Kenodoxia — Vaidade
Correntemente denominada vanglória ou vaidade, é uma paixão particularmente importante e fonte de inúmeras outras doenças da alma (psyche).
Segundo Cassiano, “ela varia muito suas formas e se divide em diferentes espécies” mas se reduz a dois gêneros, que são como dois graus:
- A primeira espécie de vaidade concebe-se como um “elevar-se pelas vantagens carnais e aparentes"; forma mais grosseira, que afeta mais imediata, fácil e correntemente o homem decaído, fazendo mostrar-se super confiante de si e se glorificar de bens que possui ou crê possuir, desejando ser visto, considerado, admirado, estimado, honrado, louvado, bajulado pelos outros.
- estes bens que tanto preza e valoriza são comumente carnais, terrestres e a consideração e a glória humanas que espera por possuí-los.
- o vaidoso pode assim se glorificar e desejar a admiração de outros pelos dons que a natureza o dotou, como a beleza (real ou imaginária) de seu corpo ou de sua voz, por exemplo, ou por seu porte, postura, ou vestimentas; seu saber, sua esperteza, sua habilidades, seu savoir-faire também o tornam vaidoso.
- pode se glorificar e esperar a consideração por sua habilidade manual ou seu savoir-faire em tal ou tal domínio.
- pode se enaltecer e se fazer admirar pelas riquezas obtidas, os bens materiais possuídos, podem envaidecê-lo, conduzindo-o a philargyria. Maximo o Confessor escreve: "kenodoxia e philargyria se engendram mutuamente. O vaidoso junta dinheiro; o rico é vaidoso" (Centúrias sobre a Caridade III)
- pela kenodoxia igualmente o homem quer alcançar uma situação ou nível social elevados.
- esta paixão o prende ainda ao poder sob todas as suas formas e se encontra na sua busca; então é aliada e motor das duas paixões que os Padres nomearam “amor do poder” (philarkia) e “espírito de dominação”.
- a ambição nos domínios intelectuais e culturais é também um produto da kenodoxia.
- A segunda espécie, segundo Cassiano, é aquela que faz o vaidoso "se encher do vão desejo de ser renomado pelos bens espirituais e ocultos" (Conferências V). Junto ao espiritual ainda submetido às paixões, ela coexiste com a primeira espécie ou toma seu lugar quando este supera todo apego aos bens mundanos. Ela consiste para ele em se glorificar em si mesmo ou diante dos outros, de suas virtudes ou de sua ascese e buscar a admiração e os louvores de outros por estas virtudes. Segundo Cassiano "o demônio diabolos da vanglória sente uma alegria particular quando vê se multiplicar as virtudes" em algum asceta; assim como "a formiga espera que a colheita venha e os grãos estejam maduros, a vanglória espera que todas as riquezas espirituais sejam colhidas" (Escada XXI).
- Evagrio constata que “só entre os pensamentos, aqueles da kenodoxia e do orgulho surgem após a derrota dos outros pensamentos”, e que “a derrota dos outros demônios faz crescer este pensamento”.
- Maximo o Confessor nota: “Se tens razão das paixões mais vergonhosas ..., em seguida os pensamentos da vanglória caem sobre ti”.
- A kenodoxia pode ser capaz de tomar ela só, no homem, o lugar de todas as outras paixões.
A kenodoxia possui um extraordinário poder. Seu caráter sutil, sua capacidade de se revestir de numerosas formas, de se insinuar por toda parte e de atacar o homem por diversos lados, a tornam particularmente difícil de perceber e de combater. Segundo Cassiano, os anciãos descreveram muito bem a natureza desta doença comparando-a com uma cebola: quando se tira uma pele, encontra-se outra, e quanto mais se retira quanto mais se encontra. Segundo Evagrio a maior dificuldade de se desfazer da kenodoxia é que se a vencemos isto se torna razão para seu novo domínio sobre nós. A sua sutileza é tal que pode levar um homem a se mostrar zeloso na ascese, combater certas paixões, e praticar certas virtudes, assim como obter certos carismas. Entretanto toda ascese feita sob o impulso da kenodoxia se torna vã em definitivo, assim como as virtudes praticadas sob sua influência, e aparentes os carismas obtidos por seu estímulo. Vê-se homens alcançar resultados espirituais espantosos enquanto praticam a ascese pela força da kenodoxia, vindo a se desmoronar quando se encontram postos em condições onde esta paixão que os inspirava não encontra mais possibilidade de se exercer.
O prazer tirado da kenodoxia faz o homem mais ligado a ela pela ação de outra paixão, a philautia.
O caráter patológico da kenodoxia, como de outras paixões, vem essencialmente do fato dela se constituir na perversão de uma atitude natural e normal do homem. Esta perversão se dá pelo desvio de seu exercício “segundo a natureza” do homem, conforme sua finalidade essencial, de ser dotado por Deus com a tendência à glória, não humana (“glória segundo a carne”), mas a glória divina, a qual o homem foi destinado a obter pela sua união a Deus.