1. Se se quer preparar o perfume de bom odor, se porá junto igualmente, conforme à lei, o incenso diáfano, a canela, o ônix e a mirra. É o quaternário das virtudes. Se elas estão inteiras e iguais, a inteligência não será traída.
2. A purificação da alma pela plenitude das virtudes torna a atitude da inteligência inabalável e apta a receber o estado procurado.
3. A oração é uma conversação da inteligência com Deus: que estado não lhe é, portanto, necessário para assim se tender sem retorno, ir a seu Senhor e conversar com ele sem qualquer intermediário?
4. Moisés, quando quis aproximar-se da sarça ardente, foi disto impedido até que tivesse tirado seus calçados: como tu que pretendes ver Aquele que ultrapassa todo pensamento e todo sentimento, não te separas de todo pensamento apaixonado?
5. Ore então para obter o dom das lágrimas a fim de atenuar pela compunção a dureza inerente à tua alma e, nisto confessando contra ti tua iniquidade ao Senhor, obter dele teu perdão.
6. Use lágrimas para ter sucesso em todas as tuas demandas, pois teu Senhor está muito contente de ti quando oras em lágrimas.
7. Quando versas fontes de lágrimas em tua oração, não te eleves em ti mesmo, como se estivesses acima da maior parte de teus semelhantes: é simplesmente que tua oração obteve um socorro para que possas com ardor confessar teus pecados e apaziguar o Senhor por tuas lágrimas. Não transforme em paixão o antídoto das paixões, se não queres irritar muito o doador da graça.
8. Muitos daqueles que choram sobre seus pecados, esquecendo a meta das lágrimas, forma tomados de loucura e se perderam.
9. Mantém-te bravamente e ora energicamente; afasta as preocupações e as reflexões que se apresentam, pois elas te perturbam e te agitam para enervar teu vigor.
10. Os demônios te vêem cheio de ardor pela verdadeira prece? Eles te sugerem ao pensamento certas coisas que te representam como necessárias. Em seguida, não tardam a exasperar a lembrança que aí se apega, levando a inteligência a buscá-las. A inteligência não as encontra e ela se entristece vivamente e se aflige. Vindo o tempo da prece, eles lhe repõem então na memória os objetos de suas procuras e lembranças a fim de que enfraquecida por estas associações a memória perca a prece frutuosa.
11. Esforça-te por manter teu intelecto, durante a prece, surdo e mudo: assim poderás orar.
14. A oração é um rebento da doçura e da ausência de cólera.
15. A oração é um fruto da alegria e do reconhecimento.
16. A oração é exclusão da tristeza e do desencorajamento.
17. "Vai, vende tudo aquilo que tu tens e o dês aos pobres, e depois tome tua cruz, renega-te a ti mesmo" afim de poder orar sem distração.
18. Se queres orar dignamente, renuncia a ti mesmo todo o instante; se suportas todo tipo de provações, toma partido disto sabiamente pelo amor da oração.
19. De toda pena aceita com sabedoria tu encontrarás o fruto na hora da oração.
20. Se tu queres orar como é necessário, não entristeça nenhuma alma; senão, pelejas em vão.
21. ...O rancor cega a faculdade mestre daquele que ora e expande as trevas sobre as orações.
27. Armado contra a cólera, tu não admitirás jamais concupiscência (pleonexia), pois é a concupiscência (pleonexia) que alimenta a cólera, a qual por sua vez perturba o olho da inteligência e perturba assim o estado de oração.
28. Não te contentes de orar nas atitudes exteriores mas conduz tua inteligência ao sentimento da oração espiritual com grande temor.
31. Não ores para que tuas vontades se cumpram: elas não concordam necessariamente com a vontade de Deus. Ores de preferência, seguindo o ensinamento recebido, dizendo: "que vossa vontade seja feita em mim"; em toda coisa, peça a ele que sua vontade se faça; pois Ele, Ele quer o bem e o proveito de tua alma, enquanto tu, tu não buscas necessariamente isto.
33. O que é bom fora de Deus? Retiremos Dele todos os nossos interesses e nos encontraremos bem. Aquele que é Bom é também, necessariamente, o Dispensador de dons excelentes.
