Método e regra pormenorizada, inspirada nos santos, para uso dos que escolheram a vida hesicasta...
8. O princípio de toda atividade agradável a Deus é a invocação, cheia de fé, do Nome salvador de Nosso Senhor Jesus Cristo. É ele quem nos diz: "Sem mim, nada podeis fazer" ( Jo 15,5 ). Depois, a paz, pois se deve "orar, diz ele, sem ira e sem animosidade" ( lTm 2,8 ); e a caridade (agape), porque "Deus é amor" e aquele "que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele" ( 1Jo 4,16 ). A paz e a caridade (agape) não somente tornam a oração (euche) agradável a Deus, mas, por sua vez, nascem da oração (euche), come raios divinos iguais e, através dela, crescem e se consomem...
13. Nossos gloriosos mestres e doutores, com muita sabedoria, movidos pelo Espírito Santo que habita neles, ensinam a todos nós — principalmente aos que querem aceitar o desafio da deificante hesíquia — que tenhamos por ocupação e exercício contínuos o santíssimo e dulcíssimo Nome; que o levemos, sem cessar, em nosso espírito (nous), em nosso coração (kardia) e em nossos lábios...
18. Parece-nos bom e particularmente útil expor primeiro um método natural do bem-aventurado Nicéforo; esse método é relativo à entrada no coração (kardia) por meio da inspiração, contribuindo, de certo modo, para o recolhimento do espírito (nous). Esse santo homem diz, entre outras afirmações apoiadas no testemunho escrito dos Padres, o seguinte: ... ( segue-se o texto citado em outro lugar ).
19. A intenção primeira do bem-aventurado pai é esta: graças a esse método natural, trazer o espírito (nous) de volta de sua distração costumeira, de seu cativeiro, de sua dissipação, à atenção (epimeleia). E, por meio da atenção (epimeleia), uni-lo a si mesmo; uni-lo, assim, à oração (euche), para fazê-lo descer ao coração (kardia) junto com ela e fazer com que ali fixe a sua morada definitiva. Outro sábio, comentando, por assim dizer, essas palavras, explica as coisas do mesmo modo, baseado na própria experiência.
20. É importante acrescentar isto para o espírito (nous) que gosta de se instruir. Se treinarmos nosso espírito (nous) a descer em nós, ao mesmo tempo que a respiração, saberemos então, claramente, que o espírito (nous) que desceu desse modo, não sai antes de renunciar a todo pensamento (logismos); antes de se tornar uno e nu, e de ter uma lembrança única: a invocação de Jesus Cristo. Retirando-se para sair, fraciona-se, contra a vontade, na memória múltipla.
23. Fundados na própria experiência desse bem-aventurado exercício, os santos Padres e os doutores recomendam e ensinam àquele que se aplica na sobriedade (nepsis) espiritual do coração (kardia), o principiante, o seguinte: sobretudo que permaneça o tempo todo, e particularmente nas horas marcadas para a oração (euche), num canto sossegado e escuro. A vista distrai e dispersa naturalmente o espírito (nous), entre os objetos vistos e olhados; atormenta-o e diversifica-o. Aprisionado numa cela tranqüila e escura, ele já não será dividido e diversificado, por assim dizer, pela vista e pelo olhar. Assim, querendo ou não, o espírito (nous) vai parcialmente acalmar-se e recolher-se em si mesmo.
24. Mas antes disso, ou mais precisamente, antes de qualquer outra coisa, é por meio do socorro da graça (kharis) divina que o espírito (nous) se sai bem nesse combate. É a graça (kharis) divina que coroa a invocação monológica dirigida a Jesus Cristo pelo coração (kardia), com fé viva, com toda a pureza, sem distração. Não é o efeito puro e simples do método natural da respiração, praticado em lugar tranqüilo e escuro. Não! Os santos Padres, ao inventarem esse método, tiveram em vista apenas um auxiliar, se posso dizer assim, para recolher o espírito (nous), para trazê-lo de volta, a si mesmo, de sua habitual distração e para que consiga a atenção (epimeleia). Graças a essas disposições, nasce no espírito (nous) a oração (euche) constante, pura e sem distração. Como diz santo Nilo ( Evágrio ): "A atenção (epimeleia) que procura a oração (euche) encontrará a oração (euche). Se alguma coisa vai atrás da atenção (epimeleia), é justamente a oração (euche). Apliquemo-nos, pois, à atenção (epimeleia)". É o bastante. Quanto a ti, meu filho, se desejas passar dias felizes e viver "incorporeamente em teu corpo (soma)", vive conforme a regra que te expus.
25. Ao pôr-do-sol, depois de chamar em teu auxílio o Senhor Jesus Cristo, soberanamente bom e poderoso, senta-te em teu escabelo, numa cela tranqüila e escura, congrega teu espírito (nous) de sua habitual distração e divagação; empurra-o então lentamente para o coração (kardia), ao mesmo tempo que a respiração, e aplica-te à oração (euche): "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim!" Explico-me: paralelamente à respiração, introduz, por assim dizer, as palavras da oração (euche), segundo o conselho de Hesíquio: "Une à tua respiração a sobriedade (nepsis) e o nome de Jesus, e também a meditação (melete) da morte. Pois ambos são preciosos: oração (euche) e pensamento (logismos) do Juízo..."
