EVANGELHO DE JESUS: QUE DIZEM DE MIM?
Roberto Pla
A pergunta sobre o Cristo é a mesma, desde um ponto de vista oculto, que a pergunta sobre o Ser, pois consiste em interrogar sobre a essência que se é — o que se é em si — como chama de um mesmo lugar comum. Na ocasião que este logion relata, os discípulos Simão Pedro e Mateus revelam na estreiteza de suas respostas não ter chegado ainda ao ponto de se perguntar sobre o Ser puro e desnudo. Ao explicá-lo como um anjo do justo, ou como um filósofo sábio, é evidente que ainda não tinham ido em sua consciência além de se imaginar o Ser-que-eles-são como uma unidade condicionada pela ideia de separação e os agregados qualificativos, por elevados que estes apareçam.
No entanto, Tomé não deixa dúvida por sua resposta de que conseguiu despojar sua concepção do Ser de toda vestimenta limitativa, até o ponto de poder reconhecer-se a si mesmo como o grão puro e limpo de palha. Para chegar a este tremendo descobrimento, decisivo quanto a realização espiritual, que consiste na percepção do Ser isento de qualquer agregação, foi necessário que Tomé fizesse sua por apreensão direta, a Glória de sabedoria, da qual participa Jesus com o Pai, para que, segundo explica o evangelho, todos sejam um como nós (o Pai e eu) somos um. Este sim é sem dúvida o mistério da unidade do Ser. Tomé revela em seu poderoso silêncio ter descoberto este mistério, assim como revela tê-lo compreendido e feito seu o Apóstolo Paulo quando diz: "porque por ele (por Cristo), uns e outros temos livre acesso ao Pai em um mesmo Espírito" (Ef 2,18).
Como adverte em seguida Jesus, já bebe Tomé, até o ponto de embriaguez espiritual, na mesma fonte da unidade que Jesus ensina. Se desta fonte diz Jesus que é "fervente", é porque a água que dela emana não é outra que o fogo do conhecimento que incendia e devasta todo vestígio separativo até deixar em pura desnudez a medida perfeita do Ser. Por isso Jesus, que não ignora que Tomé e ele são em essência "perfeitamente uno" (Jo 17,23), não aceita neste caso ser designado como "mestre" posto que ele é o "si mesmo" de Tomé na unidade. Com isso tenta Jesus desprender o último véu separativo que obscurece a consciência de Tomé, até o ponto de que fecha a seus lábios maravilhados aceitar a grandeza da imensa verdade que o possui. As três palavras que Jesus diz, ao final, no apartado secreto de sua câmara não resulta demasiado difícil coligi-las, pois devem tender a afiançar sua consciência crística: "Tu és Cristo (pois que Cristo "é todos" em essência). Com estas palavras acaba de cumprir-se em Tomé o conteúdo verdadeiro da pregaria de Jesus: "Pai santo, cuida em teu nome aos que me hás dado, para que sejam uno conosco" (Jo 17,11).
Jesus, o Incomparável, pede a seus discípulos que o comparem e que digam a quem ele se assemelha. A pergunta seria uma armadilha, na qual aquele que compara revela suas projeções e, por conseguinte, julga a si mesmo, se não tivesse o objetivo de abrir e dar acesso a uma outra visão.
As comparações de Pedro e de Mateus são reveladoras de seu respectivo mental. Se se diz que Jesus se assemelha a alguém que é identificado com o seu mental, se vê em Jesus apenas um ser psíquico; não se percebe sua dimensão essencial, que é pneumática. Em outras palavras, a resposta à pergunta revela a si mesmo: se é caracterizado e julgado por sua própria fala. Melhor ainda, a palavra de Jesus situa e julga (cf. Jo 12, 47-48).
Tomé, ele, não julga, portanto, não é julgado. O que ele diz revela que ele está em uníssono com o Mestre. Simplesmente a palavra do Mestre, em vez de julgá-lo, o confirma em sua identidade real, permitindo-lhe reconhecer-se. É, aliás, esse reconhecimento que é o objeto de sua confidência: “Eu sou Ele, tu és Ele.” Mas isso Tomé não pode dizer aos outros discípulos que o acusariam de blasfemar, o que os colocaria na situação de ter que apedrejá-lo, pois para eles a Lei não sofre exceção. Jesus será condenado por blasfêmia. Seu gesto homicida, como suas comparações, os julgaria a si mesmos e os condenaria.
