Que é então uma
verdade que não difere em nada do que é verdadeiro? Se a
verdade é a manifestação apreendida em sua pureza fenomenológica, a fenomenalidade e não o fenômeno, então o que se fenomenaliza é a fenomenalidade ela mesma. A fenomenalização da fenomenalidade ela mesma é uma matéria fenomenológica pura, uma substância da qual toda a essência é de aparecer, a fenomenalidade em sua efetuação e em sua efetividade fenomenológica pura. O que se manifesta, é a manifestação ela mesma. O que se revela, é a revelação ela mesma, uma revelação da revelação, uma
auto-revelação na sua fulguração original imediata. Com esta ideia de uma Revelação pura, de uma revelação cuja fenomenalidade é a fenomenalização da fenomenalidade ela mesma, de uma
auto-revelação absoluta que se passa de que quer que seja que seria outro que sua própria substância fenomenológica, estamos em presença da essência que o cristianismo coloca no princípio de toda coisa.
Deus é esta Revelação pura que não revela nada de outro que si. Deus se revela. A
Revelação de Deus é sua auto-revelação. Se por acaso “A
Revelação de Deus” se dirigisse aos homens, ela não poderia consistir no desvelamento de um conteúdo estranho a sua essência e transmitido não se sabe como a alguns iniciados. Se revelar aos homens não poderia significar para Deus que lhes dar em partilha sua
auto-revelação eterna. O cristianismo nada mais é, a bem dizer, que a teoria estupenda e rigorosa desta doação em partilha aos homens da
auto-revelação de Deus.
Onde vemos algo tal como uma fenomenalização da fenomenalidade pura enquanto sua auto-fenomenalização original imediata, enquanto a auto-revelação disto que chamamos presumidamente “Deus”? Nenhuma parte. Mas é claro também que um tal “ver” está aqui fora de questão. Ver não é possível senão em um “mundo”. Ver pressupõe o distanciamento disto que deve ser visto e assim sua vida para fora — mais precisamente, e de maneira prévia, a vinda para fora do “De fora”, o “fora de si” como tal, que constitui a visibilidade de tudo aquilo que, posto neste “De fora” diante de nosso olhar, será suscetível de ser visto por nós, o ser-visto como tal. E isso não concerne somente o ver sensível mas também o ver inteligível, toda forma de experiência onde se acede a isto que é experimentado como a um “em-face” ou a um “ob-jeto”.
Que a
Revelação de Deus enquanto sua auto-revelação não deve nada à fenomenalidade do mundo mas a rejeita todavia como profundamente estranha a sua fenomenalidade própria, é o que decorre com uma extrema violência da última oração do Cristo nas Oliveiras: “Não é para o mundo que
oro” (Jo 17,9). Ora não são as circunstâncias, tão trágicas sejam, que explicam esta declaração terrificante; esta encontra sua justificação contundente em uma proposição cujo caráter teórico pode dificilmente ser contestado: “Meu reino não é deste mundo” (
Jo 18,36). Aqui ainda haveria um enorme engano se se imaginasse que se trata então de um julgamento moral. Por toda parte no cristianismo, a ética é subordinada à ordem das coisas. Reino não significa não mais uma espécie de domínio sobre o qual se estenderia o poder divino, um campo reservado a sua ação. É a essência própria do Cristo enquanto identificado à “
Revelação de Deus”, a sua
auto-revelação absoluta, que se designa como estranha ao mundo: “Eu, eu não sou do mundo” (Jo 17,14).