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id da página: 3137 MARIE MADELEINE DAVY — INICIAÇÃO MEDIEVAL. A FILOSOFIA NO SÉCULO XII Marie Madeleine Davy

Davy Medieval

MARIE MADELEINE DAVY — INICIAÇÃO MEDIEVAL. A FILOSOFIA NO SÉCULO XII


"Initiation Médiévale. La philosophie au douzième siècle", de Marie-Madeleine Davy (Albin Michel, 1980).

No início do século XII, o conhecimento filosófico medieval floresce harmoniosamente. Mais tarde, no mundo latino, a unidade da filosofia será quebrada. O olhar do intelecto procurará discernir as facetas de seu rosto sem as ligar ao Princípio que ela encarna no tempo. Realizar a unidade consiste em se manter no interior de uma Ordem. Aquela da qual falava Nicolau de Gerasa a propósito da necessidade de uma Ordem no seio da multiplicidade. Um mestre de Chartres, Guilherme de Conches, também possui o sentido, quando escreve que o mundo é um “conjunto ordenado” de criaturas. Daí a hierarquia dos saberes, o primado da contemplação sobre a ação, da theoria sobre a prática, da vida de sabedoria sobre aquela que se distancia dela. Daí ainda a ordenação do discurso, dessa linguagem que tende a descrever quando renuncia ao absoluto do silêncio. Enquanto arte de viver e de morrer, a sabedoria manifesta a vida bem-aventurada e o cumprimento dos possíveis. É por isso que o filósofo aparece ao mesmo tempo hierofante e intermediário entre os homens e o divino.

A filosofia medieval é ao mesmo tempo sabedoria, religião, ciência da vida espiritual, poesia e alquimia. Conhecimento de si mesmo, de Deus e do universo, ela engloba todos os saberes. Por causa de sua ignorância, os homens tentam às vezes reduzi-la a um pensamento racional, eles fazem assim momentaneamente oscilar sua abordagem. A filosofia supera a razão sem, no entanto, a rejeitar. Que a filosofia se afaste da sabedoria, eis que ela está mutilada. Que ela se aproxime e coincida com ela, sua amplitude responde a sua vocação. Nas tradições judaica, cristã e no Islã, a filosofia pertence portanto aos sábios, apesar dos dialéticos que desejam reivindicar o monopólio e tagarelam a seu respeito.

Para esta filosofia, é importante antes de tudo abrir um caminho. Ela precisa procurar sua via, emergir das artes liberais a fim de ocupar o lugar que lhe cabe. Herdeira da antiguidade, ela sofre a fascinação do pensamento grego, ao mesmo tempo o combate e o batiza, o renega e o adota e muitas vezes se deixa helenizar. Platão — conhecido diretamente ou ainda através de seus tradutores e intérpretes — será sempre considerado como o mestre por excelência dos contemplativos, daqueles que aderem à interioridade sem sofrer o fluxo dos eventos da História. Mais tarde, a descoberta de Aristóteles trará aos espíritos “disputadores” um quadro e um sistema.

O helenismo não é o cristianismo. O Verbo ao se encarnar traz uma “novidade de vida”, modifica as relações entre o divino e o humano, o invisível e o visível. Ele inaugura uma nova relação com o Pai, o Deus que se revela e fala aos homens. A Bíblia constitui a tela sobre a qual se desenha o ornamento medieval. Assim, a filosofia do século XII repousa sobre o oceano bíblico, desposando sua beleza, sua cor, sua densidade e seu perfume. Em sua jornada, a filosofia é guiada pelos Padres da Igreja. Quando a filosofia se afasta da Bíblia, ela se distancia de sua fonte e se heleniza.

A filosofia nem sempre é respeitada e amada. A secularização do espiritual constitui a armadilha escancarada pronta a reter em seus laços os homens privados do sentido interior. Diante deles, os amigos da Sabedoria estão prontos para oferecer sua vida pela realização do Reino de Deus. Tenta-se às vezes amordaçá-los para fazê-los calar, pode-se até mesmo assassiná-los. Que importa! Esclarecidos pela luminosa Sabedoria, eles não temem os perigos e aceitam em paz seu destino rigoroso. Em certos casos, as autoridades eclesiais tentam reger a filosofia e regulamentá-la. Mas a filosofia é alada e “em vão se jogam redes àqueles que têm asas”. A Sabedoria não saberia se domesticar e vestir as roupas de uma serva. Ela se basta a si mesma, pois está ligada ao “Espírito que sopra onde ele quer”.

Enquanto fruto de um conhecimento e de um amor unificados, a filosofia floresce nas abadias e nos eremitérios. Os monastérios constituem escolas onde se ensina a filosofia e os monges aprendem a se tornar filósofos. São eles que, solitários e desapegados do mundo, se tornam os perfeitos amantes da filosofia.

