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id da página: 6246 Clemente de Alexandria – STROMATA VIII

STROMATA VIII

Capítulo 1: A Superioridade da Filosofia Verdadeira e o Método da Investigação

  • I. Contraste Entre Filosofias

    • Os filósofos mais antigos não se dedicavam à disputa ociosa, muito menos os adeptos da filosofia verdadeira e divina.
    • Os filósofos helênicos recentes são movidos por um amor vão pela fama, envolvendo-se em refutações e contendas fúteis.
    • A filosofia bárbara (cristã), pelo contrário, expulsa toda a contenda e ordena a investigação ativa através do princípio: "Buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pedi, e dar-se-vos-á".
  • II. O Processo de Aquisição do Conhecimento

    • A investigação é comparada a bater à porta da verdade; a abertura dessa porta, superado o obstáculo, resulta na contemplação científica.
    • Àqueles que interrogam as Escrituras com este espírito, é concedido por Deus o dom do conhecimento, através da verdadeira iluminação da investigação lógica.
    • Estabelece-se uma sequência lógica indispensável para a descoberta:
      • É impossível encontrar sem ter buscado previamente.
      • É impossível buscar sem ter examinado previamente.
      • É impossível examinar sem ter formulado a questão por meio de interrogação para produzir clareza.
    • Apenas após percorrer toda a investigação é que se recebe, como prêmio, o conhecimento do ponto em questão.
  • III. A Postura do Verdadeiro Investigador

    • Cabe àquele que busca encontrar, e deve buscar quem previamente admite não saber.
    • O desejo de descobrir o bem deve mover uma busca ponderada, sem amor pela contenda ou glória, envolvendo perguntar, responder e considerar as afirmações.
    • O investigador, como amante e discípulo da verdade, deve ser pacífico mesmo nas investigações, avançando por demonstração científica, sem amor próprio, mas com amor à verdade.

Capítulo 2: O Método da Definição e o Início da Demonstração

  • I. A Importância da Clareza Terminológica

    • O método mais claro para começar a instrução é discutir o termo proposto de forma distinta, para que todos os falantes da mesma língua o possam seguir.
    • A demonstração não é um som vazio; todos concordam que ela possui uma existência substancial, embora difiram na sua definição.
  • II. O Procedimento para Estabelecer uma Proposição

    • Para tratar corretamente cada questão, deve-se retroceder a um princípio fundamental admitido por todos da mesma nação e língua.
    • Partindo desse ponto, investiga-se se a proposição possui tal significação.
    • Em seguida, investiga-se a sua natureza e se esta ultrapassa a classe atribuída.
  • III. A Confirmação e a Necessidade de um Fundamento Comum

    • Não basta afirmar o que se pensa; é necessário confirmar o que é afirmado.
    • Se a decisão for remetida para outro ponto disputado, e assim sucessivamente, cair-se-á num regresso ao infinito, tornando a demonstração impossível.
    • A crença num ponto não admitido deve ser remetida para um ponto admitido por todos, que será o começo da instrução.
    • Todo termo em discussão deve ser convertido numa expressão admitida para formar o ponto de partida para a descoberta.
  • IV. Exemplo Prático: A Definição do "Sol"

    • Definições obscuras (ex.: "fogo intelectual alimentado pelas águas do mar") são menos claras que o termo e exigem outra demonstração.
    • É preferível usar uma expressão comum, distinta e mais crível (ex.: "o mais brilhante dos corpos celestes"), que é admitida por todos.

Capítulo 3: A Essência, os Tipos e a Estrutura da Demonstração

  • I. Definição e Tipos de Crença

    • A demonstração é definida como um discurso, conforme à razão, que produz crença em pontos disputados a partir de pontos admitidos.
    • A crença, o conhecimento e o preconhecimento são usados de modo duplo: podem ser científicos e certos ou meramente baseados na opinião e esperança.
    • Em sentido estrito, demonstração é aquela que produz uma crença científica na alma dos aprendizes.
  • II. Diferença Entre Demonstração e Silogismo

    • A demonstração é indicativa de uma coisa única e idêntica (ex.: a gravidez é prova de não ser virgem).
    • O silogismo conclui uma coisa a partir de várias premissas (ex.: várias provas para a traição de Pítio).
    • Sacar uma conclusão do que é admitido é silogizar; sacar uma conclusão do que é verdadeiro é demonstrar.
    • A vantagem da demonstração é assumir premissas verdadeiras e sacar a conclusão que delas segue.
  • III. A Necessidade de Princípios Autoevidentes

    • Se todas as coisas exigissem demonstração, cair-se-ia num regresso ao infinito, subvertendo a demonstração.
    • Consequentemente, deve haver coisas autoevidentes, chamadas de primeiras e indemonstráveis, que são os princípios de tudo.
    • Toda demonstração é, em última análise, remontada a uma fé indemonstrável.
  • IV. Outros Pontos de Partida e a Essência da Demonstração

