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id da página: 12744 Izutsu (TIST) – Aquele que conhece a si mesmo, conhece seu senhor Toshihiko Izutsu

Izutsu (TIST) – Aquele que conhece a si mesmo, conhece seu senhor

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Conheço o Senhor através do Senhor sem dúvida ou incerteza. Minha essência é realmente Sua essência sem falta ou imperfeição. Não há alteridade entre Nós e meu eu é o lugar onde o invisível aparece. Já que conheço a mim mesmo sem mistura ou mácula, alcancei a união com meu amado sem distância ou proximidade. Recebi um presente transbordante sem qualquer concessão ou interação. Meu eu não desapareceu Nele nem permanece aquele que desapareceu.

Se alguém pergunta: Afirmas Deus e negas a existência de tudo mais, então o que são essas coisas que vês; a resposta é esta: Estas palavras são para aqueles que não veem nada além de Deus. Não temos discussão com aqueles que veem algo além de Deus, pois eles apenas veem o que veem. Quem conhece a si mesmo não vê nada exceto Deus, mas quem não conhece a si mesmo não vê Deus. Cada recipiente apenas exala o que há dentro dele.

Whoever Knows their Self, Knows their Lord. An Explanation of the Oneness of Being. Awhad al-din Balyani – Sufi – Persia – 13th century

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Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor

Até aqui chega a segunda fase, em que «o homem conhece a seu Senhor mediante o conhecimento de si mesmo». Vejamos a terceira e última das três fases.

Começaremos por citar uma curta descrição desta por Ibn Arabi.

Após esses dois estádios, chega-se à «revelação» final. Nossas formas se verão nisso ou seja, no Absoluto de tal maneira que todos nós nos revelaremos uns aos outros no Absoluto. Nos reconheceremos mutuamente e, ao mesmo tempo, nos distinguiremos uns dos outros.

O significado desta declaração algo enigmática pode ser explicado da seguinte maneira: aos olhos de um homem que alcançou este estado espiritual, surge uma cena de extraordinária beleza. Vê todas as coisas existentes aparecer no espelho do Absoluto e aparecer uma na outra. Todas essas coisas fluem umas nas outras e se impregnam mutuamente de tal modo que se tornam transparentes para as demais, conservando, ao mesmo tempo, sua própria individualidade. Tal é a experiência da «revelação» kashf.

Observe-se a este respeito que al-Qâshânî divide a «revelação» em duas fases:

A primeira «revelação» ocorre no estado de «aniquilação» de si mesmo fanâ’ no Absoluto. Nesse estado, o homem que vê e o objeto visto não são senão o Absoluto. É o que se denomina «unificação» jam’. A segunda «revelação» é «subsistência» baqâ’ após a «aniquilação» de si mesmo. Nesse estado espiritual, as formas do mundo criado fazem sua aparição; manifestam-se umas às outras no Absoluto. Desse modo, a Realidade age como espelho das criaturas. E o Ser único se diversifica em multidão através das inúmeras formas das coisas. A realidade do espelho é o Absoluto, e as formas que nele aparecem são as criaturas. As criaturas, nessa experiência, conhecem-se umas às outras e, ao mesmo tempo, cada uma se distingue das demais.

Al-Qâshânî prossegue dizendo que alguns dos que abriram os olhos mediante a segunda «revelação» alcançam o estado de «perfeição» kamâl. São homens «que não estão velados em relação ao Absoluto pela visão das criaturas e que reconhecem os Múltiplos no seio mesmo da Unidade real do Absoluto». Tais são as «pessoas da perfeição» ahl al-kamâl, cujos olhos não estão velados pela divina Majestade ou seja, o aspecto dos Múltiplos fenomênicos em relação à divina Beleza o aspecto do Uno metafísico, nem pela divina Beleza em relação à divina Majestade. O último ponto é mencionado com especial ênfase, já que, segundo a interpretação de al-Qâshânî, a primeira «revelação» consiste exclusivamente em uma experiência da Beleza jamâl, enquanto a segunda é principalmente uma experiência da Majestade jalâl, de modo que, em cada caso, existe certo perigo de que os místicos destaquem exclusivamente uma ou outra.