34. Não te aflijas quando não receberes imediatamente, de Deus, o objeto de teu pedido: é que ele quer fazer-te bem maior ainda, por tua perseverança a permanecer com ele na oração. O que há de mais sublime, de fato, do que conversar com Deus e de se abstrair em um íntimo comércio com Ele?
34 a. A oração sem distração é a intelecção mais alta da inteligência.
35. A oração é uma ascensão da inteligência para Deus.
37. Ora, em primeiro lugar, para te purificares das paixões; em segundo lugar, para te libertares da ignorância; em terceiro lugar, para te libertares de toda tentação e abandono.
38. Em tua oração, procura unicamente a justiça e o reino, isto é, a virtude e a gnose; e todo o resto te será dado por acréscimo ( Mt 6,33 ).
40. Orando com teus irmãos ou orando só, esforça-te por orar, não por hábito, mas com sentimento.
43. Tua inteligência divaga durante a oração? É que ela ainda não ora como monge; ela ainda é do mundo e ocupada em decorar a tenda exterior.
44. Enquanto oras, vigia intensamente a tua memória, para que, ao invés de te sugerir suas lembranças, ela te leve à consciência da tua prática; pois, a inteligência tem uma perigosa tendência a se deixar pilhar pela memória no momento da oração.
50. O que têm em vista os demônios, quando excitam em nós a gula, a impudicícia, a concupiscência, a ira, o rancor e as outras paixões? Querem que a nossa inteligência, engrossada por elas, não possa orar como se deve; pois, as paixões da parte irracional, vencedoras, impedem-na de mover-se de acordo com a razão (de acordo com as razões dos seres como objeto de contemplação) para procurar atingir a Razão (o Logos: o Verbo) de Deus.
51. Nós vamos às virtudes (primeiro degrau: vida ativa) em vista das razões dos seres criados (segundo degrau: contemplação inferior); vamos a estas, em vista do Senhor, que as estabeleceu (terceiro degrau: teologia); quanto ao Senhor, ele costuma aparecer no estado de oração.
52. O estado de oração é um "hábito" impassível que, por um amor supremo, arrebata aos cimos intelectuais a inteligência tomada pela sabedoria.
54. Quem ama a Deus conversa incessantemente com ele, como com um Pai, despojando-se de todo pensamento apaixonado.
55. Não é porque se tenha atingido a apatheia que se irá orar verdadeiramente, pois é possível ficar nos pensamentos simples (isto é, decantados de apego sensível) e distrair-se na meditação deles, estando, portanto, longe de Deus.
56. Empenhemo-nos que a inteligência não permaneça nos pensamentos simples; nem por isso terá atingido o lugar da oração pois ela pode encontrar-se na contemplação dos objetos e ocupar-se em suas razões: ora, essas razões, sendo ao mesmo tempo expressões simples, em sua qualidade de considerações de objetos, imprimem uma forma na inteligência e a afastam muito de Deus.
57. Suponhamos que a inteligência se eleve acima da contemplação da natureza corpórea; ela ainda não tem a visão perfeita do lugar de Deus pois pode encontrar-se na ciência dos inteligíveis e partilhar sua multiplicidade.
59. Quem ora em espírito e em verdade, não tira mais das criaturas os louvores que dá ao Criador: é do próprio Deus que ele louva Deus.
60. Se és teólogo, vais orar verdadeiramente; se oras verdadeiramente, és teólogo.
61. Quando tua inteligência, num ardente amor de Deus, sai, por assim dizer, pouco a pouco, de tua carne; quando rejeita todos os pensamentos que vêm dos sentidos, da memória ou do temperamento; quando ela se enche, ao mesmo tempo de respeito e de alegria, então podes considerar-te próximo dos limites da oração.
66. Não imagines possuir a Divindade em ti, quando oras, nem deixes tua inteligência aceitar a marca de uma forma qualquer; mantém-te como imaterial diante do Imaterial e compreenderás.
67. Fica atento às armadilhas dos adversários: acontece, enquanto oras puramente e sem perturbação, que se te apresente, de súbito, uma forma desconhecida e estranha. Ela quer levar-te à presunção de que ali localizas Deus e fazer com que vejas a Divindade no objeto quantitativo que de repente apareceu diante dos teus olhos; porém, a Divindade não tem quantidade nem figura.
