Índia
Patrick Geay Durand: PARA ALÉM DO EU — A PROCURA DO SI
O vocabulário hindu é explícito, pois âtma, em sânscrito, é um pronome pessoal, traduzido em inglês por the self, aqui entre nós, por Si. A Realização é, portanto, a plenitude da Consciência do Si.
O Si é impessoal. Não é masculino nem feminino, nem velho nem jovem, nem feliz nem triste, nem carrasco nem vítima. Desse ponto de vista, vamos insistir que a Consciência do Si é diferente da consciência de si. Se alguém se empenha na consciência de si, vai primeiro tomar consciência de si mesmo como homem ou mulher, gozando de boa saúde ou doente, velho ou jovem, enquanto o Si, a realidade essencial de todo ser, não é "isso nem aquilo". E a Consciência à qual não se pode acrescentar nenhuma qualidade ou atributo, que seria forçosamente uma exclusão ou uma limitação. Se eu sou um homem, é evidente que não sou uma mulher; se eu sou um adulto, é evidente que não sou uma criança; se eu sou francês, é evidente que não sou inglês nem japonês. Sempre que eu sou alguma coisa, não sou mais "todo o resto". Mas o Si não é nada; consequentemente é compatível com tudo.
O Si não tem forma, e aquilo que chamaremos de consciência de si é uma forma. A consciência de si aparece como uma forma. Mas o que você deve entender também, de um outro ponto de vista, é que a consciência de si é o caminho da Consciência do Si. Como essa transcendência, metafísica Consciência do Si, poderia revelar-se de repente? E por que ela se revela a alguns, que na índia são chamados de libertos, despertos ou realizados, mas não a todo mundo, fora dali? A consciência de si cada vez mais apurada é o caminho da Consciência do Si. Mas pensar que um dia a Consciência do Si, da Vida Eterna, da Natureza-de-Buda vai se revelar em você sem que nunca tenha tido a menor consciência de si, é impossível. Isso nunca acontecerá, ou então acontecerá uma vez em cada século, com um gênio da espiritualidade. É a exceção que confirma a regra e que você não pode pretender.
Essa consciência de si praticamente nunca existe, e por isso, a Consciência do Si não tem nenhuma oportunidade de revelar-se.
O trabalho de tomada de consciência, essa é bem a palavra, dirigida ao interior para alcançar aquele Si último ou aquele Reino dos Céus, é todo o Caminho. Nem todo mundo está em condições de passar a maior parte do tempo imóvel em meditação, procurando descer cada vez mais profundamente em si mesmo. Nem todo mundo tem os meios materiais para isso e nem todo mundo tem as qualificações necessárias para um caminho essencial contemplativo. É possível ter uma vida ativa e dar grande importância à consciência de si, e você pode considerar consciência de si sinônimo de vigilância. Não há vigilância se não há consciência de si. Como você é levado a manifestar-se a maior parte do tempo, só concorda em consagrar à busca do Reino interior uma meia hora por dia, que reservaria à meditação. E também pode ser que essa meia-hora seja estéril porque está agitado, porque tem distrações, associações de ideias, e não chega a descer profundamente em si mesmo, ao encontro desse Reino que está dentro de você, mas que não é tão facilmente acessível. E indispensável achar a possibilidade de conservar a consciência de si e, ao mesmo tempo, manter-se ativo e consciente daquilo que acontece fora de você.
Filosofia
Sérgio L. de C. Fernandes: Filosofia e Consciência — O JOGO DE LUZ
Como pode haver "consciência de si", se todo objeto é uma opacidade e todo sujeito a sombra por ela projetada? O que eu uma vez chamei, erroneamente, de "consciência de si", era flatus vocis. O que há é uma distinção entre o que se repete nas identificações e as identificações que se repetem. O que se repete nas identificações é sempre a inconsciência sob alguma "forma". As identificações que se repetem são nossas mentiras sistemáticas. Ter um ponto de vista é simplesmente ser ignorante, ignorar o que se é, ignorar os "outros" pontos de vista, ser "alguém", ter uma identidade, estar identificado, estar apavorado com a perspectiva de deixar de existir, estar aterrorizado pela morte: é desejar, e estar por isso condenado a uma frustração irremediável, pois é estar no tempo, ter começo e fim, e estar localizado no espaço, estar aqui porque não se está ali. Quando respondemos à pergunta "Quem é você", apontamos sempre para um objeto. E não nos enganamos: jamais nos passa despercebido que estamos mentindo. Quem é você? O Professor Fulano. A Professora Fulana, o marido, a mulher, o pai, a mãe, o aluno, a aluna, o Diretor, aquele que faz isso, aquela que faz aquilo, o que sente isso, o que sente aquilo, o que tem tais e tais memórias, o filho ou a filha de Fulano e Sicrano; tudo isso nada mais é do que construção da mente, biológica e social. Essas construções jamais poderão ser o que alguém é, não porque possa haver alguém ali, onde há uma personalidade, mas porque o pensamento é a produção do falso em cadeia. Não há "identificações" verdadeiras. Aquilo que, ao ser conhecido, deixa de ser o que é, justamente por ter sido conhecido, é o Falso: trata-se do que jamais se revela tal qual é, mas sempre como não é — símbolo, o que está sempre no lugar de outra coisa. É uma ironia do que Heráclito chamou de "destino", que expressões como "eu consciente", "ego fortalecido", "bem estruturado" etc., sejam corriqueiras. Uma questão de "caráter". Por isso a resposta do sábio à pergunta sobre quem ele é só pode ser o silêncio. Ou então a mais longa das respostas: "Sou isto, e aquilo, e aquilo ...", indefinidamente.