A morte é um grande mistério. Este fato que constitui, como sublinharam muitos filósofos, a única certeza de nosso futuro, é também um dos mais incertos quanto a sua natureza e seus seguimentos.
A escritura sublinha o caráter imprevisível da morte ("Não conheceis nem o dia nem a hora", Mateus 25,13). Ela nos dá indicações sobre sua origem (Rom 5,12). Ela nos anuncia a ressurreição futura dos corpos e a vida eterna do Reino a vir, mas ela não nos dá praticamente ensinamentos sobre o período que separa a morte de cada pessoa do Juízo final e universal e da ressurreição que devem ocorrer ao final dos tempos. É notável além do mais que nos relatos da ressurreição do filho da viúva de Nain (Lucas 7, 11-16) e da ressurreição de Lázaro (João 11, 1-43), os ressuscitados não digam nada do que viram entre sua morte e seu retorno à vida. Fica claro enfim que Deus não permitiu aos mortos revelar suas condições aos vivos, mesmo que para utilmente adverti-los; Cristo, Ele mesmo, diz através de uma parábola: para tal “eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam” (Lucas 16, 29). Estes dois últimos fatos não podem no entanto serem interpretados como uma interdição de princípio feita por Deus aos homens de falar da condição além-túmulo. No primeiro caso, o silêncio das Escrituras se explica pelo fato que elas se concentram sobre o essencial dos dois eventos: a ressurreição de duas pessoas por Cristo, que anuncia a ressurreição a vir ao mesmo tempo que prova a capacidade de Deus de realizá-la. No segundo caso, a impossibilidade para os mortos de falar de sua sorte recebeu da parte de vários Padres (por exemplo João Crisóstomo — Homilias sobre Lázaro) esta explicação: o diabo teria feito proveito desta situação para suscitar falsas aparições e produzir falsos testemunhos; sob sua instigação ou sob o efeito de doenças mentais, os vivos se fariam passar por mortos de retorno à vida, e homens teriam encontrado mais problemas e enganos que proveitos em uma situação tão confusa (vide a confusão gerada pelos relatos de pacientes quase mortos, produzidos pelo Dr. Moody). A palavra que Cristo põe na boca de Abraão: "Eles têm Moisés e os profetas, que eles os escutem" (Lc 16,29) é menos uma interdição de se interessar à condição do homem após a morte do que um convite a examinar as visões e as palavras dos profetas e o testemunho e os ensinamentos dos santos, os quais, em seu conjunto comportam as indicações necessárias. (Avant-propos — Life after Death according to the Orthodox Tradition, Jean-Claude Larchet. Ed. Cerf)
A morte: origem e sentido espiritual
Os padres são unânimes em considerar que Deus não criou a morte:
A morte não tem realidade positiva: ela só existe pela perda da vida; faz parte dos males que só existem pela perda ou ausência do bem; ora Deus criou o mundo inteiramente bom e deu ao homem a vida como um bem.
O homem era por conseguinte imortal? Muitos Padres respondem positivamente e consideram que a morte era totalmente estranha à natureza própria do homem; mas outros hesitam em fazer tal afirmação1 . Se apoiando sobre o versículo do Gênesis (2,7), segundo o qual “Deus formou o homem do pó da terra” (vide Paul Nothomb), estes últimos, preocupados em manter a distinção entre o criado e o incriado, supõem que o corpo do homem era em sua primeira origem e segundo sua natureza própria um composto instável, corruptível e mortal. Alguns Padres preferem dizer, com certos nuances, que o homem foi criado “visando à incorruptibilidade”2 ou “visando à imortalidade” (Gregorio de Nissa), ou que pertencia a sua natureza tender a participar da imortalidade divina (Gregorio de Nissa); eles falam ainda da incorruptibilidade e da imortalidade “prometidas” (Santo Atanásio da Alexandria), indicando que elas não eram de pronto definitivamente adquiridas como teriam sido se tivessem sido propriedades ligadas à natureza mesma do homem.
Os Padres se entendem com efeito para afirmar que a incorruptibilidade e a imortalidade do primeiro homem eram devidas somente à graça divina. Logo depois de ter criado o homem do pó do solo, Deus, diz o Gênesis, “soprou sobre sua face um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivo”; neste sopro os Padres viram a alma, mas também o Espírito divino (Gregorio Palamas). É porque eles estavam penetrados das energias divinas que sua alma e seu corpo possuíam qualidades sobrenaturais. Assim, São Gregório Palamas (Homilias LVII) nota que “a graça divina preencheu por numerosos benefícios à insuficiência de nossa natureza”. É por esta graça também que o corpo tornou-se incorruptível e imortal (Basilio). Santo Atanásio da Alexandria fala do homem vivendo uma “vida imortal” enquanto “possuindo os dons de Deus e o poder próprio que lhe vêm do Verbo do Pai”, e ele nota que “os homens eram de uma natureza corruptível, mas” que, “pela graça da participação do Verbo”, eles podiam “escapar a esta condição de sua natureza, a não ser por causa do Verbo que estava presente neles, a corrupção da natureza não estaria aproximando deles”.
NOTAS
Excertos: