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id da página: 1615 Frithjof Schuon – Olhares sobre os Mundos Antigos – Chaves da Bíblia Frithjof Schuon

Schuon Chaves Bíblia

Chaves da Bíblia — resumo

    • A que é preciso se referir para compreender o sentido e a natureza da Bíblia?
    • Necessidade dos comentários rabínicos e cabalísticos, patrísticos e místicos
    • Dos quatro sentidos de todo texto escriturário
    • A respeito do estilo bíblico
    • Da aparente incoerência de certos textos sagrados
    • Das duas chaves da Bíblis: o Simbolismo e a Revelação

Resumo detalhado

  • Para a compreensão do sentido e da natureza da Bíblia, é essencial referir-se às noções de simbolismo e revelação, sendo a compreensão exata e aprofundada desses conceitos-chave indispensável, já que, sem elas, a abordagem da Bíblia permanece incerta e arrisca graves erros doutrinários, psicológicos e históricos.
    • A noção de revelação é particularmente crucial, pois, embora o sentido literal da Bíblia, notavelmente nos Salmos e nas palavras de Iesus, ofereça sustento suficiente para a piedade, a ausência de uma adequada noção de revelação ou de origem supra-humana faria com que essa nutrição perdesse toda a sua seiva e poder libertador.
    • Outros trechos, especialmente no Gênesis, mas também em textos como o Cântico dos Cânticos, permanecem como enigmas na falta dos comentários tradicionais.
    • Ao abordar a Escritura, é imperativo considerar os comentários rabínicos e cabalistas, e, do lado cristão, os comentários patrísticos e místicos.
      • Percebe-se, então, que a leitura literal quase nunca é autossuficiente, e suas aparentes ingenuidades, inconsistências e contradições se resolvem em uma dimensão de profundidade cuja chave deve ser possuída.
      • O sentido literal é frequentemente uma linguagem cifrada que mais vela do que revela, e que se destina apenas a fornecer pontos de referência para verdades de ordem cosmológica, metafísica e mística.
    • As tradições orientais são unânimes nessa interpretação complexa e pluridimensional dos textos sagrados.
    • Segundo Mestre Eckhart, "o Espírito Santo ensina toda verdade; é verdade que há um sentido literal que o autor tinha em vista, mas como Deus é o autor da Escritura sagrada, todo sentido verdadeiro é ao mesmo tempo sentido literal; pois tudo o que é verdadeiro provém da própria Verdade, está contido nela, deriva dela e é querido por ela".
    • Da mesma forma, Dante, em seu Convivio, afirma que "As Escrituras podem ser compreendidas e devem ser expostas principalmente segundo quatro sentidos":
      • O primeiro é chamado literal.
      • O segundo é chamado alegórico.
      • O terceiro sentido é chamado moral.
      • O quarto sentido é chamado anagógico, ou seja, que ultrapassa o sentido (sovrasenso); isto ocorre quando se expõe espiritualmente uma Escritura que, sendo verdadeira no sentido literal, significa, além disso, as coisas superiores da Glória eterna.
      • Dante exemplifica isso com o Salmo do Profeta, que diz que quando o povo de Israel saiu do Egito, a Iudeia foi feita santa e livre, o que é manifestamente verdadeiro segundo a letra, mas o que se entende espiritualmente é igualmente verdadeiro, ou seja, que quando a alma sai do pecado, ela é feita santa e livre em sua potência (Trattato Seconda, 1).
  • No que concerne ao estilo bíblico, é fundamental compreender que o caráter sagrado, portanto sobre-humano, do texto não pode se manifestar de forma absoluta na linguagem, que é inevitavelmente humana.
    • A qualidade divina em questão se manifesta mais na riqueza das superposições de significados e na força teúrgica do texto pensado, pronunciado e escrito.
    • É também significativo que as Escrituras sagradas não são assim por causa do assunto que tratam, nem pelo modo como o tratam, mas em virtude de seu grau de inspiração ou, o que é o mesmo, devido à sua proveniência divina.
    • É a origem divina que determina o conteúdo do livro, e não o inverso.
    • A Bíblia pode falar de uma infinidade de coisas além de Deus, sem ser menos sagrada, ao passo que outros livros podem tratar de Deus e de coisas sublimes, sem, por isso, serem Palavra divina.
  • A aparente incoerência de certos textos sagrados é, no fundo, resultado da desproporção entre a Verdade divina e a linguagem humana.
    • É como se essa linguagem se fragmentasse sob a pressão do Infinito em milhares de pedaços díspares, ou como se Deus, para expressar mil verdades, tivesse apenas poucas palavras, o que O obrigaria a todo tipo de elipses ou paráfrases.
