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Michel Henry

FILOSOFIA — Michel Henry (1922-2002)


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HENRY, Michel. Auto-donation: entretiens et conférences. 2e éd ed. Paris: Beauchesne, 2004

[...] a geração do homem em Deus tal como a expõe notadamente Mestre Eckhart. Na mente de Mestre Eckhart, com efeito, toda uma série de intuições fundamentais se une à fenomenologia. Viver em um sentido radical não é viver como se faz cotidianamente. Vive verdadeiramente apenas aquele que é capaz de se fazer viver, de se trazer a si mesmo para a vida. Por conseguinte, Deus não é certamente um simples vivente, ele é aquele cujo viver é tão potente que se faz viver constantemente. É somente na condição de tal viver que todo vivente é possível. Se não houvesse um viver que fosse capaz de se trazer a si mesmo para a vida, nenhum vivente poderia ser. Para Eckhart, a vida se gera assim a si mesma. Isso significa fenomenologicamente que a realidade da vida consiste em se experimentar a si mesma. A vida se traz para este "se experimentar a si mesmo", ela é um processo de vir da vida em si mesma.

O "se experimentar a si mesmo" compreende inevitavelmente a Ipseidade. Na medida em que esta ipseidade é fenomenologicamente efetiva, em que há uma vida que vem para a vida e se experimenta a si mesma — vida que o Cristianismo chamará Deus —, na medida em que há um primeiro Si, não há vida possível sem ipseidade. Este Si vivente é o fundamento que permite um "eu-mim". É preciso então, como o dizem certos fenomenólogos da última geração, colocar o eu no acusativo. Assim, não se trata mais de ego, mas de eu, porque o eu só é possível no Si da vida. É somente porque há uma vida que se experimenta a si mesma que todo indivíduo vivente pode se experimentar a si mesmo na vida, não por suas próprias forças, mas pela força da vida. Cada um de nós é um Si vivente, invisível e real, mas este Si vivente só pode sê-lo na vinda da vida em Si, em sua auto-afecção. A proposição de Mestre Eckhart é então a seguinte: "Deus se gera como eu mesmo". A autogeração da vida, sua autorrevelação, se cumpre assim em uma ipseidade que é forçosamente singular: esta ipseidade sou eu. Toda outra concepção do eu é totalmente ingênua e cega.

Sobre Deus, Mestre Eckhart enuncia duas outras proposições: "A essência de Deus é a vida" e "a essência da vida é Deus". Estas proposições evocam a identidade, a reciprocidade entre Deus e a vida. A primeira proposição de Mestre Eckhart era: "Deus se gera como eu mesmo", ou seja, a vida se revela a si mesma em um si singular que pode ser precisamente o meu, mas Mestre Eckhart acrescenta: "Deus me gera como ele mesmo". Pode-se dar um sentido fenomenológico rigoroso a estas proposições. Deus, ou digamos antes a vida – pois, por Deus, se entende um ser superior, enquanto ele não é pura e simplesmente o viver – me gera, ou seja, ao se experimentar a si mesma, a vida gera necessariamente um Si singular. Ser um Si significa se experimentar a si mesmo, não por suas próprias forças, mas na vida. Neste evento, se toma nascimento. A grande tese do Novo Testamento – "O homem é filho de Deus" – implica então que a vida gera o Si vivente, Deus me gera. Deus me gera como ele mesmo porque, inevitavelmente, o Si só pode ser vivente se a vida se cumpre nele. Logo que a autodoação não se cumpre mais em um Si, logo que a autorrevelação da vida em nós se interrompe, não há mais nem Si, nem vivente, nem eu, nem ego – só subsiste uma coisa inerte, morta.