Didimo Judas Tomé, que transcreveu as palavras de Jesus, é o mesmo que Tomé, o iniciado de nosso logion. O que os psíquicos não compreendem, não é um mistério para Tomé, por isso eles sentem ciúmes e ódio e o farão desempenhar o papel de traidor nos Evangelhos canônicos. Mas a censura não conseguiu uma maquiagem completa; assim: é Tomé, chamado Didimo, que, ao saber que Jesus estava em perigo de morte, diz aos discípulos:
— “Vamos nós também para morrer com ele” (Jo 11, 16)
— é ele que cuida da “caixa” do grupo (Jo 12,6; 13,29),
— é a ele que Jesus dá o primeiro bocado (Jo 13,26),
— é a ele que Jesus diz: “O que tens a fazer, faze-o depressa” (Jo 13,27).
(Não se tratava de trair (entregar) Jesus, mas de fazê-lo conhecido.)
Além disso, sob a denominação do “discípulo que Jesus amava”, João devolve a Tomé discretamente, pudicamente, o primeiro lugar:
— é Tomé que está deitado no peito de Jesus (Jo 13,26)
— é a ele que Jesus confia sua mãe (Jo 19, 26-27),
— é ele que testemunha a luz de Jesus (Jo 19-35),
— é ainda dele que se trata quando se fala do “discípulo que não morreria” (Jo 21,23),
— enfim, é por um testemunho sobre Tomé-Didimo que João termina seu evangelho: “É este discípulo que testemunha estes fatos e que os escreveu.” Por uma coincidência à qual o gnóstico é sensível, o fim de João se junta ao início de Tomé:
“Estas são as palavras secretas que Jesus o Vivente disse e que Didimo Judas Tomé transcreveu.” (Didimo = gêmeo = alter ego de Jesus).
Jean-Yves Leloup
« Para vós que sou eu? » A questão é posta nos sinóticos como no Evangelho de Tomé. Aqui Pedro não confessa o Messias, mas vê em Jesus um anjo — um « enviado ». Cada um percebe Jesus segundo seu nível de consciência. Para uns, « tu és Elias », para os outros, um filósofo sábio, quer dizer alguém que não se contenta de anunciar a palavra como os enviados ou os profetas, mas que a vive, a encarna (o Corão dirá mais tarde que Jesus é o « selo da santidade »). Mas é Tomé que parece mais próximo do mistério de seu Ser. Pelo conhecimento de Si Mesmo, ele desceu nas profundidades do « homo absconditus » à imagem do « Deus absconditus ». Fez a experiência do Inefável, do Inconhecível nele, também pode-se reconhecê-lo no Outro.
De qualquer forma, durante todo esse tempo, ninguém disse nada. Eu falei até a exaustão para que o silêncio viesse. Buda disse: Eu preguei por quarenta anos e nunca disse uma única palavra a ninguém. Esse foi todo o seu ensinamento. Isso é uma indicação absoluta da irrelevância das palavras, a alegria de uma fala que não leva a lugar nenhum.
Com relação a Buda, o sucesso do não-ensinamento é total: ele ensinou tão pouco que, assim que morreu, seus discípulos fizeram de seu nascimento uma lenda: sua mãe deu à luz de pé, segurando-se no galho de uma árvore e, no momento em que ele nasceu, ele se levantou.
Sim, os discípulos são os fundadores das religiões, então o mundo assume criando um mártir ou um místico para que não haja perigo, caso contrário o Ensinamento não pode permanecer neste mundo. Então, sua altura é imediatamente elevada para onde não há perigo.
O próprio Jesus foi dito ser gerado por Concepção Imaculada. É totalmente louco!
