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id da página: 8005 Henry Corbin TEMPLO E CONTEMPLAÇÃO Henry Corbin

Corbin Ciência da Balança

A Ciência da Balança e as correspondências entre os mundos em gnose islâmica

  • A Ciência da Balança
  • A Balança dos Sete e dos Doze
  • A Balança dos Dezenove
  • A Balança dos Vinte e oito
  • Os cavaleiros do Invisível e a ciência das correspondências
  • Apêndice: Explicação dos diagramas

O fundamento metafísico e místico da ciência das correspondências se chama em gnose islâmica a "ciência da Balança" ('ilm al-Mîzân). Trata-se de uma ciência que por excelência foi praticada pelos alquimistas e à qual está particularmente ligado o nome de Jâbir ibn Hayyân. Ao dizê-lo, importa dissipar tanto quanto possível toda ambiguidade concernente ao conceito mesmo de alquimia, se se quer compreender como a operação alquímica e as operações hermenêuticas de que vamos tratar, relevam juntas da "ciência da Balança".

Certamente, sabe-se por Jâbir que "a noção da Balança comporta numerosos aspectos e varia segundo os objetos aos quais se aplica. Há balanças para medir a Inteligência, a Alma do mundo, a Natureza, a Forma, as Esferas celestes, os astros, as quatro qualidades naturais, o animal, o vegetal, o mineral, enfim a Balança das letras que é a mais perfeita de todas". Desta última ter-se-á de examinar aqui vários exemplos. Mas há antes de mais isto: se "a Balança é o princípio que mede a intensidade do desejo da Alma durante sua descida na Matéria", ou, em outros termos, se a Balança "é o princípio que mede as quantidades das Naturezas que a Alma se apropriou para formar os corpos", parece exagerado, escabroso, tomar essa palavra "medir" no sentido que entende a ciência de nossos dias, para interpretar a ciência da Balança como tendo "por objetivo reduzir todos os dados do conhecimento humano a um sistema de quantidade e medida, conferindo-lhes assim um caráter de ciência exata". É querer a todo custo encontrar para esta últimos precursores. Há outros meios de valorizar e justificar esses supostos precursores.

Os números de que se serve ou que formula a ciência da Balança não tendem à constituição de uma ciência exata no sentido em que se entende hoje esse termo. Têm um valor e uma significação que são elas mesmas qualitativas, muito diferentes do papel dos algarismos em nossas estatísticas. Reduzi-las a um conceito idêntico, é em resumo confundir o trabalho do químico e a obra do alquimista. Na época, um e outro podiam trabalhar em todo ou em parte sobre os mesmos materiais, mas o nível hermenêutico de sua operação respectiva era muito diferente. "Medir o desejo da Alma do mundo" é essencialmente desprender energias psico-espirituais transmutadoras; é transferir o ouro, como diz Jaldakî (século XIV), de sua mina natural à mina dos filósofos, por outras palavras extrahere cogitationem, liberar o pensamento, a energia espiritual, imanente ao metal. E isso é algo muito diferente da análise "química" praticada em nossos dias; a ciência da Balança não faz da alquimia um capítulo da pré-história de nossa química moderna; não tende a formular "leis matemáticas", não mais que nos exemplos que vamos estudar tende a resultados precursores de nossas filosofias da história.

Mas é isso justamente que lhe faz o interesse, na medida em que a ciência das correspondências, esquecida em nossos dias, oferece um recurso contra as ideologias ditas modernas, inteiramente privadas da dimensão que representa essa ciência. É por isso que, se houve, certamente, balanças reais em uso na antiguidade (aquelas, por exemplo, de que fala Zózimo, ou bem a balança hidrostática de Arquimedes), não é dessas balanças que se fala, quando se trata do fundamento da ciência das correspondências. Trata-se de uma Balança cuja noção expressa essencialmente a harmonia e o equilíbrio das coisas; uma noção da Balança elevada à altura de um princípio metafísico, como o concebeu muito bem Jâbir ibn Hayyân, a tal ponto mesmo que o princípio da Balança é superior a todas as categorias de nosso conhecimento, no sentido de que é ela que causa todas as determinações, sem jamais ser ela mesma o objeto de nenhuma.

Ao mesmo tempo compreende-se sua importância no vocabulário religioso e em toda a teosofia especulativa. A ideia do equilíbrio das coisas e a ideia da equidade divina ('adl) andam de par uma com a outra, para se afirmar no símbolo da Balança como símbolo escatológico (cf. Alcorão 21/48 e passim). Em gnose islâmica, a Balança marca o equilíbrio entre a Luz e as Trevas. Na gnose ismaelita, em Hamîdoddîn Kermânî (ob. por volta de 408/1017) por exemplo, a Balança das coisas religiosas (mîzân al-dîyâna) permite precisar a correspondência entre a hierarquia esotérica terrestre e a hierarquia angélica celeste, e de uma maneira geral as correspondências entre o mundo espiritual e o mundo corpóreo. É que a parte visível de um ser pressupõe que seja equilibrada por sua contraparte invisível, celeste. O aparente, o exotérico (zâhir), é equilibrado pelo oculto, o esotérico (bâtin). A recusa agnóstica moderna ignora essa lei do ser integral e não faz portanto senão mutilar a integralidade de cada ser. A quem quer que estime que a contraparte invisível, celeste, dos seres é objeto de uma hipótese ou de um ato de fé, a ciência da Balança responde pelo princípio que funda e garante sua necessidade ontológica. Desse ponto de vista, o conhecimento analógico como forma típica da ciência das correspondências, é sempre uma anáfora (o ato de levar para o alto), uma anagogê (o ato de fazer subir, elevar); a via analógica segue essencialmente o sentido anagógico (que conduz para o alto), por outras palavras o sentido da hierarquia dos seres determinada pela função espiritual ou esotérica impartida a cada grau.

