Capítulo 1: A Superioridade da Filosofia Verdadeira e o Método da Investigação
-
I. Contraste Entre Filosofias
- Os filósofos mais antigos não se dedicavam à disputa ociosa, muito menos os adeptos da filosofia verdadeira e divina.
- Os filósofos helênicos recentes são movidos por um amor vão pela fama, envolvendo-se em refutações e contendas fúteis.
- A filosofia bárbara (cristã), pelo contrário, expulsa toda a contenda e ordena a investigação ativa através do princípio: "Buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pedi, e dar-se-vos-á".
-
II. O Processo de Aquisição do Conhecimento
- A investigação é comparada a bater à porta da verdade; a abertura dessa porta, superado o obstáculo, resulta na contemplação científica.
- Àqueles que interrogam as Escrituras com este espírito, é concedido por Deus o dom do conhecimento, através da verdadeira iluminação da investigação lógica.
- Estabelece-se uma sequência lógica indispensável para a descoberta:
- É impossível encontrar sem ter buscado previamente.
- É impossível buscar sem ter examinado previamente.
- É impossível examinar sem ter formulado a questão por meio de interrogação para produzir clareza.
- Apenas após percorrer toda a investigação é que se recebe, como prêmio, o conhecimento do ponto em questão.
-
III. A Postura do Verdadeiro Investigador
- Cabe àquele que busca encontrar, e deve buscar quem previamente admite não saber.
- O desejo de descobrir o bem deve mover uma busca ponderada, sem amor pela contenda ou glória, envolvendo perguntar, responder e considerar as afirmações.
- O investigador, como amante e discípulo da verdade, deve ser pacífico mesmo nas investigações, avançando por demonstração científica, sem amor próprio, mas com amor à verdade.
Capítulo 2: O Método da Definição e o Início da Demonstração
-
I. A Importância da Clareza Terminológica
- O método mais claro para começar a instrução é discutir o termo proposto de forma distinta, para que todos os falantes da mesma língua o possam seguir.
- A demonstração não é um som vazio; todos concordam que ela possui uma existência substancial, embora difiram na sua definição.
-
II. O Procedimento para Estabelecer uma Proposição
- Para tratar corretamente cada questão, deve-se retroceder a um princípio fundamental admitido por todos da mesma nação e língua.
- Partindo desse ponto, investiga-se se a proposição possui tal significação.
- Em seguida, investiga-se a sua natureza e se esta ultrapassa a classe atribuída.
-
III. A Confirmação e a Necessidade de um Fundamento Comum
- Não basta afirmar o que se pensa; é necessário confirmar o que é afirmado.
- Se a decisão for remetida para outro ponto disputado, e assim sucessivamente, cair-se-á num regresso ao infinito, tornando a demonstração impossível.
- A crença num ponto não admitido deve ser remetida para um ponto admitido por todos, que será o começo da instrução.
- Todo termo em discussão deve ser convertido numa expressão admitida para formar o ponto de partida para a descoberta.
-
IV. Exemplo Prático: A Definição do "Sol"
- Definições obscuras (ex.: "fogo intelectual alimentado pelas águas do mar") são menos claras que o termo e exigem outra demonstração.
- É preferível usar uma expressão comum, distinta e mais crível (ex.: "o mais brilhante dos corpos celestes"), que é admitida por todos.
Capítulo 3: A Essência, os Tipos e a Estrutura da Demonstração
-
I. Definição e Tipos de Crença
- A demonstração é definida como um discurso, conforme à razão, que produz crença em pontos disputados a partir de pontos admitidos.
- A crença, o conhecimento e o preconhecimento são usados de modo duplo: podem ser científicos e certos ou meramente baseados na opinião e esperança.
- Em sentido estrito, demonstração é aquela que produz uma crença científica na alma dos aprendizes.
-
II. Diferença Entre Demonstração e Silogismo
- A demonstração é indicativa de uma coisa única e idêntica (ex.: a gravidez é prova de não ser virgem).
- O silogismo conclui uma coisa a partir de várias premissas (ex.: várias provas para a traição de Pítio).
- Sacar uma conclusão do que é admitido é silogizar; sacar uma conclusão do que é verdadeiro é demonstrar.
- A vantagem da demonstração é assumir premissas verdadeiras e sacar a conclusão que delas segue.
-
III. A Necessidade de Princípios Autoevidentes
- Se todas as coisas exigissem demonstração, cair-se-ia num regresso ao infinito, subvertendo a demonstração.
- Consequentemente, deve haver coisas autoevidentes, chamadas de primeiras e indemonstráveis, que são os princípios de tudo.
- Toda demonstração é, em última análise, remontada a uma fé indemonstrável.
