René Guénon: O GRÃO DE MOSTARDA
Roberto Pla: Evangelho de Tomé - Logion 106
É essa transformação, o reconhecimento do grão que “um é” em essência, e não a palha que veste o grão e com a qual nos identificamos habitualmente, o que põe fim à dualidade transitória, errônea, pois tudo é uno na unidade do “gérmen” semeado pelo Pai.
A presença do gérmen divino, a única Vida eterna implantada no mundo, é o que serve de selo da unidade; o que confirma que tudo há de ser um só reino, o De Deus, quando o munto tenha passado.
Em verdade, o mundo já passou para todo aquele que desde o princípio até hoje tenha sido transformado em grão. Quando todos os grãos se tenha revelado, ficaram consumadas essa dissipação do psíquico e esse desgaste das vestimentas, que profetizou Isaías.
Dissipação é negação de ser, essa negação que Jesus explicava como negação de si mesmo; uma negação que vem por si mesma quando a verdade sobre a natureza, evanescente, do psíquico, tenha sido descoberta. É o mesmo que as ondas do mar, que quando cessão não vão a nenhuma parte nem estão em seu lugar, senão que reabsorvem no mar e se dissipam como se nunca tivessem sido.
Quando às vestimentas desgastadas, é o tempo o que as leva a envelhecer e logo as queima e vêm a ser como fumaça. Mas tarde o tempo as esquece e nada resta delas por trás de si. Como se nunca houvessem sido.
Tudo isso significa que quando os reinos dos céus e da terra tenham passado, o todo terá recuperado a unidade no Reino de Deus (v. Céus e Terra, Águas).
Se a exegese manifesta do evangelho afirma um dualismo estrito para a eternidade pós-escatológica, é por sua interpretação peculiar do sentido da formosa imagem mateana da palha e do grão com a que João Batista abre a predicação.
Por efeitos do batismo de fogo, desse fogo que Jesus disse que ele tinha vindo para lançá-lo sobre a terra (Fogo sobre a terra) e cuja obra consiste em derramar sabedoria sobre o coração do homem, pode Cristo aventar as messes trilhadas — e essa é a ação do mangual — para separar do grão a palha e limpar sua eira.
Como bem sabemos, a palha é em cada homem a envoltura superficial do grão, e este é o Ser essencial, o espírito, a Palavra preexistente e eterna semeada em todo homem.
Que a palha significa aqui todos os conteúdos mortais próprios do mundo e dos quais o Homem se reveste; e que o grão é “figura” do gérmen eterno do Reino de Deus, é coisa tão evidente que por si só parece refutar a ideia manifesta de que o mangual ativado por Cristo tem por fim que a palha — os homens maus — chegue aos fornos de um inferno eterno e extramundano, e que os grãos de trigo limpo — os homens “bons” — sejam reunidos no celeiro de Deus.
NOTAS: