Jakob Boehme figura entre esses. Sem dúvida, esse mestre de Saint-Martin, de Franz von Baader e de tantos outros é o maior de todos. Seus escritos são os de um visionário cuja inspiração faz brotar do Mito — que ele invoca sem trégua, o do judaico-cristianismo — tempestades e chuvas torrenciais, lava vulcânica e ramalhetes de sentidos em cores suaves, variadas, ordenadas como as de um arco-íris. Aceitar, a título de hipótese, reconhecer a tal discurso uma dimensão profética comparável à de Ezequiel, arriscar-se a consentir que a imaginação criadora de Jakob Boehme possa permanecer irredutível aos caprichos de uma subjetividade fechada em si mesma, não constituiria necessariamente um ato de fé, mas antes se inscreveria em um tipo de aposta metodológica cujo alcance, sem dúvida, justifica a aventura. É essa a aposta que Basarab Nicolescu propõe aqui empreender, convite que me parece poder ser aceito por ao menos três razões.
Em primeiro lugar, se já não resta grande dúvida de que a imaginação — no sentido, desta vez, mais amplo do termo — exerce função orientadora nas escolhas da pesquisa e influi sobre a natureza das próprias descobertas, talvez ainda não se tenha interrogado suficientemente sobre a fecundidade potencial das estruturas dotadas de vocação universal, encontradas em certos visionários. Cada uma delas, ou quase todas, dita “absoluta” por seu autor, parece relegar as precedentes à condição de curiosidades superadas. Mas cada uma delas também mereceria, sem dúvida, ser de tempos em tempos reativada pelo pesquisador, quando este consente em pôr-se à procura de esquemas unificadores, pois, enquanto organon, ela pode auxiliá-lo a lançar suas redes sobre o campo de sua representação do real. Entre os pensadores ocidentais que elaboraram tais estruturas figuram Raymond Lulle, Hoëné Wronski, Raymond Abellio e Jakob Boehme. Este último, porém, foi provavelmente o único a forjar sua chave na incandescência visionária do Mito, com os instrumentos de uma simbólica cuja arquitetura barroca, longe de prejudicar a coerência interna de seu discurso, dá-lhe substância, encarnando-o em estruturas figurativas e concretas. Talvez nada haja a perder em admitir a existência de uma conaturalidade entre o espírito humano e o universo, para em seguida proceder a uma démarche de tipo hipotético-dedutivo, cuja força exploratória Basarab Nicolescu aqui recorda. Essa conaturalidade significa que os dois termos estariam associados numa relação de analogia, de tal modo que o espírito humano seria por vezes capaz de interiorizar — faculdade cuja noção o Corpus Hermeticum alexandrino desenvolveu no século III — e depois refratar, sob a forma de imagens e símbolos, as próprias estruturas que, para retomar o verso do Fausto de Goethe, “mantêm o universo em sua coesão íntima” (“Was die Welt im Innersten zusammenhält”). Assim, Raymond Abellio, impressionado pela estreita analogia revelada por uma comparação entre os 64 hexagramas do Yi-King e os códons do código genético, pôde chamar a atenção para a possibilidade de tal conaturalidade.
Ora, parece-me — e esta seria a segunda razão para tentar a aposta proposta por Basarab Nicolescu — que, entre os visionários cuja Imaginação se apresenta de imediato como “criadora”, isto é, capaz de recriar e, de certo modo, reproduzir tais configurações arquetípicas, aqueles que tomam o Mito como fundamento — como base, suporte de meditação, trampolim, heurística — são os que vão mais longe, e de cuja obra se desprende uma impressão de autenticidade. O Mito, aqui, é história em imagens, enredo organizado em tríptico: cosmogonia (ou mesmo teogonia) e antropogonia, cosmologia (ou cosmosofia) e escatologia. A hermenêutica dessa história desenvolve-se sempre, em Jakob Boehme, a partir da Revelação — a do judaico-cristianismo —, e leva o nome de teosofia, que também se aplica à Cabala judaica do Zohar. Que pode ela aportar-nos? Nada menos do que a possibilidade de reconstituir nosso caduceu. Se o Mito assim compreendido volta a ser levado a sério graças àqueles poucos que escapam ao domínio dos reducionismos, ao mesmo tempo se interroga sobre o sentido da ciência e sua finalidade, desde que o homem já não se sente verdadeiramente em casa numa Natureza que tende a tornar-se radicalmente “outra”. Por isso, faz-se sentir a urgência de uma Filosofia da Natureza, no sentido em que o pensamento romântico alemão, tal como o representou Franz von Baader — o “Boehmius redivivus” —, a compreendia. Uma Naturphilosophie não acompanhada de uma teologia, menos ainda de uma ideologia, mas dotada de uma abertura ontológica e apta a acolher a contribuição de uma fecunda transdisciplinaridade. Uma Imaginação criadora que mergulha, como a de Jakob Boehme, suas raízes no húmus do Mito, assim como a árvore carregada de flores ou frutos extrai do solo sua fecundidade, articular-se-ia, em dupla ligação e à imagem do caduceu, com uma ciência cuja especificidade não impediria o cientista de ser também filósofo.
Há, enfim, ligada às duas primeiras, uma terceira razão. Ela diz respeito à própria escolha de Jakob Boehme pelo autor deste livro. Até aqui, no século XX, os brotos embrionários de uma Naturphilosophie que não cessa de fracassar em retomar corpo apresentaram-se sobretudo sob a forma de comparações ou aproximações entre um real descrito pela ciência e imagens emprestadas ao simbolismo de diversas tradições religiosas. Nada há aí de contrário às orientações sugeridas acima; contudo, essas aproximações — assim, a do Tao e da física —, por mais sedutora que seja a fascinação que exercem, permanecem essencialmente estéticas e, por falta de fundamento ontológico, não constituem, por si mesmas, os prolegômenos de uma Filosofia da Natureza. Se é verdade, como insiste Basarab Nicolescu, que os graus de realidade “correspondem” aos do Imaginário, as comparações que nos foram assim diversas vezes propostas convidam a considerar apenas alguns dos primeiros níveis de realidade que se trata de percorrer. Finalmente, observa-se que essas comparações, em sua imensa maioria, recorrem a imagens e tradições provenientes do Extremo Oriente, como se nosso solo ocidental, ainda tão mal explorado a esse respeito, não estivesse pronto para revelar sua beleza, nem encerrasse jazidas — teosóficas, alquímicas, herméticas — exploráveis, de riquezas talvez mais acessíveis do que as pérolas exóticas, e cujos lugares poderiam orientar nossa busca. Também nesse sentido, cumpre saudar como um acontecimento o livro de Basarab Nicolescu.