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id da página: 4603 Peregrino – Bhikkhu – Asceta Errante

Peregrino

PEREGRINO


VIDE: Schuon Pérolas Peregrino; Coomaraswamy Peregrino; Doutrina Iniciática da Peregrinação



Ioan Couliano

Na tradição literária ocidental, o contador de estórias Homero (cuja lenda e conjectura localiza cerca do século VIII AC) lançou o gênero que a Idade Média Latina chamaria mais tarde "peregrinatio", significando vagância ou perambulação, ao invés de peregrinação. Várias tradições conhecem este tipo de viagem pelo mar, usualmente levada a territórios miraculosos e do outro mundo. Basta mencionar aqui a imrama celta (narrativas de navegação), que certamente predatam as viagens de Simba o Marinheiro, pois os árabes eram relutantes em navegar ou construir frotas. (De acordo com o raciocínio do astuto general Amr ibn al-As, o conquistador do Egito, pode-se dominar uma terra tomando todos os postos fortes do inimigo, mas como se pode conquistar o mar, onde não há nada senão ondas?)


Michel Evdokimov
Peregrinos Russos e Andarilhos Místicos

Em hebraico, "Adam" significa barro, terra vermelha, terra enrubescida pelo fogo, a partir da qual o homem foi moldado, trabalhado como um vaso nas mãos do Criador, para receber o sopro do Espírito, o incandescente sopro da vida. Matéria pura atravessada pelas energias do puro espírito. A desobediência do primeiro casal humano teve como consequência seu imediato exílio do Reino, como que um retorno à terra, uma queda na materialidade: "E o Senhor Deus o expulsou do jardim de Éden, para cultivar o solo de onde fora tirado" (Gn 3,23). A instalação do homem sobre esta terra ocorreu em consequência de uma expulsão.


Na Bíblia, viagens, peregrinações, andanças ao léu assumem uma gama vastíssima de significados. Podem ser, com nuances diversas, sinal de um castigo, que remonta à condição terrestre original da humanidade, de uma penitência ou purificação, de um ritual ou de obediência a uma promessa ou de um encontro com Deus. Na palavra latina per-egrinus, de onde vem o nosso peregrino, acha-se contida a ideia de atravessar um campo (ager = campo; per = através de, por), um território, uma fronteira. À semelhança de Adão, todo peregrino é antes de mais nada um estrangeiro numa terra que não lhe pertence. Mas não será condenado a miseravelmente vagar sem fim. Em sua imensa compaixão, Deus, com efeito, moveu-se de pena por sua criatura e enviou ao mundo Seu Filho para reconduzi-la ao antigo jardim de delícias. E ao se encarnar, Jesus Cristo assumiu plenamente a condição existencial do homem desenraizado, expulso para a superfície do mundo. Sua missão na terra se desenrolou como incessante caminhar ao longo das poeirentas estradas da Palestina.1 A um escriba, cheio de ingênuo zelo, que lhe pedia para acompanhá-l'O por toda a parte aonde fosse, Jesus responde: "As raposas têm tocas, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mt 8,20). Jesus quer assim fazer que ele sinta a precariedade da existência condenada a mobilidade contínua e que não poderia encontrar o perfeito repouso aqui na terra. A missão do Filho que desceu a esta terra só termina no dia da Ascensão, quando o Deus-Homem ressuscitado sobe novamente ao céu arrastando consigo a natureza humana, para lhe devolver todo o seu brilho e restabelecê-la em sua antiga dignidade:

Tendo descido do alto dos céus à terra, tendo, como Deus, resgatado a progênie de Adão, que jazia humilhada na prisão do inferno e, por tua Ascensão, ó Cristo, tendo-a feito novamente subir ao céu, Tu a fizeste sentar-se contigo no trono de Teu Pai, porque és misericordioso e amigo do homem (Tropário das Matinas da Ascensão).

O verdadeiro discípulo de Cristo é aquele que não se instala na espessura deste mundo, mas assume uma condição peregrinante que o impele para um além onde se cumprirão definitivamente todas as promessas.


Evola Doutrina do Despertar

  • A primeira grande ação no caminho ascético é indicada pelo termo pabbajja, significando literalmente "partida".

    • De acordo com o esquema dos textos, aquele que ouve a doutrina e descobre o seu significado mais profundo, e que assim chega à "confiança", adquire uma convicção expressa por esta fórmula: "O lar é uma prisão, um lugar poeirento. A vida de um eremita é ao ar livre. Não se pode, permanecendo em casa, cumprir ponto por ponto a ascese completamente purificada, completamente iluminada".
    • Compreendendo isto, o "filho nobre" após pouco tempo sacode o apego a coisas e pessoas, deixa a casa e dedica-se à vida de um asceta errante.
  • Traduziu-se o termo bhikkhu, que designava os seguidores do Buda, por "asceta errante", embora literalmente signifique um "mendicante".