    • Para além da fé, os fenômenos claros à sensação e ao entendimento são pontos de partida.
    • O poder nativo da razão lida com acordo e desacordo.
    • Um argumento que, a partir de pontos já cridos, produz crença no que ainda não é crido, constitui a própria essência da demonstração.
    • A demonstração que começa com coisas evidentes e saca a conclusão adequada demonstra verdadeiramente; a que começa com coisas apenas prováveis produz apenas persuasão.
  • V. Análise vs. Demonstração e a Tarefa do Demonstrador

    • A análise retrocede dos pontos demonstrados aos princípios autoevidentes.
    • A demonstração avança através de todos os passos intermediários até a conclusão.
    • O demonstrador deve atentar para a verdade das premissas e para a legitimidade da conclusão, independentemente da nomenclatura usada.
    • Em todas as questões, há algo previamente conhecido — o autoevidente — que deve ser o ponto de partida e o critério dos resultados.

Capítulo 4: Classificação das Questões e Método de Resolução

  • I. Tipos de Conhecimento Pré-Existente

    • Toda questão é resolvida a partir de um conhecimento preexistente, que pode ser:
      • Da essência, ignorando-se suas funções.
      • Das propriedades, ignorando-se a essência.
      • De ambos, buscando-se saber em qual essência tais propriedades inerem.
      • Das modificações de coisas cuja essência e operação são conhecidas.
  • II. A Importância de Definir os Termos da Questão

    • O método de descoberta começa com o conhecimento das questões, pois a forma da expressão pode enganar e confundir a mente.
    • É crucial interrogar o propositor da questão para esclarecer o significado exato dos termos usados, evitando falácias de ambiguidade.
    • Um exemplo detalhado é analisado: a questão "o feto é um animal?" só pode ser respondida após definir "animal" (ser sensível e movedor por apetite, segundo Aristóteles) e "feto".
    • Se o propositor se recusa a definir seus termos, revela-se disputioso.
  • III. Espécies de Questões

    • A primeira espécie de questão é aquela em que a essência é conhecida, mas alguma de suas propriedades é desconhecida.
    • A segunda espécie é aquela em que as propriedades são conhecidas, mas a essência é desconhecida (ex.: em que parte do corpo reside a faculdade principal da alma).

Capítulo 5: Refutação do Ceticismo Radical

  • I. A Autorefutação da Suspensão de Juízo

    • A doutrina pirrónica que prega a suspensão universal do juízo é autocontraditória.
    • Ao afirmar que "nada é certo", ou concede que algo é certo (a sua própria afirmação), ou, se não afirma nada, deixa intacta a verdade que pretende eliminar.
    • Ao tentar refutar todas as coisas, a dúvida confirma-as, pois, ao refutar-se a si mesma, demonstra a possibilidade de outras posições serem verdadeiras.
  • II. A Impossibilidade Prática do Ceticismo Absoluto

    • Se o cético apreende que é um homem ou que é cético, já não é cético em relação a esses factos.
    • A exigência de suspender o juízo sobre tudo deve aplicar-se primeiro à própria suspensão de juízo, tornando-a impossível de ser creditada.
  • III. A Natureza do Dogma e a Suspensão Parcial

    • Todo aquele que dogmatiza (afirma doutrinas) está, na verdade, acostumado a suspender o juízo em certas coisas, devido à fraqueza da mente, falta de clareza nos objectos ou equilíbrio de razões.

Capítulo 6: Instrumentos Lógicos: Definição, Divisão e Demonstração

  • I. Os Papéis da Indução, Divisão e Definição

    • A indução visa à generalização e parte da sensação (o particular) para chegar ao universal, mostrando que uma coisa é, mas não o que é.
    • A divisão e a definição mostram o que uma coisa é.
    • A demonstração explica os três pontos: se é, o que é e por que é.
  • II. O Processo de Divisão para Chegar à Definição

    • A divisão decompõe o gênero composto nas espécies mais simples, até chegar ao sujeito da investigação, incapaz de further divisão.
    • Selecionando e combinando as espécies mais próximas do que se busca, formula-se a definição (ex.: homem = animal, mortal, terrestre, caminhante, racional).
    • A divisão fornece a classe da matéria para a definição.
  • III. Tipos de Divisão e sua Validade

    • A divisão de um todo em partes (por magnitude) ou em acidentes é inadequada para a definição essencial.
    • A divisão aprovada é a do gênero em espécies, pois caracteriza a identidade no gênero e a diversidade nas diferenças específicas.
    • A espécie existe no gênero e é mais importante que a parte.
  • IV. A Estrutura e Função da Definição

    • A definição é explicativa da essência.
    • Deve assumir a diferença, que é o que é peculiar e predicado convertivelmente da coisa, funcionando como um sinal da propriedade.
    • As definições menores e mais eficazes consistem no gênero e em duas espécies necessárias (ex.: homem = animal que ri).
    • Por meio das espécies principais, a definição quase possui a essência em qualidade.

