VIDE: INDIVIDUALIDADE; PESSOA; EGO; HUWA
René Guénon: DISTINÇÃO ENTRE «SI MESMO» E «EU»
Em lugar dos termos "Si mesmo" e "mim mesmo", podemos também empregar "personalidade" e "individualidade", com uma reserva apenas, pois o "Si mesmo", pode ser ainda alguma coisa a mais que a personalidade. Os teosofistas, que parecem ter tido prazer em embaralhar sua terminologia, tomam a personalidade e a individualidade num sentido que é exatamente inverso daquele onde eles devem ser entendidos corretamente: é a primeira que eles identificam ao "mim mesmo" e a segunda ao "Si mesmo". Antes deles, ao contrário, e mesmo no Ocidente, todas as vezes que uma distinção qualquer foi feita entre estes dois termos, a personalidade foi sempre vista como superior à individualidade, e é por isso que dizemos que aí está sua relação normal, que tem toda vantagem em manter. A filosofia escolástica, em particular, não ignorou esta distinção, mas parece não ter dado seu pleno valor metafísico, nem que dela tenha tirado todas as consequências profundas que aí estão implicadas; é de resto, o que acontece frequentemente, mesmo nos casos em que ela apresenta similitudes mais notáveis com certas partes das doutrinas orientais. Em todo caso, a personalidade, entendida metafisicamente, nada tem de comum com aquilo que os filósofos chamam de "pessoa humana", que não é outra coisa que a individualidade pura e simples; de resto, é somente ela, e não a personalidade, que pode ser chamada propriamente de humana. De uma maneira geral, parece que os ocidentais, mesmo quando pretendem ir mais longe em suas concepções do que o fazem a maior parte dentre eles, tomam como personalidade aquilo que não é verdadeiramente senão a parte superior da individualidade, ou uma simples extensão desta; nestas condições, tudo o que é da ordem metafísica pura permanece forçosamente fora de sua compreensão.
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O "Si mesmo", considerado em relação ao ser, como p.ex. o ser humano, é propriamente a personalidade; poderíamos, é verdade, restringir o uso dessa palavra ao "Si mesmo" como princípio dos estados manifestados, assim como a "Personalidade Divina", Ishwara, é o princípio da manifestação universal; mas podemos também estendê-lo analogamente ao "Si mesmo" como princípio de todos os estados do ser, manifestados e não-manifestados. Esta personalidade é uma determinação imediata, primordial e não particularizada, do princípio que é chamado em sânscrito Atma ou Paramatma, e que podemos, na falta de melhor termo, designar como a "Mente Universal", mas, bem entendido, com a condição de não ver no emprego da palavra "mente" nada que possa lembrar as concepções filosóficas ocidentais e, notadamente, e de não tomá-lo como correlativo de "matéria" como acontece muitas vezes entre os modernos, que sofrem a respeito, mesmo inconscientemente, a influência do dualismo cartesiano. A metafísica verdadeira, repetimos, esta muito além de todas as oposições das quais esta entre o "mentalismo" e o "materialismo" nos fornece o tipo, e ela não se preocupa absolutamente com estas questões mais ou menos particulares, e frequentemente artificiais, que fazem surgir semelhantes oposições.
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A personalidade, insistimos ainda, é essencialmente da ordem dos princípios no sentido mais estrito desse termo, quer dizer da ordem universal; ela não pode portanto ser visada senão do ponto de vista da metafísica pura, que tem precisamente por domínio o Universal. Os "pseudo-metafísicos" do ocidente têm o hábito de confundir com o Universal coisas que, na verdade, pertencem à ordem individual; ou antes, como eles não concebem de modo algum o Universal, aquilo ao que eles aplicam abusivamente este nome é normalmente o "geral", que não passa de uma simples extensão do individual. Alguns levam a confusão ainda mais longe: os filósofos "empiristas", que não podem conceber sequer o geral, assimilam-no ao coletivo, que na verdade não passa do particular; e, por essas degradações sucessivas, chegamos finalmente a rebaixar todas as coisas ao nível do conhecimento sensível, que muitos consideram de fato como o único possível, porque seu horizonte mental não se estende além desse domínio e porque eles pretendem impor a todos as limitações que só resultam de sua própria incapacidade, seja natural, seja adquirida por uma educação especial.