VIDE: CITAÇÕES; RENUNCIAR; KATHARSIS; Karl Renz Neti Neti Existencia
Mestre Eckhart: Glossário do tradutor, Enio Paulo Giachini, da ótima versão portuguesa dos "Sermões Alemães" de Mestre Eckhart
Johannes Tauler: TAULER SEGUNDO GIUSEPPE FAGGIN
René Guénon: LAÇOS E NÓS
Frithjof Schuon: O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
O desapego: primeiramente constatamos que o apego está na própria natureza do homem; e, todavia, pede-se-lhe que seja desprendido. O critério da legitimidade do apego é que o seu objeto seja digno de amor, isto é, que nos comunique algo de Deus e, principalmente, que não nos afaste dele. Se uma coisa ou uma criatura é digna de amor e se não nos afasta de Deus — em cujo caso ela nos aproxima indiretamente do seu modelo divino — pode-se dizer que nós a amamos "em Deus" e "em direção a Deus", portanto, em consonância com a "relembrança" platônica e sem idolatria nem paixão centrífuga. Ser desprendido é nada amar fora de Deus nem a fortiori contra Deus; é, portanto, amar a Deus ex toto corde. Mas há ainda outra perspectiva que encontramos em todo ambiente religioso, ou seja, a do ascetismo penitencial. Em vez de partir da ideia de que todo excesso é um mal e que o bem se situa entre dois excessos, como o quer Aristóteles e como o ensina também o Islamismo global, esse ascetismo vê o bem no excesso de desapego; e isso também se justifica, dependendo do ponto de vista, do temperamento, da vocação, do meio. Conforme essa perspectiva, não há excesso: há simplesmente sinceridade e totalidade; todavia, essa atitude não pode ou não quer revelar toda realidade humana ou, mais precisamente, espiritual.
O desapego é o oposto da concupiscência e da avidez. É a grandeza de alma que, inspirada pela consciência dos valores absolutos e, portanto, também da imperfeição e da impermanência dos valores relativos, possibilita à alma a conservação da sua liberdade interior e da sua distância em relação às coisas. A consciência de Deus anula, de certo modo, as formas e as qualidades por um lado e, por outro, lhes confere um valor que as sublima. O desapego faz com que a alma seja como que impregnada pela morte mas, também, em compensação, que tenha consciência da indestrutibilidade das belezas terrestres. Pois a beleza não pode ser destruída; ela se refugia nos seus arquétipos e na sua essência, ou renasce, imortal, na bem-aventurada proximidade de Deus.
Evola Doutrina do Despertar
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Uma vez que o desapego, viveka, é interpretado principalmente neste sentido interno, talvez seja mais fácil alcançá-lo hoje do que numa civilização mais tradicional.
- Um espírito ainda "Ariano" numa grande cidade moderna pode sentir-se mais alone e destacado do que num isolamento físico real na época do Buda.
- A maior dificuldade reside em dotar este sentido de isolamento interno de um carácter positivo, pleno, simples e transparente, eliminando todos os traços de aridez, melancolia ou ansiedade.
- A solidão não deve ser um fardo, mas antes uma disposição natural, simples e livre.
- Num texto lê-se: "A solidão é chamada sabedoria; aquele que está sozinho encontrará que é feliz", sendo uma versão acentuada de "beata solitudo, sola beatitudo".
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Do ponto de vista externo e social, é a liberdade interior que conta, mas isto não deve levar a autoenganos.
- O homem de hoje deve precaver-se mais dos pequenos apegos do que dos grandes, ou seja, dos apegos conectados com a vida convencional e "normal", de hábitos, inclinações e apoios sentimentais que, por fazerem as suas próprias desculpas inconscientes, são julgados como irrelevantes.
- A este respeito, há uma analogia marcante nos textos, a da codorniz, dirigida àqueles que dizem "Que pode vir desta questão insignificante!" e não notam que assim estabelecem "um vínculo forte, um vínculo firme, um vínculo sem fraqueza, um grilhão pesado".
- Se uma codorniz, apanhada num laço de fio fraco, assim vai para a perdição, só um tolo diria que aquele laço não era um vínculo forte para ela.
- O caso oposto é o de um elefante real que, "com grandes presas, treinado para o ataque, atado com cordas e vínculos fortes", ao mover o corpo apenas um pouco, "parte e quebra aqueles vínculos e vai para onde quer".
- Aqui, só um tolo diria que aqueles vínculos eram fortes para ele.
- Esta analogia enfatiza bem o perigo e o carácter insidioso de muitos pequenos laços, cuja insignificância aparente oferece material para a autoindulgência.
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O desapego ou liberdade interior é ainda entendido no sentido de uma espécie de ductilidade, condição oposta à do homem que "se agarra com ambas as mãos e que só é removido com dificuldade".
- Recorda-se a analogia frequente do puro-sangue perfeitamente treinado que imediatamente toma a direção desejada.
- A vida destacada, pensada como livre como o ar, está assim conectada com um sentimento de "estar satisfeito com o conhecimento e a experiência".
- Este espírito está aberto a tudo, a toda a impressão — e é, por esta mesma razão, elusivo.
- Eis o equivalente interior do estado de espírito que os textos comparam a um pássaro que "para onde quer que voe, voa apenas com o peso das suas penas", imagem que se refere à contentamento purificado do asceta que se satisfaz com a simplicidade da sua vida e necessidades.
- Torna-se mais uma vez evidente que, logo no início, deve estar presente algo que, na sua forma ideal e absoluta, é representado no estado final: o sentido de sunna ou sunñata, o "vazio", que na literatura Mahayana acaba por ser sinônimo do estado do nirvana mesmo, pode já ser visível nas várias semelhanças entre o estado anterior do espírito e o posterior.