VIDE: O QUE SE CHAMA CRISTIANISMO; VERDADE DO CRISTIANISMO
PAGELS, Elaine H. The Johannine Gospel in gnostic exegesis: Heracleon’s commentary on John. Nashville, Tenn.: Abingdon Press, 1973
Qual é este “postulado” fundamental que eles [os gnósticos] contestam? Acima de tudo é a afirmação de que o homem Jesus que viveu “na carne” é “Cristo”: que a revelação de Deus foi dada em e através dos eventos reais de sua vinda.
Justino, por exemplo, faz um contraste acentuado entre os mitos religiosos pagãos e a proclamação de Cristo. Ele admite que “ao dizer que o logos nasceu para nós sem união sexual, como Jesus Cristo, nosso mestre, e que ele foi crucificado e morreu, e depois de ressuscitar ascendeu ao céu, não introduzimos nada de novo” além do que os pagãos afirmam sobre os “chamados filhos de Zeus”. A diferença crucial é que os mitos são falsos, ficções poéticas, mas a afirmação cristã é realmente verdadeira: “Somente Jesus Cristo realmente nasceu como o filho de Deus”. Justino acrescenta que não se poderia esperar que alguém acreditasse nisso sem prova (como se espera que as crianças acreditem nos mitos). Para demonstrar que “nós, ao contrário daqueles que contam as histórias míticas sobre os chamados filhos de Zeus, não apenas falamos, sem ter prova”, ele afirma que “encontramos testemunhos proclamados sobre ele antes de ele vir . . . e vemos que estas coisas aconteceram”.
Justino se refere para sua prova aos “evangelhos” cristãos—que ele chama de “memórias” dos apóstolos. Estes oferecem relatos de testemunhas oculares de que os eventos profetizados realmente ocorreram. Para Justino, os eventos em si—e não os escritos evangelísticos e apostólicos que os atestam—são os meios primários de revelação. A importância dos “evangelhos” é que eles fornecem a evidência necessária para a afirmação cristã. A validade de seu testemunho é confirmada, por sua vez, pela correlação exata dos eventos que eles relatam com as profecias antigas.
Irineu, como Justino, insiste que “a igreja” se baseia na convicção de que “Deus se fez homem”, especificamente o homem Jesus de Nazaré, que nasceu “por volta do quadragésimo primeiro ano do reinado de Augusto”, viveu, sofreu e morreu “na carne”, e foi ressuscitado dos mortos de acordo com a profecia. Estes se apresentam como os “primeiros princípios do evangelho”; aparentemente Irineu usa o termo “evangelho”, como von Campenhausen aponta, em seu sentido inicial, paulino. Irineu declara que as “escrituras” proféticas “auxiliam” a pregação do evangelho por terem dado predições divinamente inspiradas com antecedência. Os quatro escritos do “evangelho” que ele aceita como documentos válidos atestam o cumprimento destas predições nos eventos da vinda de Cristo.
Os gnósticos contestam estes mesmos “primeiros princípios”. Os teólogos gnósticos não negam necessariamente que os eventos proclamados de Jesus ocorreram na história. O que eles negam é que a realidade destes eventos seja teologicamente relevante. Heracleon afirma, por exemplo, que aqueles que insistem que Jesus, um homem que viveu “na carne”, é “Cristo” falham em distinguir entre a verdade literal e a simbólica. Aqueles que escrevem relatos da revelação como supostas biografias de “Jesus de Nazaré”—ou mesmo de Jesus como messias—focam em meros “elementos externos” históricos e perdem a verdade interior que eles significam.
Por mais de um século, aqueles que buscam por verdades históricas nos textos sagrados e seculares chegaram a duas versões de Jesus: o Jesus do Evangelho e o Jesus Histórico. O dilema em procurar o Jesus Histórico é a constatação crescente do que não pode ser conhecido. Não se conhecem os fatos fundamentais da vida de Jesus — incluindo a natureza de seu nascimento, a seita ou segmento de judeus (essênios, galileus, zelotes, fariseus, hassídicos) cujas visões refletiram sua formação, a causa específica de sua crucificação. Na falta de recursos, busca-se nos evangelhos provar ou desaprovar um evento ou afirmação. Busca-se por elementos especiais dentro da estória do evangelho, e então examina-se evidências arqueológicas em Israel, assim como para corroborar eventos em Homero olha-se para as ruínas de Troia, seus muros, o Labirinto em Creta, o touro de pedra, e até o Hades como um templo arcaico no Epirus do sul. Quanto a documentos patrísticos para confirmar a estória de Jesus, os comentários não levam à história mas de volta aos evangelhos através das convicções e interpretações apaixonadas dos Padres da Igreja dos ditos e atos de Jesus. Qualquer que seja o rigor de uma razão desapaixonada, honestidade, e inteligência imparcial, aplicado a esta busca do Jesus Histórico, permanece o fator limitante que, em investigando milagres, eventos, e conversas íntimas que tiveram lugar em casas, no Sanedrim, e entre Jesus e seus oponentes, não há nenhuma evidência para suportar ou rejeitar este material como um "documento histórico". Quanto as referências do evangelho a pessoas e eventos no tempo de Jesus, tem-se informações históricas: Romanos no Oriente Médio selêucida; a conquista de Jerusalém por Pompeu em 63; os judeus em Israel, Alexandria e na diáspora ampla; o levante judeu contra os Romanos em 66-70. E esta informação externa nos ajuda a receber o significado das sentenças do evangelho em algum contexto histórico.