Em terminologia menos mitológica, isso pareceria implicar que o tanzih de Noé é aquele exercido pela Razão de um homem comum vivendo com todas as suas limitações corporais, enquanto o de Enoque é um tanzih exercido pelo puro Intelecto ou Consciência mística existindo à parte das condições corporais.
O Intelecto, estando completamente liberto da escravidão do corpo, funciona não como a faculdade humana natural do pensamento lógico, mas como uma espécie de intuição mística. É por isso que sua atividade é chamada de 'tanzih de sabor imediato'. Em qualquer das duas formas, no entanto, o tanzih, na visão de Ibn Arabi, é unilateral e imperfeito. Somente quando combinado com o tashbih ele se torna a atitude correta do homem em relação ao Absoluto. A razão para isso é, como tem sido frequentemente observado acima, que o próprio Absoluto não é apenas um Transcendente absoluto, mas também um Auto-revelador para o mundo no mundo.
Somente quando se combina tanzih e tashbih na própria atitude se pode ser considerado um ‘conhecedor verdadeiro’ (‘arif) do Absoluto. Ibn Arabi, contudo, associa a essa afirmação uma condição, a saber: não se deve tentar fazer tal combinação senão de modo geral e não especificado, pois é impossível fazê-lo de outra maneira. Assim, mesmo o ‘conhecedor verdadeiro’ conhece o Absoluto apenas de maneira geral, sendo-lhe totalmente desconhecidos os detalhes concretos. Isso pode ser facilmente compreendido se se refletir sobre o modo como o homem conhece a si mesmo. Mesmo quando possui autoconhecimento, ele só se conhece de modo geral; não pode ter um conhecimento abrangente de si a ponto de incluir todos os detalhes de seu ser sem omitir absolutamente nada. Da mesma forma, ninguém pode ter um conhecimento verdadeiramente abrangente de todos os detalhes concretos do mundo, mas é precisamente em todas essas formas que se atualiza a automanifestação do Absoluto. Por isso, tashbih deve, por necessidade, assumir uma forma geral e ampla; nunca pode ocorrer de maneira concretamente especificada.
(O Absoluto) é internamente o 'espírito' de tudo o que aparece externamente (no mundo fenomênico). Nesse sentido, é o Interno. Pois a relação que mantém com as formas fenomênicas do mundo é como a da alma (do homem) com seu corpo, que ela governa.
O Absoluto nesse aspecto se manifesta em todas as coisas, e estas, nesse sentido, não passam de tantas formas 'determinadas (ou limitadas)' do Absoluto. Mas se, deslumbrados por isso, enfatizarmos exclusivamente a 'assimilação' (tashbih), cometeríamos exatamente o mesmo erro de ser unilaterais como se recorressemos apenas ao tanzih. 'Aquele que "assimila" o Absoluto delimita e determina o Absoluto em nada menos do que aquele que o "purifica", e é ignorante do Absoluto'. Como diz al-Qāshānī:
Aquele que 'assimila' o Absoluto o confina em uma forma determinada, e qualquer coisa que esteja confinada dentro de um limite fixo é, nesse mesmo aspecto, uma criatura. Disso vemos que a totalidade desses limites fixos (ou seja, coisas concretas), embora não seja nada além do Absoluto, não é o próprio Absoluto. Isso porque a Única Realidade que se manifesta em todas as determinações individuais é algo diferente dessas determinações reunidas.
Somente quando se combina tanzih e tashbih em sua atitude, pode-se ser considerado um 'verdadeiro conhecedor' ('arif) do Absoluto. Ibn Arabi, porém, acrescenta a essa afirmação uma condição, a saber, que não se deve tentar fazer essa combinação exceto de maneira geral e não especificada, porque é impossível fazê-lo de outra forma. Assim, mesmo o 'verdadeiro conhecedor' conhece o Absoluto apenas de maneira geral, os detalhes concretos dele sendo totalmente desconhecidos. Isso pode ser facilmente compreendido se se refletir sobre a maneira como o homem conhece a si mesmo. Mesmo quando tem autoconhecimento, conhece-se apenas de maneira geral; não pode possivelmente ter um conhecimento abrangente de si mesmo de tal forma que cubra todos os detalhes sem deixar nada de fora. Da mesma forma, ninguém pode ter um conhecimento verdadeiramente abrangente de todos os detalhes concretos do mundo, mas é precisamente em todas essas formas que a automanifestação do Absoluto se atualiza. Assim, o tashbih deve necessariamente assumir uma forma ampla e geral; nunca pode ocorrer de maneira concretamente especificada.
Quanto ao fato de o Absoluto se manifestar em tudo, ou seja, tudo o que existe fora de nós e dentro de nós, Ibn Arabi cita um versículo do Alcorão e acrescenta a seguinte observação:
Deus diz (no Alcorão): 'Mostrar-lhes-emos Nossos sinais no horizonte e em si mesmos, para que lhes fique claro que é a Realidade' (XLI, 53). Aqui, a expressão 'sinais no horizonte' refere-se a tudo o que existe fora de ti, enquanto 'em si mesmos' refere-se à tua essência interior. E a frase: 'que é a Realidade' significa que é a Realidade no sentido de que tu és sua forma eterna e ele é teu espírito interior. Assim, tu és para o Absoluto como tua forma corporal é para ti.