É, a grandes traços, o que se vai tentar desprender de uma obra de teosofia shiita duodecimana em curso de edição em Teerã. Tem por autor um grande pensador e espiritual shiita iraniano do século XIV, Haydar Âmolî (nascido em 720/1320, m. depois de 787/1385). Haydar Âmolî era espiritualmente um discípulo do grande teosofo visionário andaluz, Ibn 'Arabî (ob. 638/1240), na obra colossal do qual soube reencontrar o bem que pertencia ao shiismo imamita, mantendo ao mesmo tempo uma grande liberdade de espírito crítico com respeito à imamologia do mesmo Ibn 'Arabî. Ao fazê-lo, Haydar Âmolî marcou por sua obra um grande momento nas relações do shiismo e do sufismo. Essa obra considerável, escrita em parte em persa e em parte em árabe, tinha permanecido longo tempo inédita (como tantas outras); só se pôde reconstituí-la e começar a publicá-la desde alguns anos. A obra de que se vão analisar alguns capítulos está entre aquelas que o autor escreveu em árabe. Tem por título "O Texto dos Textes". É um imenso comentário sobre os Fosûs al-hikam (as Gemas das sabedorias dos profetas), livro no qual Ibn 'Arabî tinha condensado as doutrinas que cobrem as dezenas de milhares de páginas do conjunto de sua obra.

Os prolegômenos desse "Texto dos Textos" caracterizam-se, entre outros, por um grande número de diagramas engenhosamente construídos pelo autor (há exatamente vinte e oito), e cuja intenção é tornar perceptível ao nível do imaginál, intermediário entre a percepção sensível e a intuição intelectiva, a estrutura dos mundos espirituais. Esses diagramas têm assim a virtude de uma verificação experimental sui generis da exploração metafísica. Preenchem na obra de Haydar Âmolî uma função análoga à do "Livro das Figuras" em Joaquim de Fiore. Vários deles são uma ilustração do propósito da "ciência da Balança". Sua forma circular convida, nomeadamente quando se trata da hierohistória, a apreender as coisas por uma Imagem muito outra que a de uma progressão retilínea e indefinida do tempo, solidária da ideia evolucionista e da explicação pela causalidade histórica.

Essa Imagem é a de ciclos, de círculos ou de "cúpulas", como dizem alguns textos nusayris, que não somente têm a virtude de apresentar a sucessão temporal enfim estabilizada na ordem de uma simultaneidade espacial, mas que além disso são os únicos a tornar possível e a poder ilustrar uma aplicação da ciência da Balança à hierohistória. E isso, porque as figuras e os personagens, repartidos respectivamente nos círculos, não são as causas históricas de sua sucessão uns aos outros, mas são os homólogos uns dos outros, assumindo em seu lugar e em seu respectivo posto uma função permanente. Só esse modo de percepção permite de fato algo como uma ciência das correspondências.

A grandes traços ainda, pode-se dizer que o propósito de Haydar Âmolî "põe em balança" três grandes livros. Há o que em virtude de um versículo alcorânico (41/53) se denomina o "Livro dos horizontes" ou do macrocosmo (Kitâb âfâqî); há o "Livro das Almas" ou do microcosmo ou mundo do homem (Kitâb anfosî). Esses dois livros correspondem ao que Paracelso em sua Astronomia magna ou Philosophia sagax denomina o "Céu exterior" e o "Céu interior". Poder-se-ia também referir a Swedenborg. Há enfim o terceiro livro, que é o livro revelado, o Alcorão. A ciência da Balança, aplicada às figuras homólogas que se correspondem nos três livros, desprenderá não "leis matemáticas", no sentido que essa palavra tem em nossos dias, mas relações aritmológicas, as únicas a poder "medir" o lugar e a função dessas figuras homólogas.

Sucessivamente examinar-se-á a "Balança dos Sete e dos Doze" (correspondências entre a astronomia do Céu visível e a astronomia do Céu espiritual, entre a hierarquia esotérica e suas correspondências cósmicas); a "Balança dos Dezenove", "medindo" a epopeia da Misericórdia divina descendo e remontando de mundo em mundo; a "Balança dos Vinte e Oito", que é um aspecto da balança da hierohistória. Os misteriosos personagens designados como os "cavaleiros do Invisível" dirão talvez ainda melhor, para terminar, o que é o mundo das correspondências.