Gastrimargia
Embora o corpo (soma) esteja diretamente implicado, a gastrimargia não procede diretamente de suas necessidades: uma prova disso é que o desejo (epithymetikon) ultrapassa freqüentemente a necessidade, por vezes mesmo bastante, no caso da bulimia principalmente. O corpo só intervém como instrumento de realização do desejo da alma, como afirma Simeão o Novo Teólogo. Evagrio pode assim escrever: "Aqueles que cometem o erro de alimentar muito bem sua carne ..., se cuidem de si mesmos e não dela" (Tratado Prático).
Não se trata da idéia de que o alimento seja impuro em si e mau ou que a função mesmo de nutrição comportaria algum mal, o que leva a se considerar a gastrimargia como uma paixão (pathos), pois como diz o Cristo, "não é o que entra pela boca que torna o homem impuro" (vide O mal de dentro), e Paulo Apostolo ensina que "tudo o que Deus criou é bom, e nenhum alimento não é proscrito se o tomamos com ação de graça" (1Tim 4, 4).
Não é também no ato mesmo de comer que se encontra a paixão, mas na intenção que aí preside e na meta que lhe dado pelo homem. A paixão reside em uma certa atitude do homem em relação ao alimento e à nutrição, mais precisamente em um desvio por esta atitude da finalidade natural de ambos. Na perversão do uso que se faz uma má utilização de ambos. Escreve Maximo o Confessor: "As coisas que comemos, , foram criadas para uma dupla finalidade: nos alimentar e nos servir de remédio. Comer por outros motivos é fazer um mau uso daquilo que Deus nos deu para nossa utilidade" (Centúrias sobre a Caridade). Quando se come por necessidade, para manter ou preservar a vida de seu corpo, para guardar a saúde ou buscá-la, se respeita a finalidade natural dos alimentos e da nutrição. O mesmo não ocorre quando se faz de ambos um meio de prazer (hedone).
A atitude presente na gastrimargia é no fundo idolátrica: os homens que por ela se deixam levar "têm o ventre para Deus" diz Paulo Apostolo (Fil 3, 19). "É o ventre que é um deus sensível para aqueles que são escravos de seu estômago", nota S. Gregorio Palamas. Faz-se sacrifícios pelo ventre e pela boca em lugar de Deus. Cristo, ao dar graças antes de distribuir o alimento, revela a natureza do mesmo em termos de dom de Deus e de estar servindo à glorificação Daquele que o criou. Paulo Apostolo também ensina a necessidade desta ação de graças pelo alimento (1Tim 4,3) aconselhando: "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1Co 10:31).