Partindo dos textos fenomenológicos que descrevem a experiência de que se é, pode-se dizer que a primeira afirmação incontestável é que se é um vivente. O fato de que se tenha conseguido fazer com que o homem esqueça isso prova o formidável condicionamento ideológico de um mundo que tenta fazer crer que não há nada fora dele, que os homens são indivíduos empíricos, simples arranjos neuronais – um neurônio, contudo, não sente nada! Esta definição absurda mas radical é a que se ensina de cima a baixo da escala escolar, do College de France à escola primária. Este extraordinário condicionamento ideológico tem, no entanto, a capacidade de ocultar a condição incontestável de ser vivente. Ora, se experimenta ser vivente, mesmo que, neste momento por exemplo, não se preste muita atenção a isso e não se possa jamais ver ou pensar, nem por outro lado fazer disso algo mundano. Se o experimenta em uma espécie de pathos puro, de continuum puramente afetivo.

Em minha existência mundana, sou para mim, ou seja, posso ser um pesquisador em sociologia, um homem, uma mulher, mas antes de ser isso, é preciso primeiro ser si, ser um Eu. Cada Si é com efeito ele mesmo, para sempre, insuperavelmente. Kafka, em seu primeiro romance, escreve ao falar do Grande Teatro: "Aqui, há um lugar para cada um". E João: "Eu lhe darei também uma pedrinha branca, uma pedrinha que traz gravado um nome novo que ninguém conhece, a não ser aquele que o recebe" (o Apocalipse, 2,17). Eis o nascimento transcendental do eu real que somos, deste eu que a fenomenologia tanto buscou.

O que o mundo galileano pode dizer sobre um indivíduo, qualquer que seja, que vai pronunciar esta palavra extraordinária: Eu? A tese do Cristianismo é que o indivíduo recebeu tudo de Deus e que ele é um vivente em uma vida que não é a sua. Em termos especulativos, ela implica que não se é o fundamento de si mesmo, mesmo que se o experimente a cada instante. Estamos aí no indubitável, no invencível. E este mundo galileano que se ensina, no qual se crê, que dá créditos de pesquisa, o que ele pode dizer sobre o que é um indivíduo? Apesar "da crise do sujeito" ou "da crítica do sujeito" – esta pequena mania parisiense que grassa há trinta anos –, não se duvida de um único instante de que cada um de nós aqui é ele mesmo! Ninguém o questiona, nem mesmo aqueles que aderem a este tipo de ideologia.

A história do pensamento distingue dois princípios de individuação, duas formas de explicar por que algo como um indivíduo existe. O princípio mundano – o do senso comum mas também o da ciência – sustenta que é o lugar que ele ocupa no espaço e no tempo que individualiza uma coisa. Quando o homem é tratado como uma coisa, ou seja, como um indivíduo empírico situado no tempo e no espaço, se define sua existência por uma espécie de aberração que apaga completamente o que é um Si. Mas em que isso confere uma ipseidade, ou seja, um eu que pode dizer "Eu", que é antes de tudo um eu para mim? O segundo princípio de individuação, implícito no Cristianismo, é formulado por Mestre Eckhart. Uma Vida absoluta – uma vida que não é do meu feito – dá a cada vivente a capacidade de se experimentar a si mesmo e, somente desta forma, de ser um Si. Desde então, não somos um Si no mundo na medida em que o homem não está precisamente no mundo à maneira de um objeto qualquer, à maneira de um ente intramundano. A perspectiva da ciência pode então fundamentar o indivíduo? Absolutamente não. Para a biologia genética, por exemplo, não há senão processos materiais que se pode, claro, reproduzir, mas, em nenhum momento, intervirá um Si. Se gostaria de citar aqui um trecho assustador escrito por François Jacob: "Talvez também se consiga produzir à vontade, em tantos exemplares quanto desejado, a cópia exata de um indivíduo, um político, um artista, uma rainha da beleza, um atleta por exemplo. Nada impede de aplicar desde já aos seres humanos os procedimentos de seleção utilizados para os cavalos de corrida, os camundongos de laboratório ou as vacas leiteiras". Sem entrar na polêmica, se pergunta simplesmente o que no universo galileano pode, de uma forma ou de outra, contestar minimamente uma perspectiva deste tipo?

