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DESPEUX, Catherine. Taiji quan: art martial, technique de longue vie. Nouvelle éd. revue et augmentée ed. Paris: Éditions de la Maisnie, 1981 (será nossa principal referência)
Para o Ocidente, a China, quando não é encarada sob o seu aspecto atual, é com demasiada frequência apenas o Império do Meio, o dos letrados, dos calígrafos, em busca do refinamento em todas as circunstâncias. Isso é esquecer a realidade quotidiana de um povo inumerável e essencialmente rural, esquecer que a China foi incessantemente ameaçada por guerras fronteiriças tanto quanto interiores, e que, consequentemente, desenvolveu uma forte tradição de autodefesa. As artes militares, portanto, desempenharam desde sempre um papel importante na civilização chinesa, cujo ideal era, aliás, um equilíbrio entre as virtudes civis e as virtudes militares.
O Taiji quan é uma dessas técnicas de autodefesa. Este termo significa "técnica de combate de mão nua do Eixo Supremo"; ele opõe-se ao Taiji jian "técnica da espada do Taiji" ou Taiji dao, "técnica do sabre do Taiji". Foi classificado pelos Chineses nas artes marciais (wushu).
Na tradição chinesa, a força guerreira não se destina tanto a atacar, mas sim a defender-se e a instaurar a "grande paz" (taiping), um tema que se encontra ao longo da história do império. Este ideal da grande paz, grupos ou sociedades secretas, assim como certos indivíduos que se apresentavam como defensores da justiça, esforçaram-se por concretizá-lo. Ao lado do exército imperial, heróis surgiram cujo ideal era pregar a justiça, chegando para isso a sacrificar a sua vida, e não hesitando em opor-se à ordem imperial quando esta era fonte de injustiça. Um adágio chinês diz a respeito deles: "Assim que encontravam desordem no seu caminho, tiravam o seu sabre para prestar a sua ajuda."
Como se depreende, estas ações cavaleirescas eram muito respeitadas e admiradas por um povo que por vezes tinha tanto a sofrer da rapacidade dos funcionários quanto dos ataques de bandidos. A literatura popular abunda em histórias destes heróis, apresentados como modelos ao leitor. Entre os mais célebres, cite-se o romance À margem da água da dinastia dos Ming, que retrata os feitos de cavaleiros defensores dos oprimidos, e reflete muito bem o estado da sociedade camponesa da época. Tão célebre quanto é o Romance dos Três Reinos, relato dos feitos de Zhang Fei, Liu Pei e Guanyu, tendo este último, aliás, sido divinizado para se tornar o protetor das aldeias. A dinastia dos Qing (1644-1912) conheceu uma floração destes romances de capa e espada, cujos heróis são dotados de muitos poderes sobrenaturais.
A existência destes heróis cavaleirescos tão populares foi considerada por Sima Qian, primeiro historiador oficial da China, como um fenômeno suficientemente importante para que lhes dedicasse nas suas Memórias históricas duas biografias, a "Biografia dos assassinos" e a "Biografia dos cavaleiros errantes", sendo esta última introduzida por esta citação do Hanfeizi, obra legista do século III a.C.: "Os Confucianos embaralham a lei com os seus escritos, os cavaleiros errantes violam os interditos usando a sua força, ambos são de desaprovar." Sima Qian sendo historiador da Corte não podia entregar diretamente a sua opinião pessoal, mas parece que ao colocar esta citação no início destas biografias, quer demarcar-se da continuação do texto, que deixa transparecer uma certa simpatia por estes cavaleiros cuja existência relata.
Estes cavaleiros errantes eram um objeto de receio por parte do poder central, ao qual não hesitavam em opor-se, receio justificado uma vez que participaram na derrubada de várias dinastias, como a dos Yuan.
Nestas biografias, Sima Qian distingue várias espécies de cavaleiros: os cavaleiros plebeus, os cavaleiros das aldeias e os das cidades. Contudo, os diferentes estudos dedicados a estes homens não se harmonizam para fazer deles um grupo social particular. Estes cavaleiros errantes e estes heróis agiam o mais frequentemente à frente de milícias que eles próprios constituíam ou que encontravam já constituídas nas aldeias. Parece que ao longo da história chinesa, a maior parte das aldeias se dotou de uma estrutura de autodefesa mais ou menos elaborada segundo a sua importância. Podia ser assim uma família inteira no seio da qual se desenvolvia o ensino das artes marciais. Quanto à origem social dos membros destas milícias, a literatura popular raramente a especifica, ainda que pareça estabelecido que acolhiam um grande número de filhos de famílias pobres.
É numa destas milícias camponesas que o Taiji quan surgiu no século XVII. A maioria dos mestres sendo de baixa extração, muitos deles não sabiam nem ler nem escrever; os documentos autênticos, escritos pelos próprios mestres, são, portanto, muito raros e relativamente recentes. Esta obra foi, então, realizada na sequência de um inquérito no terreno combinado com uma experiência pessoal do Taiji quan, o que permitiu recolher oralmente um certo número de informações não encontráveis nos escritos. Além disso, a existência de documentos de qualidade não foi favorecida pelo desprezo dos letrados pelos camponeses muitas vezes incultos que praticavam as artes marciais, nem pelas rivalidades entre as milícias, que mantinham zelosamente o segredo do seu ensino.
De fato, é apenas entre o final do século XIX e o início do século XX que certos pugilistas se esforçaram por anotar o que sabiam ou transcrever as palavras do seu mestre. Mas o mais frequentemente, a arte era transmitida oralmente de pai para filho, no seio de uma mesma família ou de uma mesma milícia. Uma exceção a esta regra foi constituída por Yang Luchan, mestre de boxe que se dirigiu à família Chen da qual recebeu o ensino do Taiji quan, que propagou em seguida em Pequim.
É a partir deste mesmo Yang Luchan que o Taiji quan evoluiu da técnica de combate para a disciplina psicossomática e o desporto popularizado. A partir de 1925, tentou-se introduzi-lo na educação escolar e foi ensinado aos professores de ginástica. Os movimentos difíceis de executar foram suprimidos para colocar a sua prática ao alcance dos idosos e dos amadores, mesmo não especialistas de artes marciais. Tornou-se, portanto, sobretudo uma ginástica, mas também uma técnica terapêutica. É este último aspecto que tende a desenvolver-se atualmente na China popular.
Além disso, esta arte marcial fazendo uso e desenvolvendo uma energia interior por um trabalho da respiração, ela assemelha-se às técnicas taoistas de longevidade e é também considerada uma arte de longa vida.
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