-
IV. Outros Pontos de Partida e a Essência da Demonstração
- Para além da fé, os fenômenos claros à sensação e ao entendimento são pontos de partida.
- O poder nativo da razão lida com acordo e desacordo.
- Um argumento que, a partir de pontos já cridos, produz crença no que ainda não é crido, constitui a própria essência da demonstração.
- A demonstração que começa com coisas evidentes e saca a conclusão adequada demonstra verdadeiramente; a que começa com coisas apenas prováveis produz apenas persuasão.
-
V. Análise vs. Demonstração e a Tarefa do Demonstrador
- A análise retrocede dos pontos demonstrados aos princípios autoevidentes.
- A demonstração avança através de todos os passos intermediários até a conclusão.
- O demonstrador deve atentar para a verdade das premissas e para a legitimidade da conclusão, independentemente da nomenclatura usada.
- Em todas as questões, há algo previamente conhecido — o autoevidente — que deve ser o ponto de partida e o critério dos resultados.
Capítulo 4: Classificação das Questões e Método de Resolução
-
I. Tipos de Conhecimento Pré-Existente
- Toda questão é resolvida a partir de um conhecimento preexistente, que pode ser:
- Da essência, ignorando-se suas funções.
- Das propriedades, ignorando-se a essência.
- De ambos, buscando-se saber em qual essência tais propriedades inerem.
- Das modificações de coisas cuja essência e operação são conhecidas.
- Toda questão é resolvida a partir de um conhecimento preexistente, que pode ser:
-
II. A Importância de Definir os Termos da Questão
- O método de descoberta começa com o conhecimento das questões, pois a forma da expressão pode enganar e confundir a mente.
- É crucial interrogar o propositor da questão para esclarecer o significado exato dos termos usados, evitando falácias de ambiguidade.
- Um exemplo detalhado é analisado: a questão "o feto é um animal?" só pode ser respondida após definir "animal" (ser sensível e movedor por apetite, segundo Aristóteles) e "feto".
- Se o propositor se recusa a definir seus termos, revela-se disputioso.
-
III. Espécies de Questões
- A primeira espécie de questão é aquela em que a essência é conhecida, mas alguma de suas propriedades é desconhecida.
- A segunda espécie é aquela em que as propriedades são conhecidas, mas a essência é desconhecida (ex.: em que parte do corpo reside a faculdade principal da alma).
Capítulo 5: Refutação do Ceticismo Radical
-
I. A Autorefutação da Suspensão de Juízo
- A doutrina pirrónica que prega a suspensão universal do juízo é autocontraditória.
- Ao afirmar que "nada é certo", ou concede que algo é certo (a sua própria afirmação), ou, se não afirma nada, deixa intacta a verdade que pretende eliminar.
- Ao tentar refutar todas as coisas, a dúvida confirma-as, pois, ao refutar-se a si mesma, demonstra a possibilidade de outras posições serem verdadeiras.
-
II. A Impossibilidade Prática do Ceticismo Absoluto
- Se o cético apreende que é um homem ou que é cético, já não é cético em relação a esses factos.
- A exigência de suspender o juízo sobre tudo deve aplicar-se primeiro à própria suspensão de juízo, tornando-a impossível de ser creditada.
-
III. A Natureza do Dogma e a Suspensão Parcial
- Todo aquele que dogmatiza (afirma doutrinas) está, na verdade, acostumado a suspender o juízo em certas coisas, devido à fraqueza da mente, falta de clareza nos objectos ou equilíbrio de razões.
Capítulo 6: Instrumentos Lógicos: Definição, Divisão e Demonstração
-
I. Os Papéis da Indução, Divisão e Definição
- A indução visa à generalização e parte da sensação (o particular) para chegar ao universal, mostrando que uma coisa é, mas não o que é.
- A divisão e a definição mostram o que uma coisa é.
- A demonstração explica os três pontos: se é, o que é e por que é.
-
II. O Processo de Divisão para Chegar à Definição
- A divisão decompõe o gênero composto nas espécies mais simples, até chegar ao sujeito da investigação, incapaz de further divisão.
- Selecionando e combinando as espécies mais próximas do que se busca, formula-se a definição (ex.: homem = animal, mortal, terrestre, caminhante, racional).
- A divisão fornece a classe da matéria para a definição.
-
III. Tipos de Divisão e sua Validade
- A divisão de um todo em partes (por magnitude) ou em acidentes é inadequada para a definição essencial.
- A divisão aprovada é a do gênero em espécies, pois caracteriza a identidade no gênero e a diversidade nas diferenças específicas.
- A espécie existe no gênero e é mais importante que a parte.