68. Quando o demônio ciumento fracassa na excitação da memória durante a oração, faz violência à compleição do corpo para despertar na inteligência algum fantasma desconhecido, e, assim, dar-lhe forma. A inteligência, acostumada a permanecer em conceitos, é então facilmente subjugada; aquela que tendia à gnose imaterial e sem forma, deixa-se abusar e toma fumaça por luz.
69. Mantenha-te em guarda, guardando tua inteligência de todo conceito, na hora da oração, para que ela seja firme na sua tranquilidade própria (de sua natureza original). Então, Aquele que tem piedade dos ignorantes virá também sobre ti e receberás um dom de oração muito glorioso.
70. Não poderias possuir a oração pura, estando perturbado com coisas materiais e agitado por preocupações contínuas, pois a oração é abandono dos pensamentos.
71. Impossível correr entravado. A inteligência sujeita às paixões também não poderia ver o lugar da oração espiritual, pois ela é solicitada de todos os lados pelo pensamento apaixonado e não consegue manter-se inflexível.
80. Se oras verdadeiramente, conhecerás uma grande segurança; os anjos te escoltarão como a Daniel e te iluminarão sobre as razões dos seres.
83. A salmodia vence as paixões e acalma a intemperança do corpo; a oração faz a inteligência exercer sua atividade própria.
84. A oração é atividade que convém à dignidade da Inteligência; é a aplicação mais admirável e mais completa desta.
85. A salmodia depende da sabedoria multiforme; a oração é o prelúdio da gnose imaterial e uniforme.
87. Se ainda não recebeste o carisma da oração e da salmodia, obstina-te: tu o receberás.
97. Quem se aplica à oração pura, ouvirá ruídos e estrondos, vozes e insultos; mas não se quebrará, nem perderá seu sangue frio, dizendo a Deus: " Não temerei mal algum, porque estais comigo", e outras palavras semelhantes.
98. No momento das tentações dessa espécie, recorre a uma oração breve e veemente.
101. O corpo tem o pão por alimento; a alma, a virtude; a inteligência, a oração espiritual.
105. Não escutes as exigências de teu corpo no exercício da oração; não deixes que uma picada de piolho, pulga, pernilongo ou mosca, te prive da melhor vantagem da oração.
109. A respeito de um outro irmão espiritual, lemos que uma víbora atacou-lhe o pé durante a oração. Mas ele não moveu os braços até acabar a oração habitual, e escapou ileso, porque amara a Deus mais que a si mesmo.
110. Não eleves os olhos enquanto oras; renuncia à carne e à alma e vive segundo a inteligência.
112. Um outro santo, cheio do amor de Deus e de zelo na oração, encontrou, quando andava pelo deserto, dois anjos que se puseram, um à sua direita, outro à sua esquerda, e caminharam juntos. Mas ele não lhes deu a mínima atenção, para não perder e, melhor. Pois, lembrava-se da palavra de, Apóstolo: "Nem os anjos, nem os principados, nem os poderes, poderão separar-nos da caridade de Cristo" ( Rm 8,38 ).
114. Aspiras a ver a face do Pai, que está nos céus: não procures, por nada deste mundo, perceber uma forma ou uma figura durante a oração.
117. Feliz o espírito livre de qualquer forma durante a oração.
119. Bem-aventurada a inteligência que, no momento da oração, torna-se imaterial e despojada de tudo.
126. Aquele outro leva à perfeição a oração que não cessa de fazer frutificar para Deus toda a sua intelecção primeira (a do estado original).
149. A atenção em busca de oração vai encontrá-la, pois se a oração vem depois de alguma coisa, é justamente da atenção. Apliquemo-nos nisso.
150. A vista é o melhor de todos os sentidos; a oração é a mais divina de todas as virtudes.
151. A excelência da oração não reside na simples quantidade, mas na qualidade. São testemunhas os dois que subiram ao templo ( Lc 18,10s ) e as palavras: "Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras" ( Mt 6,7 ).
152. Enquanto ainda tens atenção para o que provém do corpo; enquanto tua inteligência considera os atrativos externos, ainda não viste o lugar da oração: estás mesmo longe do caminho abençoado que conduz a ele.
153. Pois, quando em tua oração tiveres conseguido ultrapassar qualquer outra alegria, é que finalmente, em toda verdade, terás encontrado a oração.