Em seu ápice, a filosofia é mística. Ela mergulha no mistério obscuro por excesso de luz. O que está escondido se revela. Os véus se rasgam e os olhos veem, enquanto os ouvidos ouvem murmurar os segredos que os outros seriam incapazes de ouvir. Os sentidos do homem interior, isto é, do verdadeiro filósofo, se desdobram e um universo novo se descobre em seu esplendor. Convém então decifrar os sinais, traduzir os símbolos, transpor para o plano da meta-história o conteúdo do que é intraduzível por causa de sua inefabilidade. Diante dos visionários, operam-se irrupções súbitas de uma extrema brevidade.

Dedicada à busca da face divina, a filosofia é essencialmente contemplativa. Ela consiste na escolha da melhor parte, aquela que a morte não saberia suspender. No tempo, ela se orienta para a eternidade. Sua plenitude ainda não é total. Durante o exílio, ela escolhe a “via real” que é um caminho de retorno para sua verdadeira pátria.

A Sabedoria é uma. Como uma bebida preciosa derramada em vasos de formas e matérias diferentes, o elixir permanece idêntico. Conforme as tradições, os graus ascensionais levam nomes diversos. O ápice é único e cada um recebe e vive o ensinamento da sabedoria conforme sua capacidade. Filosofar não significa criar um sistema, emitir uma nova doutrina, mas viver segundo as leis da sabedoria. É assim que se dedicar à filosofia, ser filósofo, significa se dedicar ao conhecimento, ter a experiência, se tornar o amigo da Sabedoria, no sentido mesmo em que Pitágoras recusava a denominação de sophos, preferindo a de philosophos que respondia melhor à sua busca. O filósofo é um iniciado.



INICIAÇÃO MEDIEVAL

Prefácio
Preliminar

  • O sentido de uma época
    • A fragmentação da história
    • A Idade Média
    • A Idade Média no espaço
  • Originalidade do século XII e a Filosofia
  • A Origem da Sabedoria e da Filosofia
  • Lugar da filosofia nas artes liberais
    • A Filosofia e as artes do Trivium e do Quadrivium
    • A cristianização das artes liberais
    • As escolas e as artes liberais
    • O monaquismo e as artes liberais
    • A filosofia grega
  • Sabedoria e Filosofia no Antigo Testamento
    • A sabedoria e o sábio no Antigo Testamento
  • Encontro entre as tradições judaica e grega: Filão
  • Sabedoria e Filosofia no Novo Testamento
  • A Patrística: Padres gregos e latinos
    • Os Padres da Igreja e a Filosofia
    • Padres gregos
    • O "latrocínio" cometido pelos gregos
    • O enxerto
    • Subordinação à filosofia grega
    • O "Corpus areopagiticum"
    • Padres latinos

A via do filósofo

  • A conversão à filosofia
    • Encontro com a Filosofia
    • Filosofia e Boécio
    • O acesso ao país da Filosofia
    • Os modelos do Filósofo
    • A Mãe divina, Filósofo
  • Os livros da Filosofia
    • Os livros da Natureza e a Escritura santa
    • O universo é um todo
    • Natureza e idolatria
    • O visível conduz ao invisível
    • O livro das Escrituras sagradas
    • A Escritura na tradição judaica
    • Presença de Deus e da Natureza no homem
    • O livro do dentro
    • Se conhecer e viver consigo
    • O templo da Sabedoria
    • A ornamentação do templo
  • As escolas de filosofia no século XII
    • Filósofos do tempo e filósofos da eternidade
    • O monge-filósofo e a teologia
    • A ciência profana
    • A aquisição da verdadeira Filosofia
  • As escolas de filosofia profana
    • A escola de Abelardo
    • A escola de Chartres
    • As escolas de cônegos regulares
    • A escola de São-Victor
  • As escolas de filosofia do Cristo
    • A escola cisterciense
    • Os filósofos da experiência: os cartuxos

As Filosofias

  • A filosofia profética
    • Evolução do profetismo
    • Inspiração dos profetas
    • Profetismo místico
    • Profetismo do século XII
    • Faces de profetas
    • O profetismo político-religioso
    • Messianismo
    • Presença do invisível
    • Natural e sobrenatural
    • Sentido do maravilhoso
  • A filosofia ascética
    • O papel da ascese
    • O encratismo
    • O valor da intenção
    • Os sentidos exteriores e interiores do monge-filósofo
    • O celibato do filósofo
    • As nupcias do filósofo com a sabedoria
  • A filosofia monástica
    • Características do monaquismo ocidental
    • A vestimenta do monge-filósofo
    • A comunidade religiosa
    • O monge-filósofo e a pobreza
    • O manual do monge-filósofo: O Cântico dos Cânticos
  • A filosofia eremítica
  • Filosofia e vida angélica
  • A passagem da tenda à casa da Sophia

Conclusão