SUAREZ, Philippe de (org., tr.). L’Évangile selon Thomas. Marsanne: Métanoïa, 1974
O Evangelho segundo Tomé foi descoberto por volta de 1945 no Alto Egito, perto da localidade de Nag Hammadi. Camponeses exumaram fortuitamente de uma galeria rochosa que servia de cemitério, uma jarra que continha 12 manuscritos encadernados em couro, escritos em língua copta sobre papiro e que remontam ao século III ou IV de nossa era.
Foi entre esses livros de interesse desigual, constituindo a biblioteca de uma comunidade gnóstica, que se encontrava o precioso Evangelho segundo Tomé que começa assim: Aqui estão as palavras escondidas que Jesus-o-Vivente disse e que Didimo Judas-Tomé transcreveu.
Ele contém 114 logia, ou palavras de Jesus, em uma forma literária que revela desde o início seu caráter arcaico. De fato, ao contrário dos evangelhos tradicionais que querem dar uma visão global da atividade messiânica de Jesus, o Evangelho segundo Tomé nos entrega as palavras de Jesus sem nenhum comentário.
Foi o Senhor Jean Doresse que, o primeiro, faria conhecer em 1959 o Evangelho segundo Tomé, em uma versão francesa acompanhada de um comentário histórico e crítico sobre a descoberta de Nag Hammadi.
A tradução, feita a partir de pranchas fotográficas, constituía uma primeira tentativa de decifração. Os comentários que a acompanhavam tendiam a recolocar as “supostas” palavras de Jesus em um contexto gnóstico já conhecido. A parentela com os evangelhos canônicos era igualmente sublinhada, mas na maioria das vezes para mostrar a preeminência destes últimos.
Finalmente, cabia ao Senhor Henri-Charles Puech, membro do Instituto, professor do Collège de France, diretor da École des Hautes Études, e à equipe de coptólogos reunida em torno dele, o cuidado de apresentar no mesmo ano, ao grande público, uma tradução conscienciosa do Evangelho segundo Tomé em uma versão francesa, inglesa, alemã e holandesa, com, em frente, o texto copta. A edição oferecia igualmente uma reconstituição avisada da maioria das passagens mutiladas. Uma edição crítica completa, acompanhada de comentários filológicos, históricos e exegéticos, anunciada em 1959 como devendo em breve ver a luz, ainda não saiu da prensa.
As duas edições francesas estão esgotadas há muito tempo. Em contrapartida, a Sinopse dos quatro evangelhos de P. Benoit e M. E. Boismard, em dois volumes, dá 80 logia sobre 14, em um registro de notas fazendo referência a paralelos extracônicos. As notas críticas do segundo volume (p. 56) fazem menção do caráter arcaico do Evangelho segundo Tomé e produzem exemplos onde o caráter mais despojado de certos relatos milita em favor de sua anterioridade em relação aos sinópticos.
Em 1970 se formava um comitê sob os auspícios da Unesco, agrupando os melhores coptólogos em escala internacional, com vistas a uma publicação integral dos fac-símiles da biblioteca de Nag Hammadi. Em 1973 os primeiros volumes desta edição sistemática, publicados sob a égide do Departamento das Antiguidades da República Árabe do Egito e da Unesco, viam a luz pelas mãos de E. J. Brill, em Leiden.
Esta iniciativa, feliz em um sentido, comporta um perigo que se deve assinalar: é de fato de se temer que, com a publicação em uma mesma apresentação de todos os papiros descobertos em Nag Hammadi, se amplifique ainda, no futuro, a tendência a colocar no mesmo patamar o Evangelho segundo Tomé e os outros manuscritos menos importantes que o acompanhavam. O nome de “apócrifo” que se deu a este evangelho o torna, aliás, já suspeito, embora a nuance pejorativa ligada a esta palavra nos meios eclesiásticos tenda a se apagar. Tornava-se portanto urgente o livrar de um contexto que tende a reduzir ou a falsear sua dimensão real e de lhe restituir sua verdadeira face.
O evento que a descoberta deste Evangelho constitui tem sido diversamente apreciado segundo os críticos. Alguns viram nele um escrito apócrifo entre outros, fortemente matizado de gnosticismo, e que encontra seu interesse no plano do estudo da gnose, tornada, como se sabe, difícil pelo fato de que os escritos “heréticos” foram impiedosamente destruídos pela Igreja dos primeiros séculos. Outros veem neste documento uma espécie de amálgama de palavras de Jesus tiradas ora dos canônicos, ora de uma tradição ortodoxa ou herética que as atribuía a Jesus, ora inventadas com um objetivo de catequese. Outros ainda atribuem aos logia do Evangelho segundo Tomé uma autenticidade que eles reconhecem mais ou menos explicitamente segundo a posição oficial que eles ocupam na Universidade ou na Igreja. Outros enfim, estimam, com provas, que os logia em questão constituem nada menos que a fonte da qual os sinópticos e João beberam para relatar as palavras de Jesus.
De fato, para reconstituir a pré-história dos evangelhos tradicionais, é preciso recorrer, não aos evangelhos tais como os conhecemos, mas a formas mais antigas que constituíram suas fontes, pois os redatores dos evangelhos fizeram uma escolha entre materiais que circulavam sob formas diversas e que foram empregados nas igrejas primitivas durante mais de um século. Estes materiais representavam portanto uma forma mais arcaica do que a dos quatro evangelhos que conhecemos. A decifração dos textos confirma esta hipótese; ela permite mesmo atestar a existência de materiais agrupados por afinidade de gênero, como Coletâneas de milagres, Coletâneas de logia ou palavras de Jesus, etc... Além disso, o problema das similaridades e das divergências dos sinópticos não pode ser resolvido a não ser que se remonte a formas mais antigas. A Coletânea de logia que constitui o Evangelho segundo Tomé está na própria fonte dos quatro evangelhos? Os progressos atuais da crítica textual permitem responder hoje a esta questão.
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