O segredo dos responsórios divinos
O desafio, para o discípulo de Ibn Arabi, é portanto grave. Que cada um se experiencie a si mesmo e discirna seu estado espiritual, pois assim como declara um versículo corânico: «O homem é uma testemunha que depõe contra ele mesmo, qualquer desculpa que profere» (75/14-15). Se não percebe os «responsórios» divinos ao longo da Oração, é que realmente não está presente com seu Senhor; incapaz de entender e de ver, não é realmente um mosalli, um orante, nem alguém «que tenha um coração, que ouça e seja uma testemunha ocular» (40/36). O que chamamos o «método de oração» de Ibn Arabi comporta assim três graus: presença, audição, visão. Quem quer que perca um destes três graus, permanece fora da Oração e de seus efeitos, os quais estão ligados ao estado de fana. Esta palavra, já vimos, não significa na terminologia de Ibn Arabi a «nadificação» da pessoa, mas sua ocultação a si mesma, e tal é a condição para perceber o dhikr, o responsório divino que é, desta vez, a ação do Senhor pondo seu fiel no presente de sua própria Presença.
Sumário
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A autotestemunha do homem e os graus da oração em Ibn Arabi
- A necessidade de o discípulo testar a si mesmo e discernir seu próprio estado espiritual.
- A condição de presença com o Divino como requisito para a oração autêntica.
- Os três graus do método de oração: presença, audição e visão.
- O estado de fana como ocultação do indivíduo para si mesmo e condição para apreender o dhikr.
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A estrutura do diálogo íntimo e a iniciativa na oração
- O motivo da resposta divina como elemento fundante do diálogo íntimo.
- A questão sobre quem toma a iniciativa no diálogo de oração.
- A análise da estrutura da oração a partir da intuição mais profunda da teosofia de Ibn ‛Arabi.
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A Imaginação Ativa e a oração como teofania
- A teofania no coração do orante como originária do Ser Divino.
- A oração como "Oração de Deus" e a expressão profética no passivo: "Minha consolação foi posta para mim na oração".
- A sacralização do tempo da oração e a proibição de interrupções.
- A himma como energia espiritual que projeta a imagem de suporte para a teofania.
- A imagem teofânica como consequência da capacidade do místico e como precedente à sua existência, pré-determinada em sua hezeidade eterna.
- A lei estrutural da Imaginação teofânica que a distingue da fantasia e a liga ao testemunho sobre aquele que a imagina.
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A reciprocidade de papéis entre Deus e o fiel na oração
- A estrutura das teofanias implicando a troca de papéis entre Deus e seu fiel.
- A oração de Deus e dos Anjos como guia do homem para a luz, conforme o Alcorão: "Há Aquele que ora por ti e também Seus Anjos, para te levar das Trevas para a Luz".
- A revelação do segredo das respostas divinas na estrutura que alterna os papéis de Primeiro e Último.
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A homonímia de musalli e a alternância dos Nomes Divinos
- A homonímia significativa da palavra musalli como "aquele que ora" e "aquele que vem depois".
- A iluminação da relação entre a Oração de Deus e a Oração do homem.
- A atribuição alternada dos Nomes Divinos "O Primeiro" (al-Awwal) e "O Último" (al-Akhir), correspondentes a "O Oculto" (al-Batin) e "O Revelado" (al-Zahir).
- Deus como musalli: A manifestação de Deus sob o Nome "O Último" e "O Revelado".
- O "Deus que ora em nossa direção" como o Deus manifestado, dependente do fiel.
- O "Deus criado nas crenças" como individuação divina de acordo com a capacidade do receptáculo.
- A citação de Junayd: "A cor da água é a do vaso que a contém".
- A posteridade de Deus em relação ao ser do fiel e a sua condição de "Último".
- O fiel como musalli: A atribuição do Nome "O Último" ao fiel, que é posterior a Deus.
- O ser do fiel como manifestação do "Tesouro Oculto".
- A Imaginação Criativa não criando um "Deus fictício", mas projetando a imagem primordial que Deus primeiro imaginou.
- A noção psicológica de que "o Deus criado nas crenças é o símbolo do Si Mesmo".
- Deus como musalli: A manifestação de Deus sob o Nome "O Último" e "O Revelado".
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A autorreferencialidade do louvor e a oração como diálogo íntimo
- A interpretação dos versos corânicos: "Cada ser conhece sua Oração e sua forma de glorificação" e "não há ser que não glorifique a sua glória".
- O louvor que cada ser presta a si mesmo.
- O cruzamento entre o caminho do eu empírico e o caminho do Si Mesmo como paredros do gnóstico.
- A oração íntima (munajat) como "serviço divino" privado, distinguindo-se da oração coletiva.
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A vida de oração como processo de individuação e ciência do coração
- A prática da oração como forma autêntica de "processo de individuação".
- A liberação da pessoa espiritual das normas coletivas e evidências prontas.
- A realização da "ciência do coração" como teosofia de Ibn ‛Arabi.
- A "fenomenologia do coração" e a tomada de consciência do "Deus criado nas crenças" como uma "recorrência da criação".
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A limitação da crença dogmática e a crítica à teologia negativa
- A ignorância do não-gnóstico sobre o processo de "criação" em sua fé.
- O conflito entre crenças dogmáticas estabelecidas como absolutas.
- A crença como mera opinião, à luz do hadith: "Conformo-Me à opinião que Meu fiel tem de Mim".
- A ilusão da teologia negativa (tanzih) que permanece dependente da opinião.
- A purificação racional como mistura da divindade com as categorias da razão.
- O acordo com a teosofia ismaelita sobre a insuficiência do tanzih e do tashbih.
- O escândalo do teólogo dogmático perante a noção do "Deus criado nas crenças" como autorrevelação da idolatria metafísica.
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A transmutação esotérica do dogma em símbolo
- A conversão do dogma confessional em símbolo (mazhar) estabelecendo sua verdade divina.
- A fundamentação da verdade humana da crença em uma criação divina.
- A experiência da oração como diálogo de troca de papéis para a autentificação recíproca.
- O segredo místico do louvor mútuo entre Adorador e Adorado como "Primeiro" e "Último".
- A tomada de consciência da função teofânica do ser e a compreensão dos limites da epifania divina.
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O significado da "Oração Criativa" e a visão da hezeidade
- A oração como aspiração a uma "nova criação" e reflexo do estado espiritual do orante.
- A condicionamento da dádiva divina pela hezeidade ou essência-arquétipo ('ayn thabita) do fiel.
- A visão intuitiva da hezeidade como supremo dom místico.
- A impossibilidade da teofania incondicionada, pois dissolveria o ser a que se mostra.
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A relação recíproca de espelhamento entre Deus e o homem
- A analogia do espelho: "Deus é teu espelho, em que contemplas tua alma, e tu és Seu espelho, em que Ele contempla Seus Nomes Divinos".
- A hezeidade individual e a Forma Divina como focos da elipse da oração.
- A Oração de Deus e a Oração do homem como estrofes de um mesmo "salmo confidencial".
- A relação de reciprocidade entre dois espelhos, ilustrada pela experiência visionária de Ibn ‛Arabi e por Suhrawardi: "Tu és o Espírito que me gerou (...) e és o filho do meu pensamento".