Frei Hermógenes Harada: ENSAIOS DE FILOSOFIA
De novo, aqui devemos compreender vida espiritual, vida divina nela mesma, sem colocá-la na perspectiva da pré-compreensão do sentido do ser como algo, coisa, ocorrente em si. Talvez, hoje, possamos apenas acenar para essa compreensão imediata, corpo a corpo do que Eckhart chama de espiritual e divino, recorrendo à vivência da experiência de encontro, a algo como a sensibilidade, delicadeza e intimidade da recepção e doação "entre" pessoas, numa referência toda própria, caracterizada como relacionamento eu-e-tu. Aliás, toda essa linguagem do encontro soa intimista, carola, para não dizer sem pudor e banal, pois todos esses termos pessoais, intersubjetivos têm o sabor de uma coisificação psico-vitalizada de atos comunicativos e expressivos de um sujeito eu e de um outro sujeito tu. Eckhart tenta acenar para a significação própria da vida espiritual e divina, chamando o "nada" da pura recepção de puro louvor, cheio de gratidão. E usa continuamente a qualificação lauter e ledig para insinuar o matiz todo próprio do nada da gratidão. Lauter significa puro, mero, claro, e se refere à clareza, à limpidez do som, à afinação, mas não somente no sentido de estar alinhado, correto, mas muito mais no sentido do frescor, da plenitude generosa, da cordialidade da liberdade da percussão, portanto, do vigor da gratuidade livre do toque. Ledig hoje significa solteiro, mas propriamente diz livre, não preso, desimpedido, na plenitude solta da vitalidade. Eckhart usa também a palavra virgem para caracterizar essa liberdade como alegria límpida, contida de uma vitalidade ainda não desgastada ou ressentida.