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id da página: 8197 Michel Henry EU SOU A VERDADE Michel Henry

Michel Henry Ser

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SER

Às definições de Deus como encontrando sua essência na Vida ou nas múltiplas proposições nas quais aparece como o Vivente, não se deixará de opor estas que fazem referência ao Ser. Assim IHWH, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, do qual se traduz aproximativamente à maneira pelo qual se nomeia: “Eu sou aquele que sou”, se refere evidentemente a este conceito de Ser. De Deus o Apocalipse diz também: “Eu sou o alfa e o ômega (...) Aquele que é, que foi e que será, o Todo-Poderoso” (1,8). Observar-se-á igualmente que o conceito do ser intervem no interior mesmo das proposições que identificam a essência divina à Vida, tal esta aqui: “Aquele que é vivente”. A fim de afastar de pronto o contrasenso maciço que leva a essência do Deus cristão ao Ser e assim a um conceito do pensamento grego — abrindo a via às grandes teologias ocidentais que reduzem o Deus de Abraão àquele dos filósofos e dos cientistas e por exemplo àquele de Aristóteles —, convém afirmar que, remetido a seu último fundamento fenomenológico, o conceito do Ser se reporta à verdade do mundo, não designando nada mais que sua aparição, seu aclaramento, o que é suficiente para privar de toda pertinência concernindo a Verdade do Cristianismo, quer dizer Deus ele mesmo.

De maneira mais precisa, a palavra “ser” pertence à linguagem dos homens, que é precisamente a linguagem do mundo. E isto porque, como o sugerimos e como teremos ocasião de estabelecer longamente, toda linguagem faz ver a coisa da qual fala tão bem quanto isto que dela diz. Um tal fazer-ver releva do mundo e de sua Verdade própria. Na medida que a linguagem das Escrituras é aquela que falam os homens, a palavra “ser” aí se encontra a cada passo, mesmo quando se trata para Deus de se designar aos homens na linguagem que é precisamente a deles. Quando ao contrário, esta linguagem é explicitamente referida a Deus a ponto de se tornar sua própria Palavra, esta Palavra então se dá infalivelmente como Palavra da Vida e como Palavra de Vida 0 de nenhuma maneira como “palavra do Ser”, o que do ponto de vista cristão nada quer dizer. “As palavras que vos disse são espírito e elas são vida” (Jo 6,63); “Ide, apresentai-vos no templo, e falai ao povo todas as palavras desta vida” (At 5,20). Teremos a ocasião de citar muitos outros textos onde a essência divina se dá explicitamente como aquela da Vida, “o pão de vida”(Jo 14,28). Quanto às múltiplas metáforas em uso no texto do Novo Testamento e que vão suscitar uma iconografia inteiramente nova, geradora de uma arte especificamente cristã que vai agitar a arte ocidental, deve-se lembrar que convergem todas para uma outra verdade, no sentido fenomenológico, que aquela do mundo? As coisas não aparecem somente portadoras de significações “místicas”, seu ser mundano se dissolve propriamente nos símbolos do fogo ou da água — “a água da vida”: os cervos se saciam na fonte de vida, a árvore ela mesma que se mantem “no meio do lugar da cidade e entre as duas margens do rio está a árvore de vida” (Apocalipse, respectivamente 22,1).