Se as lágrimas não vêm, permanece sentado, atento a esses pensamentos (logismos), bem como à oração (euche), durante uma hora mais ou menos. Depois, levanta-te, salmodia atentamente o pequeno apodeipnon ( completas ); senta-te mais uma vez, aplica-te à oração (euche) com todas as tuas forças, com pureza e sem distração, isto é, sem preocupação nem pensamento (logismos), nem imaginação (phantasia), inteiramente vigilante durante meia hora. Para obedecer àquele que disse: "Durante a oração (euche), põe-te fora de todas as coisas, exceto a respiração e a alimentação, se queres ser um apenas com teu espírito (nous)". Faz então o sinal da cruz, bem como em teu leito, senta-te sobre ele, pensa nos fins últimos... pede perdão com fervor... deita-te, sem parar de orar, dócil ao conselho daquele que diz: "que a lembrança de Jesus participe do teu sono" ( Clímaco )...
26. Ao acordares, dá graças a Deus, chama-o ainda uma vez em teu auxílio e recomeça a obra essencial, a oração (euche) pura e sem distração: a oração (euche) do coração (kardia). Durante uma hora. É um momento em que o espírito (nous) está, geralmente, tranqüilo (hesychia) e sossegado. Foi-nos prescrito que imolássemos a Deus nossas primícias, isto é, que elevássemos, por assim dizer, diretamente, o nosso primeiro pensamento (logismos) para Jesus Cristo, por meio da oração (euche) do coração (kardia). Depois, diz o niésonyktichon ( matinas ) com toda a aplicação e atenção (epimeleia) possíveis. Em seguida, senta-te de novo e ora no coração (kardia), com toda a pureza e sem distração, como te mostrei, durante uma hora. E mais, se o Dispensador de todo bem te permitir.
38. Fica sabendo, meu irmão, que todos os métodos, regras e exercícios não têm outra origem e razão, além da incapacidade de orar em nosso coração (kardia), com pureza e sem distração. Quando, através da benevolência e da graça (kharis) de N.S. Jesus Cristo, conseguimos isso, abandonamos a pluralidade, a diversidade e a divisão e nos unimos imediatamente, acima de quaisquer palavras, ao Uno, ao Simples, Àquele que unifica. É o "Deus unido aos deuses e conhecido por eles" do Teólogo, mas é um privilégio raríssimo...
45. Há cinco obras que honram a Deus, pelas quais devem passar, dia e noite, quem é noviço em hesychia: a oração (euche), isto é, a lembrança do Senhor Jesus Cristo introduzida ininterruptamente no coração (kardia), pelo nariz, lentamente; expirada em seguida, com os lábios cerrados, sem nenhum outro pensamento (logismos) nem imaginação (phantasia). Isso se obtém por uma temperança geral na alimentação, no sono, nas sensações, exercitada na cela, com humildade (tapeinophrosyne) muito sincera. Depois, a salmodia, a leitura do saltério, do Apóstolo, dos Evangelhos, das obras dos santos Padres, principalmente as que se referem à oração (euche) e à sobriedade (nepsis); a lembrança dolorosa dos pecados (hamartia) no coração (kardia), a meditação (melete) do Juízo, da morte, do castigo e da recompensa, etc; um pequeno trabalho manual, para refrear a acedia. E depois, voltar à oração (euche), mesmo que para isso seja necessário esforço, até que o espírito (nous) esteja treinado em renunciar facilmente às suas divagações naturais, pela conversação única de Jesus Cristo, por sua lembrança constante, por uma inclinação contínua que o leva para o quarto interior, para a região secreta do coração (kardia), por meio de um enraizamento perseverante...
48. As palavras "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus" dirigem o espírito (nous), de modo imaterial, para aquele cujo nome enunciam. Pelas palavras "tende piedade de mim", o espírito (nous) volta-se sobre si próprio, como se não pudesse suportar a idéia de não orar para si mesmo. Quando tiver progredido no amor, através da experiência, ele se vai dirigir unicamente para o Senhor Jesus Cristo, pois terá a certeza evidente do que vem depois ( do perdão de seus pecados (hamartia) ).
49. Isso explica por que os santos Padres não dão sempre a oração (euche) inteira, mas este integralmente, aquele uma parte, um terceiro outra... conforme as forças, sem dúvida, e o estado de quem ora.
50. ( A oração (euche) do coração (kardia) remonta aos apóstolos, quanto aos elementos essenciais e à sua justificação )... Depois, os Padres acrescentaram e ajustaram as palavras salutares: "tende piedade", sobretudo por causa dos que ainda estavam na infância da virtude (arete), isto é, os principiantes e os imperfeitos... Os adiantados e os perfeitos (teleios) podem contentar-se com a primeira fórmula... e às vezes até unicamente com a invocação do nome de Jesus, que constitui toda a sua oração (euche)...
52. Essa oração (euche) perpétua do coração (kardia) e o que a acompanha não se obtêm sem mais nem menos, com toda a facilidade, ao final de um curto e modesto esforço. Às vezes isso pode ter acontecido por disposição inefável de Deus, mas em regra geral é necessário muito tempo, sofrimento, esforço corporal e espiritual, além de violência contínua.
54. A oração (euche) do coração (kardia), pura e sem distração, é a que produz calor no coração (kardia)...
56. Esse calor elimina os obstáculos que impedem a primeira oração (euche) pura de consumar sua perfeição...