Capítulo 7: As Causas do Ceticismo

  • I. Origens Principais da Dúvida

    • A instabilidade e mutabilidade da mente humana, cuja natureza é gerar dissentimento, seja entre pessoas, seja numa mesma pessoa.
    • A discrepância e o conflito inerentes às próprias coisas.
  • II. O Impasse que Conduz à Suspensão do Juízo

    • Incapaz de crer em todas as visões (devido ao conflito), ou de descrer de todas (pois a afirmação "tudo é falso" estaria incluída), ou de crer em algumas e descrer de outras (devido ao equilíbrio de forças), a mente é conduzida ao ceticismo.
  • III. Sinais de uma Mente em Dúvida

    • A vida cheia de tribunais, conselhos e seleção entre o bom e o mau são sinais de uma mente vacilante e em dúvida perante assuntos conflituosos.
    • A proliferação de livros e tratados de autores que discordam entre si, mas estão confiantes no seu próprio conhecimento, é um sintoma deste ambiente de disputa.

Capítulo 8: Filosofia da Linguagem e Categorias do Ser

  • I. Os Três Elementos da Linguagem

    1. Nomes: Símbolos primários das concepções e, consequentemente, dos sujeitos.
    2. Concepções: Semelhantes e impressões dos sujeitos, as mesmas em todos devido à mesma impressão produzida pelos sujeitos.
    3. Matérias-sujeito: Aquilo por que as concepções são impressas.
  • II. A Necessidade de Elementos Gerais

    • Os nomes são reduzidos a elementos gerais (ex.: 24 letras), pois não há ciência dos particulares infinitos.
    • A investigação filosófica ocupa-se com concepções e matérias-sujeito, trazidas sob elementos ou categorias gerais.
  • III. As Categorias de Predicação

    • Os pontos considerados após os primeiros princípios são as dez Categorias que apontam: essência, qualidade, quantidade, relação, onde, quando, posição, posse, ação, paixão.
    • Estas são os elementos das coisas materiais, contempladas pela razão.
  • IV. Classificação dos Termos

    • Unívocos: Compartilham nome e definição (ex.: boi e homem são animais).
    • Equívocos: Compartilham o nome, mas não a definição (ex.: homem animal e homem pintura).
    • Parônimos: Derivados de algo diferente (ex.: corajoso de coragem).
    • Polínimos: Nomes diferentes para a mesma definição (ex.: espada, gládio).
    • Heterônimos: Nomes diferentes para o mesmo sujeito (ex.: subida e descida do mesmo caminho).

Capítulo 9: Uma Doutrina Detalhada das Causas

  • I. Classificação Fundamental das Causas

    • Procataréticas: Causas remotas ou ocasionais que fornecem o pretexto para a origem de algo (ex.: a beleza como causa ocasional do amor).
    • Sinecoúsias (Sinéticas): Causas perfeitas e por si mesmas, capazes de produzir o efeito independentemente.
    • Cooperativas: Ajudam a causa sinecoúsica a intensificar o efeito.
    • Causas sine qua non: Condições indispensáveis sem as quais o efeito não pode ser produzido.
  • II. Natureza e Relação das Causas

    • A causa é propriamente aquilo que é capaz de efetuar algo ativamente.
    • A causa é sempre concebida em relação a algo: um efeito e um objeto com aptidão para ser afetado.
    • Nada pode ser causa de si mesmo, pois a causa precede o efeito no ser.
    • As coisas não são causas umas das outras, mas causas umas para as outras numa relação recíproca (ex.: a espada para a carne e vice-versa).
  • III. Complexidade Causal

    • Muitas coisas em conjunção podem ser causas de uma coisa, seja como causas conjuntas ou como virtudes múltiplas que são una em poder.
    • A mesma coisa pode ser causa de efeitos contrários, devido à sua magnitude/poder ou à susceptibilidade daquilo sobre o que age.
    • As causas podem ser aparentes, apreendidas por raciocínio, ocultas (temporária ou naturalmente) ou inferidas analogicamente.
  • IV. Diferenças Cruciais Entre os Tipos de Causa

    • A remoção de uma causa procatarética não remove necessariamente o efeito.
    • A remoção de uma causa sinecoúsica remove o efeito.
    • A causa cooperativa auxilia a sinecoúsica na intensificação.
    • A causa conjunta atua junto com outra causa, não sendo necessariamente sinecoúsica por si só.