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id da página: 7700 MICHEL HULIN AHAMKARA Michel Hulin

Hulin Si Mesmo


VIDE: O REFLEXO DA CONSCIÊNCIA

Si Mesmo
Buscamos compreender como o pensamento indiano — e singularmente o pensamento bramânico — veio a construir um misterioso «princípio do ego» que assinalaria, ao mesmo tempo ocultando-o, o atman identificado ao absoluto. Ora, desde os Upanixades mais antigos, o atman está presente com a significação transcendente que conhecemos (ou cremos conhecer) e eclipsa a aparência sem prestígio representada pelo «nome e forma», quer dizer a individualidade empírica. A concepção «dramática» da individuação, característica do Advaita medieval, não parece portanto, em uma primeira abordagem, poder se reivindicar legitimamente destes textos. O fato é no entanto, que a primeira menção conhecida do termo ahamkara se encontra no Chandogya Upanixade. A estrutura do termo qualquer que seja sua significação inicial, trai uma origem artificial, sábia: forjou-se um vocábulo novo para exprimir uma dimensão da individualidade que não podia traduzir o clássico «nome e forma». Poderia ser portanto que nas origem mesma da especulação indiana a transcendência sem partilhamento do atman seja uma armadilha e mascare de fato uma relação essencial ao ego. Logo convém pôr em questão esta transcendência suposta, examinar como a significação atman se constitui nos Upanixades eles mesmos.

O termo é, verdadeiramente, antigo e os Upanixades o retomam carregado de toda evolução semântica. Lembremos brevemente as conclusões comuns a maio parte das exposições clássicas consagradas a esta questão. Trata-se a princípio menos de uma série evolutiva que de um conjunto coordenado de significações que talvez tenham sempre coexistido. Passa-se do sentido de «respiração» (cf. alemão atmen) àquele de «sopro vital» em seguida àquele de «princípio das ações e dos pensamentos», quer dizer de «alma». Estes termos denotam a maneira pela qual um ser se constrói e se organiza do interior em se separando do mundo que o cerca, de onde justamente o sentido de «si mesmo» e o emprega como pronome reflexivo. Paralelamente, uma outra série de significações faz referência ao resultado deste processo: atman designa então tudo o que é uno, tudo o que forma uma totalidade estruturada, assim o tronco em relação aos membros, o corpo como organismo completo. Daí derivam os valores de «natureza própria», «essência» e finalmente «alma» onde vêm convergir as duas séries. Enfim, o princípio mesmo da correspondência microcosmo-macrocosmo permite definir um atman individual e um atman cósmico ao mesmo tempo que convida a estabelecer um atman absoluto, fundamento dos dois primeiros. Logo importa notar que a gama das significações do termo atman se apresenta pro completo ao estado dos Brahmana. Melhor, os textos reunidos por A.B. Keith, mostram à evidência que a concepção abstrata ou «espiritual do atman, como distinto dos sentidos e dos sopros, não é uma descoberta dos Upanixades. E assim vale para a ideia da identificação dos dois atman. O que vem a ser incompreensível, se os Upanixades só fazem percorrer vias já trilhadas, é a consciência que têm seus autores de aportar uma «boa nova», de relatar uma percepção decisiva. O interesse se relaciona assim sobre as experiências, as démarches originais a partir das quais a significação convencional «alma» poderia se tornar concreta, nos Upanixades, e justificar sua reputação de textos «revolucionários».