VIDE: Extratos por termos relevantes
Tradução de José Colaço Ribeiro
Falar do «declínio do Ocidente», da crise da civilização atual, dos seus perigos, das suas destruições ou das suas alienações, há muito tempo que se tornou quase um lugar-comum. Por outro lado, formulam-se profecias sobre o futuro europeu ou mundial e lançam-se também apelos para a «defesa» de um ou do outro.
Nas suas linhas gerais, em tudo isso mal se ultrapassa um mero diletantismo de intelectuais. Seria demasiado fácil demonstrar como existe aqui tantas vezes uma falta de verdadeiros princípios; como grande parte daquilo que se pretendia negar é afirmado pela maioria dos que propõem reagir contra isso; como se sabe pouquíssimo o que se quer e como se obedece mais a impulsos irracionais, especialmente quando se passa para o campo prático com manifestações incorretas e violentas de uma «contestação» que por vezes pretendia ser global quando afinal é apenas inspirada por formas consequenciais e terminais da presente civilização.
Embora fosse insensato em fenômenos deste gênero vislumbrar algo de positivo, eles têm incontestavelmente o valor de um sintoma. Vêm avisar-nos de que já se sente que campos considerados firmes afinal são movediços e que as perspectivas idílicas do «evolucionismo» já perderam a sua atualidade. Mas um instinto inconsciente de autodefesa impede que se ultrapassem certos limites — tal como o poder que inibe aos sonâmbulos a percepção do vácuo em que caminham. Ainda não se pode «duvidar» para além de certas marcas — e certas reações intelectuais ou irracionais parecem quase que são concedidas ao homem moderno apenas para desviá-lo, para o deterem na via da total e temível visão perante a qual o mundo atual surgiria como sendo somente um corpo privado de vida caído por um precipício, em que em breve já nada conseguirá detê-lo. Há doenças que incubam durante muito tempo, mas que só se tornam evidentes quando a sua obra subterrânea já quase chegou ao fim. Assim acontece com a queda do homem ao longo das vias da que ele glorificou como sendo a civilização por excelência. Se apenas hoje os modernos conseguiram ter a sensação de um destino sombrio para o Ocidente¹, já há séculos que têm vindo a agir causas, a estabilizar-se condições espirituais e materiais de degenerescência, de tal modo que retiram à maioria a possibilidade não só da revolta e do retorno à normalidade e à salvação, mas também, e acima de tudo, a de compreender o que significam a normalidade e a salvação.
Assim, por muito sinceras que sejam as intenções de alguns dos que dão um alarme e se insurgem contra a situação, não se pode ter ilusões sobre os seus resultados. Não é fácil ter a noção de como se tem de escavar bem fundo até se encontrar a raiz primordial e única de que são naturais e necessárias consequências não só as formas de que já é visível para todos o lado negativo, mas também muitas outras, que até os espíritos mais audaciosos não cessam de pressupor e de admitir no seu próprio modo de pensar, de sentir e de viver. «Reage-se», «contesta-se». Como se poderia deixar de fazê-lo perante certos aspectos desesperados da sociedade, da moral, da política e da cultura contemporâneas? Mas trata-se — só e precisamente — de «reações», e não de ações, não de movimentos positivos que partam de dentro e testemunhem a posse de uma base, de um princípio, de um centro. Pois bem, com acomodamentos e «reações» já se anda no Ocidente a brincar há muito tempo. A experiência demonstrou que por esse caminho não se consegue chegar a nada do que realmente importa. Não é de se virar de um lado para o outro no leito de agonia que se deveria tratar, mas sim de despertar e levantar-se.
As coisas chegaram a tal ponto que hoje nos perguntamos quem será capaz de assumir o mundo moderno não em qualquer um dos seus aspectos particulares — «tecnocracia», «sociedade de consumo», etc. —, mas sim em bloco, até apreender o seu significado último. Só este poderia ser o princípio.
Mas para isso é necessário sair do círculo de atração. É necessário saber conceber o outro — conseguir criar novos olhos e novos ouvidos para coisas que o afastamento tornou invisíveis e mudas. Só remontando aos significados e às visões em vigor antes que se estabelecessem as causas da civilização presente, é possível ter um ponto absoluto de referência, a chave para a compreensão efetiva de todos os desvios modernos — e ao mesmo tempo achar o baluarte sólido, a linha de resistência inviolável para aqueles a quem, apesar de tudo, será concedido o manterem-se erguidos. E hoje em dia o que conta — precisa e exclusivamente — é o trabalho de quem souber conservar-se dentro das linhas da superioridade: firme nos princípios; inacessível a qualquer concessão; indiferente perante as exaltações, as convulsões, as superstições e as prostituições a cujo ritmo dançam as gerações modernas. Só conta o silencioso manter-se firme de poucos, cuja presença impassível de «convidados de pedra» sirva para criar novas relações, novas distâncias e novos valores; para construir um polo que, se obviamente não impedirá este mundo de desviados e exaltados de ser o que é, contudo será válido para transmitir a alguém a sensação da verdade — sensação essa que talvez até poderá ser o princípio de alguma crise libertadora.
Dentro dos limites das possibilidades de quem o escreve, o presente livro pretende ser um contributo para essa obra. A sua tese fundamental portanto é a ideia da natureza decadente do mundo moderno. O seu objetivo é pôr em evidência essa ideia, por meio da referência ao espírito da civilização universal, sobre cujas ruínas surgiu tudo o que é moderno: e isto, como base de qualquer outra possibilidade, e como legitimação categórica de uma revolta, porque só então se tornará claro não só aquilo contra o que se reage, mas também, e acima de tudo, aquilo em cujo nome se reage.
Introdução
Primeira Parte – O Mundo da Tradição
- O princípio
- A realeza
- O simbolismo polar – O senhor de paz e de justiça
- A Lei, o Estado, o Império
- O mistério do rito
- Sobre o carácter primordial do patriciado
- Sobre a virilidade espiritual
- As duas vias do além-túmulo
- Vida e morte das civilizações
- A iniciação e a consagração
- Sobre as relações hierárquicas entre a realeza e o sacerdócio
- Universalidade e centralismo
- A alma da cavalaria
- A doutrina das castas
- As participações e as artes – A escravatura
- Bipartição do espírito tradicional – A ascese
- A grande e a pequena guerra santa
- Jogos e vitória
- O Espaço – O Tempo – A Terra
- Homem e mulher
- Declínio das raças superiores
Segunda Parte – Génese e fisionomia do mundo moderno
- A doutrina das quatro idades
- A idade do ouro
- O «pólo» e o local hiperbóreo
- O ciclo nórdico-atlântico
- Norte e Sul
- A civilização da mãe
- Os ciclos da decadência – O ciclo heroico
- Tradição e antitradição
a) Ciclo americano – Ciclo mediterrânico oriental
b) Ciclo judaico – Ciclo ariano-oriental - O ciclo heroico-urânico ocidental
a) O ciclo helênico
b) O ciclo romano - Síncope da tradição ocidental – O cristianismo das origens
- Translação da ideia do Império – A Idade Média gibellina
- O ocaso do ecúmeno medieval – As nações
- O irrealismo e o individualismo
- A regressão das castas
- Nacionalismo e colectivismo
- O ciclo encerra-se
a) A Rússia
b) A América
Conclusão
Apêndice – Sobre a «Idade obscura»