    • Segundo os Rabinos, "Deus fala brevemente," o que também explica as sínteses a priori incompreensíveis da linguagem sagrada, bem como as superposições de sentidos mencionadas.
    • O papel dos comentadores inspirados e ortodoxos é intercalar, nas sentenças excessivamente elípticas, as proposições subentendidas e não expressas, ou especificar sob qual aspecto ou em que sentido tal afirmação deve ser compreendida, para então explicar os diversos simbolismos e assim por diante.
    • É o comentário ortodoxo, e não a leitura literal da Torá, que tem força de lei.
    • Diz-se que a Torá é "fechada" e que são os sábios que a "abrem".
    • Essa natureza "fechada" da Torá é que torna necessário o comentário, a Mixná, desde a origem, tendo sido dada no Tabernáculo quando Iosuê a transmitiu ao Sinédrio.
    • Diz-se também que Deus deu a Torá durante o dia, e a Mixná durante a noite.
    • A Torá é infinita em si mesma, enquanto a Mixná é inesgotável em seu fluxo na duração.
    • Há dois graus principais de inspiração, ou até três se for incluída a dos comentários ortodoxos.
    • O Iudaísmo expressa a diferença entre os dois primeiros graus comparando a inspiração de Moises a um espelho luminoso e a dos outros profetas a um espelho obscuro.
  • As duas chaves da Bíblia são as noções de simbolismo e de revelação.
    • A revelação tem sido frequentemente abordada em um sentido psicológico, o que a torna puramente naturalista e relativista.
    • A revelação é, na realidade, a irrupção fulgurante de um conhecimento que provém, não de um subconsciente individual ou coletivo, mas, ao contrário, de um supraconsciente que, embora latente em todos os seres, ultrapassa imensamente suas cristalizações individuais e psicológicas.
    • Ao dizer que "o reino dos céus está dentro de vós," Iesus Cristo não queria dizer que o céu – ou Deus – fosse de ordem psicológica, mas simplesmente que o acesso às realidades celestes e divinas se situa para nós no centro de nosso ser.
    • É desse centro que brota a revelação, quando há na ambiência humana uma razão suficiente para que ela brote e, por isso, se apresenta um suporte humano predestinado e capaz de veicular esse jorrar.
    • O fundamento mais importante para o que foi dito é, evidentemente, a admissão de um mundo de luz inteligível que é simultaneamente subjacente e transcendente em relação às nossas consciências.
    • O conhecimento desse mundo, ou dessa esfera, implica a negação de todo psicologismo e também de todo evolucionismo.
    • O psicologismo e o evolucionismo são, de fato, as hipóteses de substituição para suprir a falta do conhecimento em questão.
  • Afirmar que a Bíblia é simultaneamente simbolista e revelada significa, por um lado, que ela exprime verdades complexas em uma linguagem indireta e imagética.
    • Por outro lado, significa que sua fonte não é nem o mundo sensorial, nem o plano psicológico ou racional, mas uma esfera de realidade que transcende esses planos e os envolve imensamente, embora seja acessível ao homem, em princípio, a partir do centro intelectivo e místico de seu ser, ou do "coração" se preferir, ou do puro "intelecto".
    • O intelecto, em sua própria substância, comporta a evidência da esfera de realidade mencionada, contendo assim a prova, se essa palavra puder ter um sentido na ordem da percepção direta e participativa.
    • O preconceito, por assim dizer, clássico do cientificismo, ou seu defeito de método, é a negação de um modo de conhecimento suprassensorial e suprarracional e, por conseguinte, dos planos de realidade aos quais esses modos se referem.
    • É desses planos que provêm, precisamente, a revelação e a intelecção.
    • A intelecção é, em princípio, para o homem o que a Revelação é para a coletividade.
    • O homem só pode ter acesso à intelecção direta – ou à gnose – em virtude da revelação escriturária preexistente.
    • O que a Bíblia descreve como a queda do homem ou a perda do Paraíso coincide com a separação da Inteligência total.
    • Por isso é dito que "o reino dos céus está dentro de vós," e também: "Batei e vos será aberto".
    • A própria Bíblia é a objetivação múltipla e misteriosa desse Intelecto universal ou desse Logos.
    • Ela é, assim, a projeção, em imagens e enigmas, daquilo que carregamos em uma profundidade quase inacessível no fundo do coração.
    • Os fatos da História sagrada, onde nada é deixado ao acaso, são, por sua vez, projeções cósmicas da insondável Verdade divina.