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Seyyed Hossein Nasr

CULTORES DO SUFISMO — SEYYED HOSSEIN NASR



WIKIPEDIA: Inglês

NASR FOUNDATION: ISLAMIC TEACHINGS

Parabola Volume: 21.1 Profetas e Profecia
O Primeiro Profeta


Entrevista com Seyyed Hossein Nasr

Seyyed Hossein Nasr, outrora da Universidade de Teerã, é Professor Universitário de Estudos Islâmicos na Universidade George Washington. Gray Henry, Diretora da Islamic Texts Society, E.U.A., entrevistou-o para a Parabola.

Gray Henry: Professor, poder-se-ia começar com uma questão muito ampla? Qual é a essência da profecia, e por que é ela necessária?

Seyyed Hossein Nasr: Em primeiro lugar, a profecia é a revelação de algum aspecto da realidade divina no mundo da criação. Ou, falando metafisicamente, a projeção de um aspecto da realidade divina na manifestação. O mundo, tal como o vemos, evidentemente, não é a realidade: é apenas uma aparência da realidade, um nível da realidade. O Divino é a realidade como tal, a realidade absoluta e última. Há um hiato, ou abismo de um ponto de vista, e não-existência do outro, entre o Divino e sua manifestação. Do ponto de vista puramente divino, poder-se-ia dizer que, de fato, nada há além do Divino, e é por isso que certos metafísicos e místicos afirmaram que no Uno há apenas o Uno. Contudo, do ponto de vista humano, o ponto de vista da criação em que se vive, há o hiato mencionado.

GH: Há alguma maneira de contornar isso?

SHN: Indiretamente, sim. Há, para falar de um ponto de vista islâmico, uma razão para a criação. E essa é Deus conhecer-se através de Sua própria criação. Em um “dito sagrado famoso” do Profeta, no qual Deus fala na primeira pessoa, Ele diz: “Eu era um Tesouro Oculto. Desejei ser conhecido, portanto criei o mundo para que Eu fosse conhecido.” Então há um propósito para a criação. E este propósito é retornar ao Princípio Divino. Contudo, tal retorno é impossível sem a ajuda do próprio Princípio Divino. Ora, o Princípio Divino, por necessidade, possui a qualidade da misericórdia. E a Misericórdia Divina exige o provimento desta orientação no sentido último para toda a criação, mas mais especificamente para o estado humano, para capacitar homens e mulheres a retornarem ao Divino. Daí a necessidade da profecia do ponto de vista divino.

GH: Isso é belo. Mas pode-se definir a profecia para nós?

SHN: A palavra em inglês é um termo muito mais ambíguo do que é em sânscrito, ou árabe, ou outras línguas tradicionais. Em inglês, as palavras profecia e revelação tornaram-se um tanto ambíguas em suas bordas. Qualquer um com uma ideia vaga que tenha a ver com o futuro é chamado de profeta. Assim também são alguns pensadores recentes cujas ideias subitamente se popularizam. Por exemplo, algumas das figuras do século dezenove que eram contra toda religião são agora consideradas “profetas” do século vinte! Assim, o termo perdeu sua definição precisa. Ora, em árabe há toda uma galáxia, poder-se-ia dizer, de palavras para definir profecia. Mas a mais importante é a palavra que vem da raiz NBY, isto é, nubuwwah, significando “trazer notícias.” E a palavra nabi, novamente de NBY, significa “o profeta”; isto é, alguém que é o arauto de notícias do Divino, que traz algo para nós do Divino. Assim, a ideia da conexão do profeta com Deus, e o trazer de notícias, que é conhecimento de algo que nos diz respeito, está contida na etimologia da palavra profeta em árabe.

GH: E como dissestes, é notícia essencial, porque diz respeito ao próprio significado de nossa existência, nosso retorno ao Divino.

SHN: É a “Boa Notícia.” Isto é, notícia que tem a ver, não apenas com a própria natureza nossa aqui no mundo—o que somos, quem somos—mas também o que devemos nos tornar, para onde devemos ir. Ambos estão contidos nisto.

