Epístola das Altas Torres
Henry Corbin: Tradução do árabe
Esta "Epístola das Altas Torres" foi, como o "Relato do Exílio Ocidental", redigida por Sohravardi em árabe, diferentemente dos outros relatos e tratados místicos reunidos aqui, os quais foram todos redigidos em persa. A edição do texto foi fornecida pelo próprio autor em outro lugar.
(1) Primeiramente, é necessário explicar o título deste tratado, título que se apresenta sob uma dupla forma. A melhor explicação de uma e de outra encontra-se no grande comentário que foi composto sobre este tratado por um autor originário de Bastâm no Khorassan, compatriota consequentemente de Abû Yazîd Bastâmî (recorda-se que a vocalização persa exata é Bastâm e não Bistâm, como se insiste em escrever no Ocidente). O comentador em questão se chamava 'Alî ibn Majdoddîn ibn Moh. ibn Mahmûd Shahrûdî Bastâmî, conhecido pelo cognome de Mosannifak. Nascido em 803/1400-01, faleceu em 873/1468-69. Escreveu seu comentário no final de sua vida, em Andrinopla, em 866/1461-62, e precedeu-o de uma longa e interessante dissertação sobre o sufismo de seu tempo, na qual relata suas próprias experiências místicas. Deu como título ao conjunto: "Solução das Enigmas e Descoberta dos Tesouros" (Hall al-romûz wa-kashf al-konûz). Já foi observado em outro lugar que um dos manuscritos confere ao Shaykh al-Ishraq não a simples qualificação de "Shaykh maqtûl" (o Shaykh morto, executado), mas a qualificação de shahîd, "mártir", que lhe reconhecem seus discípulos: "o Imã mártir Sohravardi".
(2) Quanto às duas formas sob as quais se apresenta o título, eis o que ocorre:
a) Uma primeira forma é fornecida desde a estrofe 1: "Palavras de sabor místico e golpes de ardente desejo" (Kalimât dhawqîya wa-nikât shawqîya). O comentador insiste nas intenções do autor, observando que em toda parte em seus livros, o Shaykh al-Ishraq designa o conhecimento próprio do místico como "luz do coração" (nûr al-qalb). Esta luz do coração pertence essencialmente ao gosto íntimo, à experiência interiormente saboreada; este é o sentido do latim sapere, e se o sentido do adjetivo não tivesse evoluído, poder-se-ia traduzir etimologicamente: "Palavras sapienciais". Esta "sapiência" caracteriza o que Sohravardi opõe como hikmat dhawqîya (sabedoria divina, teosofia proposta ao gosto íntimo que só pode saboreá-la) à hikmat bahthîya, a filosofia teórica e dialética. Em suma, estas duas palavras marcam o contraste entre a teosofia iluminativa, a dos "Orientais" no sentido metafísico da palavra (hikmat al-Ishraqiyun) e a filosofia dos Peripatéticos (hikmat al-Mashshâyîn). Tal é o propósito do "Livro da Teosofia Oriental", o qual se dirige apenas àqueles que possuem ao mesmo tempo o conhecimento filosófico e a experiência espiritual do místico.
(3) Quanto ao segundo termo que compõe o título sob sua primeira forma, nikât shawqîya, o comentador observa que ele vem complementar felizmente o primeiro. As "palavras" têm por propósito enunciar algo; o fato da enunciação comporta que haja uma literalidade do enunciado, e esta literalidade é seu aspecto exotérico (zahir). Mas já o qualificativo dhawqîya anuncia que estas palavras comportam uma significação oculta esotérica (batin), que só pode ser compreendida pelo gosto íntimo que é próprio do homem de desejo. A palavra nikât é o plural de nokta. A raiz nkt conota o sentido de golpear no solo, seja com uma vara, seja com a mão ou o pé, e nele imprimir uma marca. Nikât, são os traços, as marcas, assim deixados no solo (donde a palavra nokta, plural nokat, assumindo o sentido de proposição subtil, marcante, etc.). Aqui trata-se das marcas ou traços que trazem o golpe do ardente desejo, e estes golpes indicam o sentido oculto das "palavras de sabor místico" propostas à compreensão do gosto íntimo.