-
IV. A Estrutura e Função da Definição
- A definição é explicativa da essência.
- Deve assumir a diferença, que é o que é peculiar e predicado convertivelmente da coisa, funcionando como um sinal da propriedade.
- As definições menores e mais eficazes consistem no gênero e em duas espécies necessárias (ex.: homem = animal que ri).
- Por meio das espécies principais, a definição quase possui a essência em qualidade.
Capítulo 7: As Causas do Ceticismo
-
I. Origens Principais da Dúvida
- A instabilidade e mutabilidade da mente humana, cuja natureza é gerar dissentimento, seja entre pessoas, seja numa mesma pessoa.
- A discrepância e o conflito inerentes às próprias coisas.
-
II. O Impasse que Conduz à Suspensão do Juízo
- Incapaz de crer em todas as visões (devido ao conflito), ou de descrer de todas (pois a afirmação "tudo é falso" estaria incluída), ou de crer em algumas e descrer de outras (devido ao equilíbrio de forças), a mente é conduzida ao ceticismo.
-
III. Sinais de uma Mente em Dúvida
- A vida cheia de tribunais, conselhos e seleção entre o bom e o mau são sinais de uma mente vacilante e em dúvida perante assuntos conflituosos.
- A proliferação de livros e tratados de autores que discordam entre si, mas estão confiantes no seu próprio conhecimento, é um sintoma deste ambiente de disputa.
Capítulo 8: Filosofia da Linguagem e Categorias do Ser
-
I. Os Três Elementos da Linguagem
- Nomes: Símbolos primários das concepções e, consequentemente, dos sujeitos.
- Concepções: Semelhantes e impressões dos sujeitos, as mesmas em todos devido à mesma impressão produzida pelos sujeitos.
- Matérias-sujeito: Aquilo por que as concepções são impressas.
-
II. A Necessidade de Elementos Gerais
- Os nomes são reduzidos a elementos gerais (ex.: 24 letras), pois não há ciência dos particulares infinitos.
- A investigação filosófica ocupa-se com concepções e matérias-sujeito, trazidas sob elementos ou categorias gerais.
-
III. As Categorias de Predicação
- Os pontos considerados após os primeiros princípios são as dez Categorias que apontam: essência, qualidade, quantidade, relação, onde, quando, posição, posse, ação, paixão.
- Estas são os elementos das coisas materiais, contempladas pela razão.
-
IV. Classificação dos Termos
- Unívocos: Compartilham nome e definição (ex.: boi e homem são animais).
- Equívocos: Compartilham o nome, mas não a definição (ex.: homem animal e homem pintura).
- Parônimos: Derivados de algo diferente (ex.: corajoso de coragem).
- Polínimos: Nomes diferentes para a mesma definição (ex.: espada, gládio).
- Heterônimos: Nomes diferentes para o mesmo sujeito (ex.: subida e descida do mesmo caminho).
Capítulo 9: Uma Doutrina Detalhada das Causas
-
I. Classificação Fundamental das Causas
- Procataréticas: Causas remotas ou ocasionais que fornecem o pretexto para a origem de algo (ex.: a beleza como causa ocasional do amor).
- Sinecoúsias (Sinéticas): Causas perfeitas e por si mesmas, capazes de produzir o efeito independentemente.
- Cooperativas: Ajudam a causa sinecoúsica a intensificar o efeito.
- Causas sine qua non: Condições indispensáveis sem as quais o efeito não pode ser produzido.
-
II. Natureza e Relação das Causas
- A causa é propriamente aquilo que é capaz de efetuar algo ativamente.
- A causa é sempre concebida em relação a algo: um efeito e um objeto com aptidão para ser afetado.
- Nada pode ser causa de si mesmo, pois a causa precede o efeito no ser.
- As coisas não são causas umas das outras, mas causas umas para as outras numa relação recíproca (ex.: a espada para a carne e vice-versa).
-
III. Complexidade Causal
- Muitas coisas em conjunção podem ser causas de uma coisa, seja como causas conjuntas ou como virtudes múltiplas que são una em poder.
- A mesma coisa pode ser causa de efeitos contrários, devido à sua magnitude/poder ou à susceptibilidade daquilo sobre o que age.
- As causas podem ser aparentes, apreendidas por raciocínio, ocultas (temporária ou naturalmente) ou inferidas analogicamente.
-
IV. Diferenças Cruciais Entre os Tipos de Causa
- A remoção de uma causa procatarética não remove necessariamente o efeito.
- A remoção de uma causa sinecoúsica remove o efeito.
- A causa cooperativa auxilia a sinecoúsica na intensificação.
- A causa conjunta atua junto com outra causa, não sendo necessariamente sinecoúsica por si só.