Se tentou elucidar aqui apenas uma parte do que poderia tornar inteligível uma série de revelações trazidas do exterior por profetas ou por alguém que se diz ser o Cristo. Estas intuições formam uma totalidade coerente, mas também levantam problemas. O problema central do Cristianismo é evidentemente o do Cristo. Neutralizando toda questão relativa à fé ou à crença, pode-se conceber fenomenologicamente que uma Vida absoluta, uma vida que se traz a si mesma para o viver, implica um vivente absoluto sem o qual esta Vida absoluta seria impossível. É precisamente a tese do Cristianismo.

Existem três tipos de textos no Novo Testamento: 1) textos narrativos que relatam os atos e as palavras de Jesus; 2) um ensinamento que se diz "moral" e que é ilustrado por parábolas. Este ensinamento é normativo, ele prescreve o que se deve fazer, ele lembra a lei de Moisés diretamente, como por exemplo a interdição do assassinato ou do adultério; 3) textos de uma ordem diferente – são estes que me interessaram por causa de sua dificuldade –, nos quais Jesus estabelece ou se compromete a estabelecer que ele é o Messias, o Cristo e finalmente Deus. Do ponto de vista da interpretação, são textos terríveis. Eles contêm, com efeito, discussões extremamente precisas e rigorosas nas quais o Cristo fala de si mesmo.

Por que estes textos colocam problemas? Por causa da duplicidade do aparecer, de seu caráter duplo como aparição mundana e como vida invisível. "Vós me vedes como um homem", vai dizer o Cristo, "mas sabeis que eu sou o Primeiro Vivente?" No plano intelectual, se raramente viu algo que atinge este nível, é até melhor que Spinoza! O Cristo faz aí algo de muito surpreendente, com efeito, ele rompe antes da hora com o mundo tal como Galileu o conceberá, já que ele nega seu nascimento natural. Se lhe diz que ele é o filho de José, o carpinteiro, que ele não pode, por conseguinte, ser o Cristo ou o filho de Deus e que quando o Messias vier, ninguém saberá de onde ele vem.

Ele se encontra, portanto, obrigado – o que o Cristianismo fará também – a negar esta paternidade. Vê-se, por exemplo, em certas passagens dos Evangelhos onde ele tenta afirmar indiretamente sua condição de filho de Deus: o Messias é o filho de Davi? Se ele é o filho de Davi, por que Davi o chama de Senhor, ou seja, Deus? "Como pode-se dizer que o Cristo é o filho de Davi. Davi, então, o chama de Senhor; como então ele é seu filho?" (Lucas, 20,41-44).

Tal como o escreve João, a geração de um Primeiro Vivente na Vida absoluta é idêntica à autogeração desta Vida absoluta. Esta autogeração se cumpre assim como geração de um Primeiro Vivente que não é a consequência, mas a condição da autogeração. A vida, portanto, só pode se experimentar em um primeiro Si que é a revelação da vida. Ela se experimenta, ou seja, ela se revela. É por esta razão que João diz: ele é o Logos, o Filho. No início de seu Evangelho, João diz uma coisa assombrosa que fascinou todo o mundo, exceto a posteridade de Galileu: "No princípio era o Verbo" (João 1,1), o que significa que no início era o Filho. Esta afirmação não está totalmente de acordo com o pensamento racional que é o nosso. Ela convida, no entanto, a uma outra fenomenologia que trata de outros problemas baseados em outras intuições. É interessante que nosso mundo, finalmente muito ingênuo apesar de sua aparelhagem técnica, seja confrontado com um pensamento diferente que explica coisas diferentes. No fundo, este pensamento responde a uma verdadeira questão: o que não é explicado em nosso mundo que conhece tudo e explica tudo?


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