b) Quanto à outra forma sob a qual é também intitulado o presente opúsculo de Sohravardi, é a que foi adotada aqui: "A Epístola das Altas Torres" (Risâlat al-abrâj). A palavra borj é bem conhecida em árabe, onde não é senão a transcrição do grego pyrgos, "torre", que se reencontra no Ocidente medieval sob a forma Burg em alemão, castelo-forte (o Burg do Graal, por exemplo). No tratado anterior, o "Vade-mecum dos fiéis de amor", encontrou-se a ideia do castelo-forte sob uma dupla exemplificação: de um lado o Castelo-forte da Alma, em persa Shahrestân-é Jân, designando o universo dos seres espirituais, o mundo do Anjo; de outro lado, o castelo-forte do microcosmo. Era este que era necessário atravessar para acessar o avanço do Castelo-forte da Alma. É exatamente o que ocorre no presente tratado, e é também, como se verá mais adiante, o que faz a ligação especial entre o "Vade-mecum" e a "Epístola das altas torres".
(4) A respeito da palavra borj, o comentador Mosannifak observa que a forma plural corrente da palavra é borûj. Sob esta forma, a palavra é de uso corrente para designar os signos do zodíaco, as doze "altas torres", "donjons" ou "castelos-fortes" celestes que são as constelações zodiacais (é o que ilustra a iconografia de certos tratados de cosmografia). Quanto ao plural abrâj que figura no título do presente tratado, Mosannifak vê nele uma forma pouco usada, um plural de plural (formado sobre o plural borûj). Entretanto, se Sohravardi dá preferência à forma abrâj, também lhe ocorre empregar a forma borûj. Há sem dúvida nele a intenção de evitar toda confusão com o sentido corrente da palavra borûj, pois não se trata aqui dos signos do zodíaco da astronomia física. Trata-se das altas torres, em número de dez, ladeando a cidadela do microcosmo que é necessário conquistar para atingir o Castelo-forte da Alma, — estas altas torres desempenhando em relação a este último o papel de certa forma defensivo do Céu das Estrelas Fixas (céu do zodíaco) em relação à Esfera das Esferas. Conquistar estas altas torres, será transcendê-las, e só se as transcendem "interiorizando-as", isto é, elevando-as ao nível do mundo imaginal, pelo qual só se abre a via do Castelo-forte da Alma. Donde o mandala disposto imaginalmente em forma de uma cidadela provida de dez torres. A ascensão desta cidadela é o propósito característico do presente tratado, da mesma forma que a ascensão do castelo do microcosmo caracterizava a via iniciática proposta no "Vade-mecum". Serão assinaladas mais adiante as correspondências. Num caso como no outro, esta ascensão é uma outra configuração simbólica da "viagem de retorno" descrita como uma navegação agitada no "Relato do exílio ocidental".
(5) É por isso que se dá aqui a preferência à segunda forma do título. Com efeito, a primeira, a saber "Palavras de sabor místico e golpes de ardente desejo", poderia muito bem intitular outros tratados místicos de Sohravardi. Se vem a propósito aqui como subtítulo, em contrapartida as "altas torres" marcam melhor a originalidade do presente tratado, oferecendo de imediato à visão interior o quadro no qual o autor põe em cena, no mundus imaginalis, a travessia da cidadela do microcosmo.
(6) Esta travessia constitui o momento central da Epístola. Esta se apresenta como uma sequência de estrofes que foram numeradas para facilitar as citações. Distinguem-se nela quatro grandes partes: 1) A primeira parte (estrofes 1 a 12) é essencialmente uma exortação. 2) A segunda parte (estrofes 13 a 18) evoca o exemplo dos grandes místicos. 3) Em seguida (estrofes 19 a 28), a ascensão das altas torres da cidadela do microcosmo. 4) Ao término desta ascensão, o místico vê abrir-se diante de si o mundo do Anjo, as presenças espirituais para as quais já o dirigia a nostalgia do exilado, nos relatos anteriores (estrofes 29 a 31).