    • Originalmente os bhikkhus eram uma espécie de monges errantes e mendicantes: a natureza semiconventual das organizações budistas só apareceu num período posterior.
    • O termo que se usou possivelmente permite menos mal-entendidos, pois a aceitação de esmolas ocorria numa sociedade onde tal ato, feito a um asceta, era considerado uma graça e não uma humilhação.
    • Pensava-se que um asceta, ao atuar como ponto de contacto entre o visível e o invisível, cumpria uma função supremamente útil, sendo o dar (dana) concebido como uma ação produtora de benefícios equivalentes aos da "conduta correta" e do desenvolvimento contemplativo.
    • Assim, como sinal de desprezo, as assembleias budistas podiam indicar famílias das quais o bhikkhu deveria recusar esmolas, invertendo simbolicamente a sua tigela.
  • Estes detalhes à parte, os bhikkhus originalmente constituíam uma ordem livre com um chefe, semelhante a um equivalente ascético das ordens medievais ocidentais de cavaleiros andantes.

    • O Buda recomendava que dois discípulos não tomassem o mesmo caminho.
    • O ponto essencial era a ausência de vínculos e do desejo de companhia, um gosto pela solidão e uma liberdade tão ampla quanto possível.
    • "Fugir da sociedade como um fardo pesado, buscar a solidão acima de tudo".
    • Ter muito que fazer, evitar a solidão e viver em ambientes mundanos são considerados "condições desfavoráveis para a batalha".
    • Aquele que não está livre do vínculo familiar pode ir para o céu, mas não alcançará o despertar.
    • "Que o asceta esteja sozinho: é suficiente que tenha de lutar consigo mesmo".
    • "Apenas de um asceta que habita sozinho, sem companhia, é de esperar que possua prazer na renúncia, prazer na solidão, prazer na calma, prazer no despertar".
    • E ainda: "Aquele que desfruta da sociedade não pode encontrar alegria no desapego solitário", e sem esta alegria não se pode concentrar firmemente nas coisas do espírito nem alcançar o conhecimento correto.
    • O desapego e a solidão implícitos em pabbajja devem ser entendidos tanto no aspeto físico como no espiritual: desapego do mundo e, acima de tudo, de pensamentos do mundo.
    • Portanto, não se deve deixar afetar pela conversa das pessoas nem prestar demasiada atenção às palavras.
    • Não se deve disputar com o mundo, mas julgá-lo pelo que é, isto é, impermanente.
    • Os textos falam de "ser para si mesmo uma ilha, de buscar refúgio em si mesmo e na lei, e em nada mais".
    • Se um homem não consegue encontrar um companheiro sábio e constante, "deve caminhar sozinho, como aquele que renunciou ao seu reino, como um animal orgulhoso na floresta, calmo, não fazendo mal a ninguém".
    • Outras expressões ilustrativas descrevem o asceta como aquele que "vai sozinho como um rinoceronte", "como um leão que não treme a qualquer ruído, como o vento que não é detido por nenhuma rede, como uma folha de lótus intocada pela água".
    • Um verdadeiro asceta é "aquele que procede sozinho e contemplativo, sobre quem nem a culpa nem o louvor têm efeito, que guia outros, mas a quem outros não sabem como guiar".
  • Considerando a adaptabilidade da ascese do Ariya aos tempos modernos, questiona-se até que ponto o preceito da "partida" como abandono real do lar deve ser tomado literalmente.

    • Os textos consideram por vezes um triplo desapego: físico, mental, e ambos físico e mental.
    • Se o último representa a forma mais perfeita, é o desapego mental que deve reivindicar a atenção particular hoje, tendo sido também enfatizado nos desenvolvimentos do Mahayana, incluindo o Budismo Zen.
    • Os textos canónicos mencionam a possibilidade de uma interpretação simbólica do conceito de "partida", onde "lar" é equivalente aos elementos que compõem a personalidade comum.
    • Uma variação de um texto citado afirma que "a vida solitária é bem alcançada quando o que é passado é posto de lado, o que é futuro abandonado, e quando a vontade e a paixão, no presente, estão inteiramente sob controlo".
    • Outras passagens referem que um homem erra justamente como um bhikkhu quando subjugou o tempo passado e futuro, possui um entendimento puro e "deixou para trás tanto o agradável como o desagradável, apegando-se a nada, de todas as formas independente e sem apegos".