Isso não tem nada a ver com o corpo, mas indica que a natureza de Jesus não é nascida e consequentemente não pode ser concebida por um corpo. Nisargadatta disse a mesma coisa: O que eu sou nunca saiu de uma vagina. Para o que eu sou, não há nem mãe nem filho. Isso simplesmente significa que nenhuma pessoa jamais nasceu e, na realidade, não existe tal coisa como mãe ou filho.
Assim, a Concepção Imaculada indica que o que é Jesus não é nascido. Não houve concepção, de forma alguma. Os Budistas retratam isso de maneira semelhante: em um pergaminho, pode-se primeiro ver dois corpos nus fazendo sexo, e depois um bebê nascendo de um deles. E ao inclinar o pergaminho, pode-se ver dois esqueletos concebendo um terceiro: os mortos dão à luz os mortos. A vida é sem nascimento. Jesus nunca nasceu de uma pessoa, como aqui, ninguém nasce de um corpo.
Por que milhões de homens se contentam com histórias tão improváveis?
Porque o pequeno fantasma sempre precisa ter alguma importância. Ele precisa de uma família, uma origem, um objetivo, porque sem histórias ele não existiria. Ele não teria peso. Assim, há a mãe, a história da família, a história da humanidade, e tudo isso vem da primeira crise existencial.
Gosto desta frase do “Corpus Hermeticum”: “Somente o mesmo conhece o mesmo”. Eu penso que não há como torná-la mais curta.
Somente o Ser conhece o Ser sendo o Ser e não comparando. Assim, Jesus é o Redentor que liberta da ideia de redenção, porque nunca se será capaz de se desapegar do que se é, impossível! Não há redenção para o que se é. Redenção significaria que algo deveria se desapegar de algo mais. Mas não há um primeiro ou segundo do qual Aquilo poderia se desapegar, porque se é o que é. Aquilo nunca será capaz de se desapegar de Si Mesmo.
Para mim, o logion 13 é um dos logia onde Jesus se manifestou ao máximo não dizendo nada. Acha-se fantástico que ele não diga uma palavra!
Para permanecer no não-dito, a única resposta é o silêncio.
Na verdade, explicar às pessoas que elas são indefiníveis é um grande choque!
É o choque mais mortal! Ele mata instantaneamente.
É por isso que Tomé não pode dizer nada aos apóstolos, caso contrário eles o apedrejariam.
Eles o matariam! A iniciação do Coração é este Silêncio que não se pode nomear ou descrever, não é o espaço, o Espírito. O Silêncio é um choque mortal que parte o coração. Ele parte um coração imaginário para que apenas o Coração permaneça, o Coração que não conhece o Coração. Então o espaço ainda é um falso coração. Primeiro começa com o corpo, depois vem o espaço ou o Espírito, depois a consciência. Mas a primeira e última experiência, que é a luz, já é falsa. O que é silêncio é anterior à luz. E Aquilo quebra todas as ideias!
Isso está nos levando ao abismo.
Não há abismo. Para o “eu”, a pior coisa é ver que ninguém precisa pular. E ninguém pede que se faça isso: se é tão irrelevante que não há necessidade. O maior salto é ver que não há ninguém que precise pular!
Não se pode sequer cometer suicídio!
Não se pode matar o que É e quem precisa que o fantasma seja morto? Apenas um fantasma precisa de analogias, iniciação, etc. A verdadeira iniciação do Coração é que o Coração nunca precisa ser iniciado, nem precisa ser mais aberto. Isso não tem nada a ver com amor. Isso é amor! E mesmo dizer isso ainda é demais.
Apenas um Deus relativo tem um coração. O Coração nunca possui nada. A propriedade começa com o proprietário possuindo o que pode ser possuído. E tudo isso é um relacionamento, um caso de amor: um amante ama, e através deste amor ele cria a pessoa amada.
Mas em algum momento ele começa a odiar que ele ama: então ele se torna um buscador. Ele quer voltar para casa, mas não há caminho para casa. Nenhuma direção para casa! O que quer que ele faça confirma que ele precisa de algo, mas não há solução. Isso indica que não há saída, nunca! Esta é a nudez Absoluta, e este é Jesus.