GH: Mencionaste há pouco como a profecia hoje assumiu outro significado: ter a ver com o futuro.

SHN: Sim, e de fato as profecias do futuro, tais como as que se têm no Antigo Testamento, e como as que se têm no Apokalypsis de João, e também como as que nos foram dadas pelo Profeta do Islã — sobre o fim do mundo, por exemplo — são aspectos necessários e legítimos da função profética. Não há dúvida sobre isso. Mas nem todo aquele que tem uma percepção do futuro é necessariamente um profeta. Há aqueles que possuem um tipo de visão nas dimensões temporais desconhecidas da existência, que são capazes de predizer eventos futuros sem serem profetas. No mundo moderno, não se faz distinção entre a Ordem Divina, a ordem espiritual e a ordem psicológica. Elas estão todas misturadas — especialmente o psicológico e o espiritual. As pessoas frequentemente têm uma percepção do mundo psicológico ou dos mecanismos psicológicos pelos quais as coisas acontecem, ou mesmo elementos da existência cósmica, e tal entendimento é confundido com o conhecimento profético, ao passo que o conhecimento profético provém de Deus. Não pode provir de percepção psicológica ou mesmo de “consciência cósmica,” porque esse tipo de “visão” ou previsão pertence ao mundo da manifestação.

GH: Como se pode alcançar o Não-Manifesto?

SHN: Há um ditado persa, que vos traduzir-se-á: “A palavra que surge do coração assenta-se sobre o coração.” A pessoa cujas palavras realmente vêm de seu coração profere palavras com uma ressonância especial. Ora, as palavras dos profetas nem sequer vêm deles; elas vêm de Deus, do Divino. E, portanto, elas ressoam dentro de um nível particular da própria realidade existencial nossa, que é muito mais profundo do que a vida mental ou a vida psicológica nossa. Elas afetam o centro mesmo do ser nosso. Não é apenas o conteúdo, mas também o modo, a maneira pela qual as palavras são proferidas pelos profetas, que revela a verdade.

É muito difícil para nós, vivendo em uma era de mediocridade, sequer imaginar o que significa encontrar um profeta. Isso é impossível para a maioria de nós imaginar, da mesma forma que, mesmo cem anos atrás, era inimaginável para as pessoas pensarem em alguém caminhando na lua. Não fazia parte do mundo da imaginação delas, poder-se-ia dizer. Por essa mesma razão, é extremamente difícil para nós entender o que há na mensagem de um profeta, nas palavras de um profeta, que nos fala. É que estas palavras vêm do centro do próprio ser nosso, porque Deus não é apenas transcendente vis-a-vis nós mesmos. Ele reside também no centro mesmo do próprio ser nosso. Então é realmente um chamado do centro mais profundo, da camada mais profunda da própria existência nossa. É um chamado para nós, de quem realmente somos no Divino, no sentido último, se se pode falar em linguagem mística. É o nosso “Eu” real a chamar-nos.

GH: Quando essa natureza primordial — esse reino dos Céus interior — ressoa, ela também reconhece. Extrai-se quem realmente somos.

SHN: “Quem realmente somos.” Exatamente. Metafísicos islâmicos desenvolveram a doutrina de que quando se emprega o intelecto no sentido tradicional do termo intelecto, desperta-se esse instrumento divino de conhecimento dentro de nós. Assim se aproxima da função da profecia. Isso ocorre porque cada um de nós tem um “profeta” interior, pela presença do intelecto dentro de nós. E é por isso que o profeta não só nos ensina o que fazer, mas mais do que tudo, o que saber, e como ser, no nível mais elevado. Para retornar à vossa primeira questão: Há algo inato na mensagem profética, que é capaz de atrair, e difere da mensagem de um teólogo ou de um místico ou de um filósofo, já que provém do próprio Deus. Assim, apela a todos os tipos de pessoas, desde o simples pastor até a mente mística ou filosófica mais profunda.

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