A primeira «revelação» só põe em evidência a Beleza. O sujeito que a experimenta só presencia Beleza... Desse modo, encontra-se naturalmente velado pela Beleza e não pode ver a Majestade.

Mas entre os que experimentam a segunda «revelação», alguns se encontram velados pela Majestade e não veem a Beleza. Tendem a imaginar e representar o estado de coisas neste plano através das criaturas distintas do Absoluto, e por isso a visão das criaturas os impede de ver o Absoluto.

Ibn Arabi descreve a mesma situação de maneira diferente e concisa:

Alguns de nós as «pessoas da perfeição» têm consciência de que esse supremo conhecimento acerca de nós [[O «conhecimento supremo acerca de nós» remete mais uma vez ao mencionado anteriormente; a saber, a extraordinária cena em que todas as coisas existentes se impregnaram mutuamente, conservando ao mesmo tempo sua individualidade.]] ou seja, os Múltiplos fenomênicos ocorre unicamente no Absoluto. Mas outros os místicos não tão perfeitos são inconscientes da verdadeira natureza dessa Presença a saber, o plano ontológico que se revela na experiência de baqâ’ em que dito conhecimento acerca de nós os Múltiplos fenomênicos ocorre [[Significa que os Múltiplos fenomênicos, sendo como são divina Majestade, são um aspecto do Absoluto, assim como o Uno metafísico que aparece como divina Beleza. O conhecimento dos Múltiplos fenomênicos através do baqâ’ é conhecimento do Absoluto ao mesmo título que o do Uno metafísico através do fanâ’.]]. Deus me livre de ser dos ignorantes!

A modo de conclusão, resumamos neste ponto a interpretação que Ibn Arabi dá da Tradição: «Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor».

Começa por sublinhar que o autoconhecimento do homem é a premissa absolutamente necessária para seu conhecimento do Senhor, e que o conhecimento do Senhor pelo homem só pode resultar do conhecimento de si mesmo.

O que importa aqui é que a palavra «Deus» Rabb, na terminologia de Ibn Arabi, significa o Absoluto manifestando-se através de um Nome determinado. Não se refere à Essência, que ultrapassa qualquer determinação e transcende qualquer relação. Assim, «Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor» não sugere de modo algum que o autoconhecimento de um homem permita a este conhecer o Absoluto em sua Essência pura. Não importa o que faça, por mais profunda que seja sua experiência de «revelação», terá que parar no nível do «Senhor». Nele encontra-se o limite da cognição humana.

Em sentido contrário, porém, a mesma cognição humana é capaz de abranger um campo surpreendentemente amplo em seu esforço por conhecer o Absoluto. Afinal, o Absoluto em seu aspecto autorrevelador é, na última e definitiva fase de sua atividade, o mundo em que vivemos. E «cada parte do mundo» é indicadora de sua própria base ontológica, que é «seu Senhor». Por outro lado, o homem é a parte mais perfeita do mundo. Se esta chega a conhecer-se a si mesma mediante o autoconhecimento ou a autoconsciência, será naturalmente capaz de conhecer, dentro dos limites do possível, o Absoluto, na medida em que se manifesta no mundo.

Parece que resta uma questão crucial: o homem é realmente capaz de conhecer-se a si mesmo com tanta profundidade? No entanto, este é um problema relativo. Se se toma a expressão «conhecer-se a si mesmo» no sentido mais rigoroso, a resposta será negativa. Mas se se toma em sentido geral, a resposta será positiva. Como diz Ibn Arabi, «Acertarás dizendo “Sim” e acertarás dizendo “Não”».

Toshihiko Izutsu — Sufismo e Taoismo

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