O resultado de tudo isso é a visão mencionada acima, a saber, que o único caminho correto a seguir nesse assunto é unir tanzih e tashbih. Recorrer exclusivamente ao tashbih em sua concepção do Absoluto é cair no politeísmo; afirmar o tanzih excluindo o tashbih é separar o divino de todo o mundo criado. A atitude correta é admitir que, 'tu não és Ele (ou seja, o mundo fenomênico é diferente do Absoluto), não, tu és Ele, e tu O vês em coisas concretamente existentes absolutamente indeterminadas e ainda determinadas'. E uma vez que se atinge esse conhecimento intuitivo supremo, tem-se completa liberdade de assumir a posição de 'unificação' (jam‘, literalmente 'reunião') ou de 'dispersão' (farq, literalmente 'separação'). Sobre esses dois termos, jam‘ e farq, al-Qāshānī comenta:
Assumir a posição de 'unificação' significa que se volta a atenção exclusivamente para o Absoluto sem levar em consideração as criaturas. Essa atitude é justificada porque o Ser pertence apenas ao Absoluto, e qualquer ser é o próprio Absoluto.
(A posição de 'dispersão' significa que) se observa as criaturas no Absoluto no sentido de se observar como o essencialmente Um se diversifica no Múltiplo por meio de seus próprios Nomes e determinações. A posição de 'dispersão' é justificada em vista das determinações criaturiais (do Absoluto) e do envolvimento da 'Ele-idade' do Absoluto na 'Isto-idade' (ou seja, determinações concretas) do mundo criado.
A distinção entre 'unificação' e 'dispersão', assim explicada por al-Qāshānī, é importante e toca um ponto central da ontologia de Ibn Arabi. Como já sabemos, a distinção é mais frequentemente expressa por tanzih e tashbih. Examinaremos agora a distinção e a relação entre os dois com mais detalhes e de um ângulo um pouco diferente.
O tipo de tanzîh absoluto defendido por Noé é chamado por Ibn Arabi de furqan, um termo corânico ao qual ele atribui um significado original, e que desempenhará o papel de um termo-chave em seu sistema.
A palavra furqan, na interpretação de Ibn Arabi, deriva da raiz FRQ, que significa "separar". Poder-se-ia esperar que ele a usasse para designar o aspecto de "dispersão" (farq) mencionado alguns parágrafos antes, que também deriva exatamente da mesma raiz. Na realidade, porém, ele entende por furqan o contrário de "dispersão". "Separar" aqui significa distinguir de maneira radical o aspecto da Unidade daquele da auto-manifestação diversificada do Absoluto. Furqan significa, assim, um tanzîh absoluto e radical, uma atitude intransigente de tanzîh que não permite sequer um toque de tashbîh.
Noé exortou seu povo a um tanzîh radical, mas eles não o ouviram. Então Noé, segundo o Alcorão, apresentou uma queixa amarga a Deus contra esse povo infiel, dizendo: "Chamei meu povo dia e noite, mas minha advertência não fez senão aumentar sua aversão" (LXXI, 5-6).
À primeira vista, este versículo descreve Noé queixando-se da teimosia de seu povo e acusando-o severamente por essa atitude pecaminosa. Por mais que ele os exorte ao monoteísmo puro, diz ele, eles apenas fecham os ouvidos às suas palavras. Essa é a compreensão normal do versículo.
Ibn Arabi, no entanto, oferece uma interpretação extremamente original, tão original, de fato, que certamente chocará ou mesmo escandalizará o senso comum. A passagem a seguir mostra como ele entende este versículo.
O que Noé quer dizer é que seu povo fechou os ouvidos a ele porque sabia o que necessariamente ocorreria se respondessem favoravelmente à sua exortação. (Superficialmente, as palavras de Noé podem parecer uma acusação amarga), mas os verdadeiros "conhecedores de Deus" estão bem cientes de que Noé está simplesmente elogiando seu povo em uma linguagem de acusação. Como eles (os verdadeiros "conhecedores" de Deus) entendem, o povo de Noé não o ouviu porque sua exortação era, em última análise, uma exortação ao furqan.
Em termos mais simples, isso equivaleria a dizer que (1) Noé repreende seu povo exteriormente, mas (2) na verdade ele está apenas elogiando-os. E sua atitude é digna de alto louvor porque sabiam (por instinto) que aquilo a que Noé os chamava não era senão um tanzîh puro e radical, e que tal tanzîh não era a atitude correta do homem diante de Deus. O tanzîh em sua forma radical e em seu limite extremo levaria inevitavelmente o homem ao Absoluto em si, que é absolutamente Incognoscível. Como poderia o homem adorar algo que é absolutamente desconhecido e incognoscível?
Se Noé tivesse sido mais prático e realmente desejasse guiar seu povo à forma correta de fé religiosa, ele deveria ter combinado tanzîh e tashbîh. Uma combinação harmoniosa de tanzîh e tashbîh é chamada por Ibn Arabi de qur'an. O qur'an é a única atitude correta do homem diante de Deus.
O caminho (religioso) correto é o qur'an, não o furqan. E (é natural) que aquele que está na posição de qur'an jamais ouça (uma exortação ao) furqan, mesmo que este último esteja contido no primeiro. O qur'an implica furqan, mas o furqan não implica qur'an.