan: o «falso Messias» ou o «Anticristo»; manifestando-se para o fim dos tempos, ele se encontrará à frente da corrente mundial evocada e tendo múltiplos aspectos e suportes — os falsos Mestres, Profetas, Messias ou Cristos — convergindo sobre o mesmo objetivo unitário: o Uno derrubado, a nova unidade humana que tende a se substituir à Unidade divina, ao mesmo tempo transcendente e imanente ou onipresente. Este unitarismo do Adversário foi denunciado em termos simbólicos no islã, pelo profeta Maomé, dizendo do Anticristo (cf. Al-Bukhan, 60, 50): «Certamente, eu vos assinalo o perigo de sua vinda. Não há profeta que não o tenha assinalado à sua comunidade; e Noé, de fato, o fez em relação à sua. Mas eu, eu vos vou dizer algo a seu respeito que nenhum profeta tinha dito aos seus: Aprendais que ele é caolho e que Deus não o é», — o estado de caolho simbolizando a falsa unidade, enquanto que Deus é o Uno só verdadeiro e real.
No judaísmo, é notadamente o Livro de Daniel (cf. caps. VII, VIII e XI) que anuncia diversas prefigurações e manifestações do Adversário, que ele chama entre outros de «feras» e que representam «reinados» ou potências terrestres satânicas, detidas por tantos «reis» ou personificações humanas de Satan. No cristianismo, o Apocalipse torna a falar da «fera» sob seus diversos aspectos e, correlativamente, do «dragão», do «serpente antigo», depois do «Diabo», de «Satan», do «Falso profeta», e daqueles que adoram e se prostram diante da «imagem da Fera» e terminam com esta última no inferno (cf. caps. XI a XX). Jesus ele mesmo anuncia a vinda do Anticristo e de seus subordinados para o fim dos tempos, nos dias da mais terrível aflição: «Porque a aflição, nestes dias, será tal que não houve nenhuma semelhante desde o começo do mundo criado por Deus até agora, e que não haverá jamais. E se o Senhor não tivesse encurtado estes dias, nenhuma criatura seria salva; mas por causa dos eleitos que ele escolheu, ele encurtou estes dias. E então, se alguém vos diz: Vê, o Cristo está aqui! Vê, ele está lá! não o creiais. Porque se levantar-se-ão falsos Cristos e falsos profetas, que farão sinais e prodígios, em vista de extraviar, se possível, os eleitos. Para vós, tomai cuidado; eu vos anunciei tudo de antemão». (Marcos, XIII, 19-23). Enfim, o apóstolo Paulo escreve: «Que ninguém vos extravie de nenhuma maneira; porque antes (antes do advento final do Messias), é preciso que a apostasia tenha chegado e que se tenha visto aparecer o homem do pecado, o filho da perdição, o Adversário que se eleva contra tudo o que é chamado Deus ou é objeto de culto, até sentar-se no Santuário de Deus se dando ele mesmo por Deus... já o mistério da ilegalidade está em ação. Que desapareça apenas aquele que (o) retém (ainda), e então se revelará o Sem-lei, que o Senhor fará perecer pelo sopro de sua boca e aniquilará pelo brilho de seu advento; (quanto à) vinda do (Sem-lei, ela) será, pelo poder de Satan, acompanhada de toda sorte de milagres, de sinais e de prodígios mentirosos, com todas as seduções da iniquidade, para aqueles que se perdem porque eles não acolheram o amor da verdade para serem salvos. É por isso que Deus lhes envia ilusões poderosas que os farão crer na mentira, de tal modo que caiam sob seu julgamento todos aqueles que não terão crido na verdade, mas que terão tomado partido pela injustiça». (II Tess, II, 3-5, 7-12)