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mortificação

PENITÊNCIA — MORTIFICAÇÃO


Tanquerey: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA

A mortificação contribui, como a penitência, para nos purificar das faltas passadas; mas o seu fim principal é premunir-nos contra as do presente e do futuro, diminuindo o amor do prazer, fonte dos nossos pecados.

Encontramos sete expressões principais nos Livros Santos, para designar a mortificação sob os seus diversos aspectos.

1. A palavra renúncia: «qui non renuntiat omnibus quae possidet non potest meus esse discipulus» — apresenta-nos a mortificação como um ato de desprendimento dos bens exteriores, para seguirmos a Cristo. Assim fizeram os Apóstolos: «relitis omnibus, secuti sunt etim».

2. É também uma abnegação ou renúncia a si mesmo: «Si quis vult post me venire, abneget semetipsum»... E na verdade, o mais terrível dos nossos inimigos è o amor próprio desordenado; eis o motivo por que é forçoso desapegar-nos de nós mesmos.

3. Mas a mortificação tem um lado positivo: é um ato que fere e atrofia as más tendências da natureza: «Mortificate ergo membra vestra... Si autem Spiritu fata carnis mortificaveritis, vivetis»...

4. Mais ainda, é uma crucificação da carne e das suas concupiscências, pela qual cravamos, por assim dizer, as nossas faculdades à lei evangélica aplicando-as à oração, ao trabalho: «Qui... sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis»....

5 Esta crucifixão, quando persevera, produz uma espécie de morte e de enterramento, pelo qual parecemos morrer completamente a nós mesmos e sepultar-nos com Jesus Cristo, para vivermos com Ele uma vida nova: «Mortui enim estis vos et vita vestra est abscondita cum Cristo in Deo... Consepulti enim sumus cum illo per baptismum in morrem».

6. Para exprimir esta morte espiritual, S. Paulo serve-se doutra expressão: como, depois do batismo, há em nós dois homens, o homem velho que fica, ou a tríplice concupiscência, e o homem novo ou o homem regenerado, declara o Apóstolo que é nosso dever «despojar-nos do homem velho, para nos revestirmos do novo: expoliantes vos veterem hominem... et induentes novum».

7. E, como isto se não faz sem combater, declara ainda que a vida é um combate «bonum certamen certavi», que os cristãos são lutadores ou atletas que castigam o seu corpo e o reduzem a servidão.

De todas estas expressões e outras análogas, resulta que a mortificação compreende um duplo elemento: um negativo, o desprendimento, a renúncia, o despojamento; e outro positivo, a luta contra as más tendências, o esforço para as mortificar ou atrofiar, a crucificação, a morte da carne, do homem velho e das suas concupiscências, a fim de vivermos da vida de Cristo.

Expressões modernas. Hoje vai-se preferindo o uso de expressões mitigadas, que indicam o fim que se pretende atingir, antes que o esforço que para isso se tem de empregar. Diz-se que é mister reformar-se a si mesmo, governar-se a si mesmo, fazer a educação da vontade, orientar a sua alma para Deus. Estas expressões são exatas, contanto que se saiba mostrar que ninguém pode reformar-se e governar-se a si mesmo, sem combater e mortificar as más tendências que em nós existem; que não se faz a educação da vontade, senão mortificando, disciplinando as faculdades inferiores, e que não há possibilidade de alguém se orientar para Deus senão desapegando-se das criaturas e despojando-se dos próprios vícios. Por outros termos, é necessário saber, como faz a S. Escritura, reunir os dois aspectos da mortificação, mostrar o fim, para consolar, mas não dissimular o esforço necessário para o atingir.

Definição. Pode-se, pois, definir a mortificação: a luta contra as más inclinações, para as submeter à vontade, e esta a Deus. É menos uma virtude que um complexo de virtudes, o primeiro grau de todas as virtudes, que consiste em vencer os obstáculos, no intuito de restabelecer o equilíbrio das faculdades, a sua ordem hierárquica. Assim se vê melhor que a mortificação não é um fim, senão um meio; o homem não se mortifica senão para viver uma vida superior, não se despoja dos bens exteriores senão para melhor conseguir os bens espirituais, não se renuncia a si mesmo senão para possuir a Deus, não luta senão para gozar da paz, não morre a si mesmo senão para viver da vida de Cristo, da vida de Deus. A união com Deus é, pois, o fim da mortificação. Assim, melhor se compreende a sua necessidade.